29.12.06

A boa e velha felicidade

Nesta semana do ano, todas as coisas e cochichos giram entorno do tão esperado dia 31. Só se fala nisso. Todos planejam a roupa que vestirão, mulheres correm para os cabeleireiros, uns fazem resoluções para o ano que chega, outros dão nota para o que vai. É um corre-corre para cumprir prazos, ir a festas de fim de ano, participar de amigos-ocultos, dar beijo de ano-novo em fulano, abraço em cicrano, trocar os presentes e por aí vai.

É cansativo, muito mais cansativo do que o Natal, porque gera mais expectativa e mais tensão. Enquanto o Natal é uma festa associada à família, à união, à celebração - tão pouco feita - dos valores pregados por Cristo, o Réveillon é invariavelmente associado à farra, à festa, a aproveitar ao máximo os primeiros momentos do ano, como se não tivéssemos um ano inteiro para viver. A programação intensa que o Rio sempre promove mostra isso. Shows e mais shows, rios de dinheiro gastos para entreter a todos e saudar o novo ano com uma festa inesquecível. Ora, com o dinheiro gasto para trazer Black Eyed Peas e Infected Mushroom para Ipanema na hora da virada, poderíamos fazer mil shows ao longo do ano, para um público muito maior do que o que será beneficiado. Eu sei, eu sei, há o turismo envolvido, a importância de renovar a esperança de todos, e tudo mais. Mas, acredite, há também esse lado da necessidade de fazer todos aproveitarem ao máximo os primeiros instantes do ano. Isso acontece no mundo inteiro, não é mais uma exclusividade carioca, como o Cristo ou o Bondinho. É fruto da cultura imediatista em que vivemos. Por causa dela, a forma como passamos a meia-noite determina o desenrolar dos outros 365 dias do ano, ou seja, devemos fazer aquele primeiro momento ser magnífico para que o resto do ano também seja. Com todo esse peso que colocamos sobre o pobre dia 31, não é à toa que o fim de ano é tão cansativo, tão estafante.

No entanto, e agora essas linhas ganham sentido, acredito que este ano devemos mais do que nunca aproveitar com a maior intensidade possível esses primeiros segundos de 2007. É importante mostrarmos a este estado de coisas que estamos vivendo nos últimos dias aqui no Rio, a essa violência absurda, que estamos vivos. Mostrar que somos nós mesmos que mandamos nas nossas felicidades. Dizer que não vamos deixar que tiros e ações terroristas tirem o nosso direito de sermos felizes. O nosso direito de ir e vir, de sair e voltar. O direito negado hoje ao policial morto que comemoraria mais tarde o aniversário de sete anos da filha. Não vamos deixar que boatos e traficantes consigam tirar o nosso sono, nem estragar a maior festa da nossa cidade. Vida normal, gente, ou melhor, vida mais feliz. Vamos cantar, gritar, pular, dançar, amar, beijar, transar, chorar de felicidade, quebrar a cara se preciso for. Vamos fazer tudo para mostrar que não existe nada mais subversivo a esse estado de coisas do que a felicidade. A boa e velha felicidade.

13.12.06

Vou fingir que não ouvi

Espero que as palavras do Lula ao receber o prêmio de brasileiro do ano pela Istoé não reflitam o que o presidente realmente pensa. Seria decepcionante constatar que uma das pessoas que mais admiro pensa dessa forma. Dizer que ser de esquerda é ter problemas é o mesmo discurso usado contra toda a esquerda ao longo do século XX. Basta lembrarmos do discurso anti-comunista de que "a esquerda era doente mental".

Fiquei triste, realmente triste com essas palavras do Lula. Espero que seu segundo governo, pelo qual me empenhei - e muito - para que acontecesse, não traduza o que ele disse na última segunda. Bom, se lembrarmos de muita coisa que ele disse antes da eleição de 2002 e que não pôs em prática no atual mandato, veremos que isso não tem muita chance de acontecer.

De qualquer forma, agora, mais do que nunca, mais do que quando os escândalos de corrupção explodiram, mais do que se descobrissem dinheiro dentro da calcinha da Dona marisa, estou com um pé atrás com o Lula. E repito: triste, muito triste. Deus queira que esse tenha sido mais um discurso de platéia, ou seja, feito apenas para agradar a platéia de Antônios Ermírios e Gerdaus que compunham o auditório da Istoé. Que o verdadeiro Lula, o Lula em sua essência, seja o que discursa em palanque, o que fala coisas às vezes com um quê de exagero, mas coerentes com a sua biografia e consoante com os anseios do povo que o reelegeu.

11.12.06

Apesar do Gladiador Boy, assistam

Assisti no final de semana ao novo filme de Russell Crowe, a comédia romântica Um bom ano. Antes de qualquer coisa, vou deixar claro que não simpatizo com Crowe. Sei que ele é um bom ator, mas tenho minhas cismas. Implicância mesmo, pois sempre que vejo uma entrevista o acho arrogante e pretensioso. Mas, para minha alegria, nesse filme, ele está realmente mal. Canastrão, não sabe fazer comédia, não sabe mexer o corpo direito, fica desengonçado, perdido, cheio de caretas, nem perto do excelente ator de Uma mente Brilhante, de 2001. Agora, como o craque do mercado financeiro Max Skinner, Crowe vai mal, muito mal. Posso dizer que ele estraga o filme e deixa que os coadjuvantes roubem a cena.

Quem também rouba a cena é a região em que o filme se passa, a Provence, no sul da França, com as vinícolas e aquele clima afrancesado. É fantasticamente bonito. Simples, rústico, bucólico e francês. Très français. E as mulheres francesas? Lindas, com corpos maravilhosos e, lembrando que isso é cinema e não realidade, limpas... No meio disso tudo, eu louco para nunca acabarem as cenas com presença feminina, tinha que aturar o Crowe. Grrrr. Que raiva. Mas tudo bem. O filme vale pela trilha também. Muito bom, misturando temas franceses e americanos na dose certa.

Na dose certa estão também as já clichês trocas de farpas entre americanos, franceses e ingleses. Eles trocarem farpas é comum, mas nesse filme elas são originais e não ficam só naquele ramerrame de um criticando a culinária do outro. Isso tem também, mas falam da burrice americana, uma quase unanimidade mundo afora. E no meio desses diálogos legais, dos excelentes coadjuvantes e da bela paisagem, está Russell Crowe e seu ar pedante. Grrrr. Tudo bem, tudo bem. Ainda assim recomendo o filme. Bom programa. Apesar do Gladiador Boy.

24.11.06

Saramago chega às telas

Sei que tenho falado muito sobre política. Eu sei, eu sei, é um assunto massante para os dias de hoje. Entre tantas opções mais interessantes, como o vídeo do Dado Dolabella e do João Gordo ou as últimas da Cicarelli, eu insisto. Prometo que vou dar um tempo e falar sobre coisas mais leves. Mas antes, aí vai o endereço (http://oglobo.globo.com/blogs/ilimar/) de um comentário do Ilimar Franco, do Globo, que fala em seu blog sobre a importância da aliança entre o PT e o PMDB, as duas maiores bancadas da Câmara e os dois partidos mais populares do país.

Chega. Suavizando a coisa, recomendo que vejam hoje o segundo capítulo da série Antônia, na Globo. O primeiro episódio, semana passada, contou as histórias de quatro garotas cantoras e pobres, da periferia de SP, que têm um grupo chamado Antônia. Pelo primeiro episódio, parece ser bem legal. Vale lembrar para os mais desavisados que os produtores e diretores são os mesmos de Cidade dos Homens e, entre eles, o diretor de Cidade de Deus, Fernando Meirelles.

Falando em Fernando Meirelles, ouvi outro dia no rádio que ele filmará em 2007 o maravilhoso Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, sem dúvida, um dos melhores livros que já li. Saramago já disse que confia em Meirelles e Meirelles já disse que mal dorme com a tensão que a expectativa de Saramago provoca. Segundo o diretor, ele já se dedica em tempo integral ao novo projeto, que diz ser "o projeto da sua vida". Blindness, como o filme será chamado em inglês, promete ser um filmaço. A história é sensacional, mas falta saber se saberão roteirizá-la com sucesso e se Meirelles conduzirá o filme com o mesmo talento que mostrou em Cidade de Deus e em Jardineiro Infiel.

Bom, por hoje é só. Vou trabalhar. Abraços!

15.11.06

Pitaco nº 3 - o futuro a Lula pertence

E o futuro? O que esperar de um governo que, logo depois de sair das urnas, ensaia alianças com Jader Barbalho e Roseana Sarney? Infelizmente, acredito que são males necessários. No entanto, isso implica riscos: Jader Barbalho é um Roberto Jefferson da Amazônia, tão perigoso e traiçoeiro quanto o ex-gordo deputado. Ok, ok, faz parte do jogo. Mas fica aqui o aviso. Embora, como bem lembrou um amigo outro dia, o epicentro dos escândalos de corrupção fosse a cúpula do PT. Infelizmente, infelizmente.

Mas realmente acho que o segundo mandato será muito melhor. Lula só terá um compromisso: salvar a biografia dele. Entrar para a história como o primeiro presidente de esquerda que fracassou ou o que deu o pontapé para mudanças significativas. Se ele e Ele quiserem, ficaremos com a segunda opção. O ministério, ao que tudo indica, ainda contará com nomes de peso como Guido Mantega, Marina Silva, Ciro Gomes e ganhará reforços como Marta Suplicy e Fernando Pimentel.

Para 2010, já começam as previsões sobre possíveis candidatos. Será a primeira eleição sem Lula no páreo e o PT correrá para criar lideranças nacionais. Jacques Wagner e Marta Suplicy são nomes petistas que já ventilam. Ainda ao lado de Lula, corre o nome de Ciro Gomes, meu favorito. O PSDB já está dividido pelo excesso de presidenciáveis: Serra, Aécio e Alckmin, que não é carta fora do baralho. O PFL conta com a projeção nacional que os Jogos Panamericanos darão a César Maia. O PMDB, se compuser de fato um goveno de coalizão com o PT, deverá fazer o vice da chapa. Caso contrário, terá que correr contra o tempo para ter candidato.

Mas nada como o tempo. Esperemos para ver que governo é esse. Mais ousado do que o primeiro? Mais ético? Mais petista? Agora, é só esperar.

Abraço.

3.11.06

Pitaco nº 2 - uns ganham, outros perdem. A vida é assim.

(continuação do Pitaco nº 1)

Outro que teve que calar a boca com os quase 60 milhões de votos do presidente foi Arnaldo Jabor. Gosto muito dele, acho extremamente inteligente, mas não consigo mais ler o que escreve sem cair na risada. A crônica dessa semana é de uma imaginação fertilíssima, mas extremamente mentirosa. Segunda-feira, ele deu uma palestra lá na PUC em que falou bem do Fernando Henrique durante horas. Vocês se lembram das famosas entradas dele no Jornal Nacional para esbravejar contra o apagão e todas as outras pragas do governo FHC? É de uma incoerência absurda.

Fernando Henrique, aliás, também saiu perdendo. O PSDB deixou claro que têm vergonha dos seus oito anos de governo. Eles têm tanta vergonha das privatizações que o ex-presidente fez que o Nhô Alquimi chegou a colocar um boné da Petrobrás para tentar convencer as pessoas de que não a privatizaria. Claro que iria tentar. Pelo menos, venderia ações. O esforço d’O Globo para defender as privatizações foi em vão. Artigos e mais artigos publicados, matérias mais matérias, tudo isso serviu para nada. O Brasil, pela segunda vez, disse que desaprova FHC e as privatizações de suas principais empresas. As frases de efeito do desintelectual como “a ética do PT é roubar” entraram por um ouvido e saíram pelo mesmo, sem ecoar na cabeça de ninguém. O PT elegeu uma das maiores bancadas, aumentou o número de governos estaduais, com estados importantes como Bahia e Pará e conseguiu aumentar a votação que teve em 2002.

Outro ex-presidente que saiu perdendo foi Itamar Franco, que não se elegeu para nenhum cargo e tampouco contribuiu para aumentar a votação de Nhô Alquimim em Minas. Sarney também ficou enfraquecido, mas por outros motivos: a derrota da filha e a dificuldade em se eleger senador. Collor se deu bem voltando ao Senado. Os ex-presidenciáveis se deram mal quase todos, com exceção de Serra e Aécio. Germano Rigotto sequer foi pro segundo turno e ainda almejava à presidência. Essa gente delira, né não? Garotinho, coitado, fez o sucessor sem subir nenhuma vez em seu palanque e também era motivo de vergonha para sua candidatura e para a de Nhô Alquimim, no segundo turno. Provavelmente, vai transferir para Sérgio Cabral sua influência no Rio de Janeiro. Heloísa Helena e o natimorto PSOL perderam a vaga que tinham no senado, não ultrapassaram a cláusula de barreira e não empolgaram a população como uma alternativa à dobradinha PT-PSDB. Depois, com a eleição da petista Ana Júlia, reconsquistaram a vaga - o suplente da senadora é do PSOL. Cristovam Buarque saiu ganhando. Ganhou visibilidade como o defensor da bandeira da educação e fez uma campanha digna e entusiasmada. Sai ganhando se voltar a apoiar o governo, na minha opinião. César Maia também perdeu, pois não elegeu Denise Frossard e, certamente, foi um dos empecílios para o crescimento da deputada.

A esquerda como um todo saiu ganhando, depois do enfraquecimento que teve em 2005 no auge dos escândalos. A democracia, idem, caso sejam punidos os acusados pelos casos do mensalão e dos sanguessugas. O grande vencedor dessas eleições foi, sem dúvida, o povo. Os milhões e milhões de eleitores que, pela primeira vez - em 2002, isso não aconteceu -, conseguiram eleger um presidente com opinião própria, contrariando a imprensa, a Igreja, as elites políticas, o empresariado e a classe média. Li semana retrasada uma entrevista com um historiador brasileiro radicado em Paris em que ele dizia qu o maior mérito do governo foi ter transformado a maioria econômica em maioria política. Viva!

(continua)

30.10.06

Pitaco nº 1: acordei de alma lavada

Segundo turno finado, um novo Brasil emerge das urnas? Ou o bom e velho país do futuro longínquo e inalcançável continua o mesmo? Quem ganhou e quem perdeu com a reeleição de Lula? Quais são as perspectivas para os próximos quatro anos? Como sempre, aí vão meus pitacos. Como são muitos e o tempo é pouco, vou falando ao longo da semana.

O país saiu melhor. Democracia fortalecida, oito anos para um partido e oito anos para o outro. Pronto. Estamos quites. Se Lula perdesse, o PT desmoronaria. O partido criado há 26 anos do diálogo com os movimentos sociais e organizado entorno de um projeto de justiça social naufragaria. Antes, achei ruim o resultado do primeiro turno, por ainda acreditar no PT e por várias razões explicadas em posts anteriores. Agora, porém, gostei da ida para o segundo turno. Primeiro, porque o PT levou o puxão de orelhas que merecia. Segundo, porque, como disse ontem o Marco Aurélio Primo do Collor de Mello, a expressiva votação de Lula legitima seu segundo mandato. Quase 60 milhões de votos. Um cala boca em muita gente. Muita gente, quem?

Um cala boca na Veja. Não consegui contar quantas capas da revista foram negativas ao governo Lula, porque o site só dá acesso às capas para quem é assinante. Arrisco dizer, no entanto, que 90% das capas sobre o governo foram contra o presidente ou o PT. Motivos, sem dúvida, não faltaram. Corrupção, aparelhamento do Estado, incompetência na articulação política etc. etc. etc. Mas, ainda assim, é possível uma cobertura mais isenta. Ou melhor, uma cobertura mais responsável, mais madura e, acima de tudo, mais honesta. Jogar limpo são as palavras de ordem. Dizer abertamente que é uma revista que apóia o PSDB, que acredita no projeto político dos tucanos, que não acredita em Lula e ponto. Não fazer o que eles fazem, dizer que são imparciais. Ora, todos sabemos que impacialidade não existe. Mas que tentem pelo menos alcançar um mínimo de responsabilidade. Irresponsabilidade, pra mim, é o que a revista fez em julho de 2005, quando o recém estourado escândalo do mensalão assombrava o país. Não havia nenhum indício de que Lula estivesse envolvido com o esquema e Veja já escrevia Lulla, com a mesma grafia de Collor. Primeiro, não podemos esquecer das capas históricas em que a publicação ajudou a criar o presidente-super-homem que Collor personificava. Depois, aquela capa era um desrespeito com a biografia de Lula. Da mesma forma, foi desrespeitosa a capa com um rato vestindo paletó e gravata, com apenas quatro dedos, na mesma mão deficiente do presidente. Também foi desrespeitosa a capa com um pé na bunda do presidente, quando a Bolívia estatizou as plataformas da Petrobras. Sessenta por cento dos votos é suficiente para calar a boca da Veja. Para calar a boca de seus editores fascistas e golpistas, para calar a boca do Diogo Mainardi. O site da publicação já fala das dificuldades que Lula terá para governar devido às pendências jurídicas. Ora, cala a boca, Veja.

(continua)

3.10.06

Como dói ver de verdade

Conhecido na Europa como o Tchecov irlandês, Brian Friel tem uma grande capacidade de mostrar as transformações sentimentais dos personagens, seus dramas e frustrações. Molly Sweeney - um Rastro de Luz, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, conta a história de uma mulher cega desde os dez meses, já habituada, portanto, em ver através dos outros quatro sentidos e de sua sensibilidade. Molly, interpretada magistralmente por Julia Lemmertz, é casada com um homem imaturo (Orã Figueiredo), ora frustrado por não ter conseguido enriquecer com idéias sem sentido, ora colocando na possibilidade de Molly voltar a enxergar a sua própria felicidade. Influenciada pelo marido e pelo renomado Dr. Rice (Ednei Giovenazzi), desprestigiado pelo passar dos anos, ela decide fazer uma cirurgia que recuperaria sua visão. Feita a operação, Molly é obrigada a encarar um novo mundo, e leva a peça de Brian a uma série de questões.

Mas não se afobe não, que nada é pra já. Falemos antes dos atores. O marido criado por Orã Figueiredo fica caricatural em alguns momentos, mas faz bem o papel do homem que não tem uma idéia muito clara das conseqüências da cirurgia e é egoísta demais para suportar suas implicações. Ednei Giovenazzi brilha como o médico cuja mulher fugiu com um amigo e que vê na cirurgia uma forma de recuperar o sucesso de outros tempos, mas imperdível mesmo é Julia Lemmertz. O conhecido talento da atriz fez uma Molly extremamente sutil, delicada e sensível. É impressionante a preocupação de Lemmertz em conceituar uma linguagem corporal e gestual para a personagem, ainda por cima totalmente diferentes de outra personagem cega que interpretou na televisão.

A peça é escrita como se fossem três monólogos que se intercalam, e se desdobra enquanto os três personagens contam suas versões sobre a trajetória de Molly. A falta de comunicação entre os três fica clara no cenário, em que os três estão com algum material cênico e, separados, trocam idéias com o público e narram a história que viveram juntos. O diretor da peça, Celso Nunes, também assina o cenário, a iluminação e a trilha sonora, que funcionam perfeitamente com o conjunto. A iluminação é fundamental para a divisão da peça em três monólogos, enquanto a música só faz aprofundar a delicadeza da história. Outro destaque é o figurino, com detalhes como flores que são colocadas e tiradas, que transformam uma roupa em várias, além de outras peças que ressaltam a sutileza de Molly.

Vamos, então, às discussões que a peça suscita. Brian Friel inspirou-se no caso verídico narrado pelo neurologista Oliver Sacks para criar a história de Molly e do marido e do médico que querem operá-la a todo custo, sem se importarem realmente se ela quer ou não enxergar, ou melhor, enxergar como eles enxergam. Em um primeiro momento, podemos pensar que os três estão cegos. Molly, porque realmente é, e os outros dois por seus egoísmos. Mas, na verdade, como bem disse o tradutor da peça João Bethencourt, a personagem que melhor vê na peça é Molly. Dr. Rice e Frank não conseguem ver que é a si mesmos que pretendem salvar.

O mais fantástico da peça é não se restringir ao tema dos deficientes físicos, vital para o espetáculo, mas focar numa abordagem que se aplica a todos nós, que muitas vezes ficamos presos a nossos objetivos e convicções e nos tornamos cegos para com os outros, suas necessidades e verdadeiros desejos. Molly diz na peça que não precisava passar a enxergar como Frank e Dr. Rice enxergavam. Ela era feliz assim, trabalhava, era independente e totalmente adaptada a um mundo de sensações. Depois da operação, Molly não se adapta ao novo mundo que se apresenta a ela. Diz que ele é muito rápido e desenvolve uma doença chamada visão cega, em que ela passa a ver tudo nebuloso, apesar de biologicamente ter a capacidade de enxergar. Nesse novo mundo, ela perde a tranqüilidade e a auto-confiança, respondendo a uma pergunta que o marido havia feito antes da cirurgia para Dr. Rice sobre o que ela poderia perder com a cirurgia. Mas ela perde mais. Ela vive agora num espaço sem fronteiras e não se preocupa mais com o que é fantasia ou realidade.

O único porém da peça está numa preocupação presente no texto de Brian e que Celso Nunes procurou manter nessa montagem. O autor escreve de forma que até cegos possam "ver" a peça, bastando ouvir o texto para que a história seja compreendida. Por um lado, isso é louvável, mas por outro, torna a história explicada demais, e muito focada em diferenciar o ver da cegueira. Estrelado por Jason Robards, Catherine Byrne e Alfred Molina, o espetáculo foi sucesso na Broadway no final dos anos 90 e apenas uma entre várias peças de sucesso de Friel. Nascido em 1929 na Irlanda no Norte, o dramaturgo começou escrevendo para o rádio e no teatro alcançou seu primeiro grande sucesso internacional em 1964, com Philadelphia, Here I Come, sobre o tema da imigração. Molly Sweeney – Um Rastro de Luz estreou em Dublin em 1994. Com várias peças na bagagem, Friel é considerado um representante do chamado "novo humanismo".

É interessante quando, próximo do fim da peça, Frank conta sobre o dia que tentou tirar um texugo de sua toca no rio e levá-lo para o alto de um morro. O texugo não se adaptou no e voltou para a sua toca original, pois gostava de nadar. Molly pode ser perfeitamente comparada com o texugo. Também não se adaptou ao mundo que a colocaram. Em Molly Sweeney, entendemos como a vida que recriamos em nossa imaginação pode ser bela. Em apenas um rastro de luz, o pouco tempo que enxergou de verdade, Molly entendeu melhor do que ninguém o quanto pode ser doloroso ver de verdade.

18.6.06

Muito sério

Como os 42382482482482353458 leitores desse blog podem constatar, eu voltei antes de julho. Entrei numa que esse blog tava muito sério e tinha optado pro escrever coisas mais leves, mas esse post é inevitável. Li uma matéria no Terra e fiquei com vontade de comentar. Escrevi um e-mail pra toda minha lista e tô esperando sentado as respostas. Mas tudo bem. Como tô sem tempo, copiei e colei o e-mail. Aí vai.

Besos e boa eliminação na Copa!




Esse e-mail era só pra encaminhar essa matéria aí do lado (http://multimidia.terra.com.br/jornaldoterra/interna/0,,OI74063-EI1038,00.html). Se você tiver preguiça de ler o e-mail tudo bem. Só leia a matéria.

Abraços e beijos pros que escolheram a primeira opção (mas não deixem de ler a matéria),
Guilherme


Pros que escolheram a segunda, obrigado. Vamos lá. Evito mandar e-mails desse tipo com medo de ser mal-interpretado, mas esse é inevitável.
Como alguns sabem, votei no Lula e no PT em 2002, com muita esperança. Tinha 16 anos e, como grande parte de vocês, tive algumas decepções. Não esperava a falta de ética, a corrupção e a desfaçatez de muitos deles.
Mas, mesmo assim, vou votar novamente no Lula e sei que não estou errando. Por vários motivos que não cabem comentar, vou votar nele novamente.

E quando li essa matéria do Terra (http://multimidia.terra.com.br/jornaldoterra/interna/0,,OI74063-EI1038,00.html), pensei em escrever esse e-mail pra toda a minha lista. Quem quiser, sinta-se à vontade para repassar ou me responder dizendo que eu sou maluco, comunista, de extrema direita etc. etc. etc. Com esses e-mails, a gente dá a cara ao tapa.

Vocês sabem que são, sem exceção, privilegiados, como eu. A grande parte das pessoas da minha listas tem curso superior, carro, casa própria, boa comida e boas oportunidades. Somos a famigerada classe média alta que, desde 1995, vem sendo achatada.

Eu, nos meus inocentes vinte anos, acredito que o Brasil, por sua complexidade social, tão cedo não vao conseguir alcançar uma distribuição de renda mais justa, ou melhor, garantir que os pobres tenham oportunidade de estudar, sobreviver e trabalhar com dignidade. Mas isso está mudando. Por mais que me doa admitir isso, os dois governos do FH tiveram um papel importante nesse pequeno avanço. Ele reorganizou a economia. Isso foi fundamental para que um governo mais preocupado com as questões sociais, como o do Lula, conseguisse avançar nessa área. Mas esse avanço foi às custas do achatamento da classe média alta, a única de quem é possível tirar para distribuir a renda sem que isso prejudique a ordem pública.

Imaginem vocês se as políticas de distribuição de renda do PSDB/PT tirassem dinheiro dos grandes empresários e fazendeiros que mandam no nosso país? Seria um caos e nenhum governo conseguiria se manter no poder. O que eles fazem? Tiram de nós, que não possuímos força política suficiente para pressioná-los e ameaçarmos a democracia.

O e-mail tá ficando bem maior que eu gostaria, mas vamos lá.

Eu envio essa matéria para vocês verem como o governo do PT e do Lula, apesar de ter errado de um lado, cometendo delitos criminosos gravíssimos, acertou de outro. Inegavelmente, é um governo superior aos do PSDB na questão social. Estão acontecendo avanços sim. Quantas pessoas mais simples, como empregados, porteiros e outras pessoas pobres que conhecemos estão indo às escolas, estão estudando? Muitas famílias estão conseguindo colocar seus filhos em escolas, outras conseguem até concluir o curso superior. As coisas estão melhorando no Brasil. Repito, graças a avanços começados pelo FH.

Essa crise representa essa melhora. Ela, por exemplo, foi fundamental para que parte da imprensa aprendesse muito. Algum de vocês acha que não teve corrupção nas privatizações do FHC? Ou na aprovação da emenda da reeleição? Ele, há dois meses, no Programa do Jô, afirmou que pode ter tido, mas que as ações de corrupção teriam partido de membros da abse aliada e não do PSDB, partido dele. Ora, qual a diferença entre ele falar isso e o Lula dizer que não sabia das tramóias do Dirceu? Nenhuma. Mas, dessa vez, aparentemente, setores da sociedade estão mais maduros e muitos jornais e algumas revistas conseguiram, apesar das milhares de pressões políticas, discutir com sobriedade essa crise. O mensalão, começado pelo Pero Vaz de Caminha com os índios para conseguir a simpatia deles (o autor dessa comparação não sou eu), veio à tona. A imprensa conseguiu ficar do lado da sociedade contra um Estado corrupto. O Ministério Público passou por cima de interesses partidários e denunciou o esquema de corrupção do um governo com quase 50% de aprovação popular. As nossas instituições estão se aprimorando.

Acredito que votar no Alckmin, um candidato até bastante preparado, representa um retrocesso. Precisamos de um governo que vista a camisa do social, como o Lula está tentando fazer. A campanha, que começa depois da Copa, deve mostrar isso. Com mil e um números, eles vão mostrar que em quatro anos fez mais pelo social do que o FH em oito. Por que fez? Porque não se aliou com um PFL, um dos maiores partidos do Brasil, mas que não representa os anseios dos mais pobres, mas sim de 5% da população mais rica.

Vou terminar... Ta ficando grande demais. Gente, esse é o meu ponto de vista. Alguns amigos meus e da minha família preferem dizer que o PT é um demônio comunista atrasado e o PSDB é o partido da boa política ou que, como disse uma capa recente da revista de humor Veja, que FH detém a arte da boa política. Parem e sejam honestos. Vocês, privilegiados como eu disse, têm a obrigação de pensar e discutir o nosso país.

É muito bom se sentir orgulhoso pelas vitórias da seleção, né? Mas deve ser muito melhor colocar a cabeça no travesseiro sabendo que nenhum brasileiro passa fome.

Desculpem pelo tamanho do e-mail.

Beijos e abraços,

Guilherme Amado

30.5.06

O novo CD do Chico

Estou há séculos querendo escrever sobre o novo CD do Chico, mas estava faltando tempo e só gosto de comentar sobre um livro, CD ou filme depois de pensar bastante. Invariavelmente, acabo falando besteira do mesmo jeito, mas vou me atrever a criticar esse CD, pois acho que é um assunto que conheço bem.

Leio tudo que ele escreve, ouço tudo que canta e olho pra tudo que ele aponta. Quase sempre concordo com o que diz em entrevistas e em seus livros. Por tudo isso, acho que ele é um dos pouco ídolos que tenho. Suas músicas têm o dom de concordar com meus sentimentos e achismos. Minha indignação com a realidade social brasileira fica mais latente quando ouço suas letras políticas e sociais. Meu romantismo ressurge quando ouço músicas que transbordam poesia. Eu, que sou tão avesso ao gênero, adoro os versos do Chico. Sua veia de cronista também me fascina, assim como sonho com as "nossas" Carolinas, Ritas e morenas dos olhos d'água. Dos livros, acho que só li Budapeste. Duas vezes, e a segunda, como sempre, foi muito melhor.

Com o novo CD, Carioca, também foi assim. Estou ouvindo o disco pela quarta vez nesse exato momento e, acredite, ele fica cada vez melhor. Dificilmente o Chico fará alguma coisa melhor de tudo que ele já fez. Mas, garanto, as músicas desse CD são tão boas quanto as antigas. Como bem disse o crítico do Globo, Carioca é pra quem ainda acredita na existência da canção.

Pra quem está por fora desse óbito, recomendo que leia o excelente artigo do site Trópico, clicando aqui . Chico, numa entrevista pra Folha em 2004, foi a segunda pessoa a falar sobre a morte da canção. O crítico José Tinhorão já o tinha feito um ano antes. Curiosamente, seu disco possui oito novas canções. Novas e ricas.

A primeiríssima, Subúrbio, fala sobre uma fatia do Rio tão pouco representada, ofuscada pelas garotas de Ipanema e pelos morros. Realmente, até ler sua última entrevista para o Globo, não tinha percebido isso. O subúrbio tem poucas representações à altura da sua importância. Chico tenta corrigir esse erro. E o resultado ficou bem legal. Como complemento à essa música, leia o post intitulado Gente Humilde, música atribuída ao Chico que também fala sobre esse lado da cidade.

A segundona, pra mim, é uma das melhores do disco. Chama-se Outros Sonhos e tem cara de música dele. Lembra em algum momento A Banda, talvez por falar o tempo todo de um sonho. Lembra também aquela que é, para mim, talvez a melhor de suas canções, João e Maria. Não vou viajar muito na minha análise, porque o Paulo Roberto Pires, no No Mínimo, fez muito melhor do que eu. Outros Sonhos, para ele, é um espelho de Sonhos sonhos são, segunda faixa de As cidades, o CD anterior do Chico. Ele diz ainda que, em vez do pesadelo de um avião cheio de desamor, o sonhador de Outros Sonhos, igualmente distante da mulher amada, vive num país de sonhos, em que "a polícia já não batia", "maconha só se comprava/ Na tabacaria" e "de mão em mão o ladrão/ relógios distribuía". O início da letra tem como mote, ainda segundo ele, uma canção chilena que o Sérgio Buarque cantava pra o filho: "Sonhei que o fogo gelava/ Sonhei que a neve fervia/ E por sonhar o impossível/ Sonhei que tu me querias". Se só tivesse essa música, o disco já valeria.

Mas, felizmente, ainda temos outras pérolas. Hoje fico por aqui. Amanhã, se o tempo permitir, termino minha magnífica e revolucionária análise.

Abs

29.5.06

Ricardinho, o aprendiz no trato com as mulheres

Desde pequeno, Ricardinho sempre foi usado pelas mulheres à sua volta. A mãe, as irmãs, a namorada e até a cadela fazem e desfazem do pobre rapaz. Vez ou outra, ele tenta dar seu grito de liberdade, mas até hoje não teve sucesso. Essa é a primeira de muitas histórias desse doce e singelo rapaz, nascido lá pros lados do interior do estado e um tanto quanto ingênuo.

Ricardinho, o aprendiz no trato com as mulheres apresenta:

Ricardinho versus a ameaça do Ricardão

- Amor, vou desligar. Desliga antes pra eu não ficar culpado?
- Ai, não, docinho, desliga você antes.
- Eu não vou ter coragem. Desliga, vai.
- Ontem fui eu que desliguei. Agora desliga você, docinho.
- Como assim, Mariana? Ontem a gente não se falou pelo telefone. Esqueceu que eu tava afônico?
- Claro que nos falamos, Ricardinho...
- Mariana, ontem a gente não se falou pelo telefone. Com quem você fez essa nossa brincadeirinha de quem desliga primeiro?
- Com ninguém, docinho. Precisa falar com essa voz?
- Mariana Vasconcelos, não me chame de docinho. Eu odeio quando você me chama de docinho.
- Ai, amor, como você é cínico. Há cinco anos eu te chamo de docinho e você nunca tinha me dito que odeia ser chamado de docinho. Cínico e falso!
- Mariana, não muda de assunto. Com quem você falou ontem?
- Ah, agora quer controlar com quem eu falo ou com quem eu deixo de falar, é? Manipulador, controlador. E ainda quer casar? Imagina quando botar uma aliança no meu dedo! Vai achar que é meu dono.
- Se eu colocar uma aliança no seu dedo! Se eu colocar!
- o quê!? Você está desfazendo nosso noivado? Seu canalha. Seu sórdido. Você me impressiona, Ricardo. Quero ver você encontrar uma namorada tão dedicada como eu. Quem passa minacora nas suas frieiras? Com certeza não é a vaca da sua mãe.
- Não fala da minha mãe porque ela é ótima com você. Parou até de apontar seus defeitos.
- Ah, agora eu sou cheia de defeitos. Faz o seguinte, então: vê se casa com a sua mãe, já que ela é tão perfeita. Pode passar aqui em casa pra buscar suas coisas.

Duas horas mais tarde, na casa dela, ele entra com o rosto inchado de tanto chorar.

- Mari, tô aqui na sala. Vamos conversar? Cadê você?
- Me esquece! Pega suas coisas e vai embora.
- Amor, eu falei aquelas coisas de cabeça quente. Eu te amo.
- Você ama é a sua mãe. Pra mim, só restam insinuações maldosas. Ricardo, como você ousa imaginar que eu te traí? Só porque eu fiz uma pequena confusão.
- Não foi isso que eu quis dizer, amor. Você sabe que eu sou louco por você. Só tinha achado estranho. Mas agora tudo bem. Sai desse banheiro.
- Não... não vou sair. Já liguei o gás do chuveiro. Vou me matar. (gritos de choro)
- Mariana, não faz isso comigo. Eu te amo. Sai desse banheiro. Fala comigo, Mari. Sai daí.
- Só se você pedir com jeitinho.
- Amor, você é a coisa mais importante da minha vida. Eu te amo muito, muito, muito. Você é meu chão, meu sol, minha razão de viver, minha causa, minha conseqüência.
- Ai, Ricardinho, aí já tá ficando brega.

Ela sai do chuveiro, de cabelo molhado, vestido preto e batom vermelhocom salto alto.

- Tá, Ricardinho, te perdôo. Mas só se você me der aquela blusa que você prometeu.
- Claro, amorzinho.
- E o jantar no Gero?
- Claro. Tudo pra ter você de volta.
- Ai, Rick, você é um príncipe!

21.5.06

Fiz uma pequena extravagância. 15 reais



Muitas pessoas têm gostado desse blog (até agora, 4). Eu também gosto de escrever aqui, mas às vezes me incomoda a sensação de que ninguém lê. Tudo bem. Vou continuar escrevendo. Se você está com pena, dá uma comentada, tá? Nem que seja pra me xingar. Falem mal, mas...

Bom, não estou postando só pra falar sobre o futuro do Textosetc. Hoje comprei cinco CDs. O novo do Chico, os dois novos da Marisa Monte, o novo do Lenine e o novo do Nando Reis. Gastei 15 reais. Isso mesmo. Piratão. Se fosse comprar os cinco na loja, verdadeiros, gastaria uns 120 reais, no mínimo. Ou seja: não compraria, porque não tenho essa grana pra gastar em CD.

Como já disse, e meus amigos sabem, sou um pouco politicamente correto, o que me impediria de comprar CD pirata e tirar empregos de milhares de técnicos e funcionários envolvidos na produção do disco, além de onerar o pobre do artista. Mas pensem comigo, caros leitores....

Todos sabemos que o artista só ganha uma ínfima percentagem pela venda de um disco. Uns dizem que não passa de um real. O resto do dnheiro vai pra gravadora, que lucra e paga os funcionários. Mas o camelô, o pirateador, o atravessador etc. também não lucro com a pirataria? Eles não precisam trabalhar da mesma forma que os outrs funcionários da gravadora? Não têm filhos pra sustentar do mesmo jeito.

Não me venham os economistas e empresários dizerem que a informalidade do camelô é ilegal. Ilegal é passar fome, não ter trabalho, não poder dar um presente pro filho no aniversário. Sou radical quanto a isso. Salve o camelô! Salve o ambulante! Salve o sacoleiro! São trabalhadores da mesma forma que vocês, economistas e empresários. E eles têm o direito de trabalhar no que desejarem.

Além disso, há o debate cultural. Se o preço dos CDs continuarem como estão, poderá uma pessoa que ganha 350 reais por mês ouvir música? Outra: ao artista é muito interessante que muitas pessoas ouçam sua música, porque isso atrai mais público para seus shows, onde ele realmente fatura.

Voltemos aos discos que comprei. Até agora, já ouvi os dois da Marisa Monte e parte do CD do Chico. Estou esperando pra ouvi-lo inteiro amanhã, plena segunda-feia. Não é erro de digitação, é feia mesmo.

Não entendo muito de música, mas acho que tenho bom gosto e uma visão despida de preconceitos sobre a mais universal das artes. Adoro música brasileira, seja ela como for. Ouço muito samba, bossa-nova, MPB, por mais ampla que seja essa denominação. Adoro sambar, dançar forró, música de gafieira e outros ritmos. Acho o astral de qualquer micareta extremamente contagiante e não consigo ficar parado, seja na pipoca ou no abadá. Acho pagode tão normal quanto samba, porém as letras são mais pobres. Não ouço, nem danço funk e hip-hop, mas vejo os dois ritmos como expressões artísticas. Da mesma forma, ido com rock pesado, os metal isso, metal aquilo. Não gosto, mas respeito. Pop eu gosto e ouço os artistas que têm composições legais, como Lulu Santos, Los Hermanos, Titãs etc.

Música estrangeira não é meu forte, mas curto um pop-rock americano. Gosto de dançar ritmos latinos e agora, que estou aprendendo français, estou conhecendo umas múscias bem bacaninhas.

Chega de falar dos meus gostos, porque os poucos que leram até aqui já devem estar de saco cheio. Gostei dos CDs da Marisa Monte. Infinito Particular e Unvierso ao meu redor. O primeiro é mais MPB e o segundo é de samba. Este tem uma proposta bem legal. Ela resgata sambas que estavam se perdendo com o tempo, porque nunca tinham sido gravados, ou se tinham, os orginais estão perdidos. Muito bom, mas "Barulhinho bom" ainda é seu melhor disco, sem comparação.

Soube uma curiosidade do CD do Chico que não li em nenhuma matéria ou entrevista. A música que as rádios estão trabalhando, "Ela faz cinema", tem um refrão igual ao título e fala de uma mulher que brinca com o cantor. Nossa santidade, Chico Buarque, que também compõe em francês, traduziu a expressão "faire du cinema" para o português. Lá, isso equivale a dizer em português que alguém finge, faz teatro etc. Ele diz que a mulher faz cinema, ou seja, finge, brinca com ele. Meio cultura inútil, né? Mas deixa pra lá.

Pra terminar, divulgo aqui a data de lançamento do livro do Luiz Eduardo Soares: dia 23 de maio, no Botafogo Plaza Shopping, Armazém Digital, às 19h30. Leia dois posts anteriores e vejam porque a palestra é imperdível.

Besos e hasta la vista!

8.5.06

Luiz Eduardo, meu ídolo, meu mestre, meu santo padroeiro

Mal estreei esse esplêndido blog e já fiquei seis dias sem postar. Tsc tsc tsc. Vou fazer como o SBT fazia na época do Collor com "a semana do presidente", mas numa versão pé de chinelo.

Semana de altos acontecimentos. Fui assistir ao filme Falcão, meninos do Tráfico, numa sessão especial lá na faculdade, seguido de um debate com o antropólogo Luiz Eduardo Soares.

Primeiro, falo do filme, depois dele. O filme é bom, muito bom. Não vi a versão do Fantástico, que foi uma edição feita pela Globo, mas o especialista-mor nesse tema, um ex-professor meu, Sérgio Mota, disse que a versão fantástica teve uma estética mais televisiva do que de cinema.

Como, há muito, eu já tenho uma preocupação social, o filme não me chocou tanto, mas ainda assim, é deprimente ver moleques de 9 anos falando que seu sonho é ser bandido. Uma coisa que me impressionou foi a forma como os falcões, como são chamados os meninos que trabalham pro tráfico, enxergam seu trabalho. Para eles, os moradores do morro não têm o direito de fechar a porta pra eles numa eventual fuga, já que eles estão apenas trabalhando. Vale a pena ver o filme.

Agora vamos ao Luiz Eduardo Soares. Antropólogo e cientista político, professor da UCAM e da UERJ, ele foi secretário de segurança pública no início do primeiro governo do Garotinho, naquele tempo que o governador não passava fome. Saiu em 1999 por não concordar com alguma coisa que aconteceu. No início do governo Lula, até setembro de 2003, foi secretário nacional de segurança e começou a implantar o sistema nacional de segurança pública. Em setembro, no entanto, foi alvo de denúncias e pediu demissão. No mês seguinte, descobriu-se que o dossiê era faldo. Ele conta em seu site que as acusações haviam sido plantadas por pessoas que vinham nele um obstáculo para a realização de projetos pessoais ilegais. Dois anos depois, vimos que ele podia ter razão.

De lá pra cá, ele escreveu mais dois livros, somados aos vários que já havia escrito, principalmente na área acadêmica. O primeiro foi com o rapper MV Bill e com Celso Athayde e chama-se Cabeça de Porco. O segundo, Elite da Tropa, chegou às lojas semana passada e teve grande repercussão na imprensa, pois conta as entranhas do Bope, de forma fictícia, mas baseado em fatos verdadeiros contados pelos outros autores, ex-policiais do BOPE.

Voltando ao Luiz Eduardo: achei ele o máximo. Ele encara a situação que a gente vive nessa cidade tão abandonada com uma lucidez impressionante. Ele conta uma história pra justificar seu trabalho agora que ele deixou a vida pública. Foi acompanhar uma missão policial num morro e presenciou uma verdadeira carnificina que o impediu de dormir a noite toda. No dia seguinte, o resto da cidade amanheceu como se o que ele havia visto na noite anterior não tivesse acontecido. Desde então, ele trabalha pra que todos percam o sono como ele. Metaforizando, diz que é um disseminador de insônia.

Segundo ele, a classe média do Rio vive uma situação ambígua, um meio termo entre a consciência do que acontece nos morros e o desconhecimento de tudo por que passam milhares de crianças e moradores de favelas ou áreas de atuação de traficantes. Ele acredita que, na verdade, não se tem noção de como é dramático o quadro.

Mais adiante, ele disse admirar o trabalho voluntário e a atuação do Terceiro Setor, que vem provocando importantes mudanças nas comunidades e na vida de diversas pessoas carentes. Mas, ainda assim, ele defende que não podemos desistir de mudar o Estado, pois somente uma mudança estrutural poderá resolver os problemas brasileiros. Ressaltou, no entanto, que não podemos desacreditar a democracia, pois somente com ela conseguiremos esses avanços.

No final do debate, em virtude uma pergunta na platéia, o assunto debandeou para a legalização das drogas e ele disse ser favorável, por uma série de razões que não cabem num post. Até então só tinha feito uma pergunta sobre como ele, que havia trabalhado na esfera pública e na sociedade civil, via a forma de atuação de ambos para modificar essa situação.

Mas tive que levantar meu metido dedo novamente quando ele falou que não podemos culpar os usuários de droga por uma política de drogas equivocada. Eu disse que não podemos cullpar, mas não podemos também desculpabilizar, já que é o usuário que engendra todo o mecanismo do tráfico. Sou a favor da legalização, mas enquanto ela não se concretiza, não consigo aceitar que vários amigos com grande consciência social usem maconha.

Tenho um conhecido que tem uma grande preocupação social, mas, mesmo assim, usa maconha. Do que adianta ? Ele, com todos seus Marxs debaixo do braço e idéias revolucionárias na cabeça, é o responsável indireto por uma terrível realidade.

Bom, já me estendi bastante. Abaixo, dois links. Um pro site do Luiz Eduardo e outro para o No Mínimo, onde ele deu uma excelente entrevista falando sobre seu novo livro.

http://www.luizeduardosoares.com.br
http://www.nominimo.com.br

Abs

2.5.06

Gente Humilde

Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar

São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar


Poucas músicas são tão fortes como Gente Humilde, composta por Vinícius e Chico sobre a melodia de um compositor popular carioca, chamado Garoto.

Há cerca de duas semanas, o Chico deu uma entrevista para aquela preciosidade que é a Revista de Domingo do Grobo, contando que, na verdade, não teve quase nenhuma contribuição na letra de Gente Humilde. Seu nome entre os compositores da canção foi um gesto de carinho do amigo Vinícius, quando Chico, em 1969, o convidou para ser padrinho de uma de suas filhas. Para retribuir a amizade de Chico, Vinícius pediu que ele acrescentasse dois versos à letra que estava fazendo para uma bonita e triste melodia de Garoto. Assim nascia Gente Humilde, uma música capaz de fazer o coração mais frio se emocionar com a triste realidade do pobre brasileiro.

O personagem da música passa de trem por um subúrbio e se emociona com a capacidade dos moradores de enfrentarem a pobreza e as adversidades, sem ter com quem contar.

Faço aqui uma ponte entre a realidade que essa música mostra e a fantasia da última campanha da Chevrolet para o Rio, aquela intitulada "Pra quem mora no Rio, cada quilômetro é único". Realmente. É uma experiência única passar na Rocinha, assim como é uma experiência única passear na Lagoa. Bom, não vou me alongar no tema tão explorado da cidade partida, mas lembrei de outro fato.

Quem curte esse tema deve procurar ver o documentário feito pelo grupo de televisão comunitária da Rocinha, chamado Entre muros e favelas. É um filme bastante político que mostra a visão dos moradores de vários morros sobre a política de segurança pública, sobre a forma como os policiais entram no morro etc. O mais interessante do filme é ver uma visão de dentro, diferente da formulada por João Moreira Salles em Notícias de uma guerra particular, por exemplo, ou por Fernando Meirelles em Cidade de Deus.

Quando assisti a esse documentário, seguiu um debate com um dos diretores do filme, cujo nome, infelizmente, não me recordo agora. Ele, morador da Rocinha, disse que discorda com o emprego do termo "cidade partida", preferindo usar "cidade segregada". Para ele, o primeiro termo traz a idéia de que não há comunicação entre as duas partes. Como, graças a Deus, aos moradores e a entidades como o Viva Rio, ainda não perdemos esse contato, o termo segregada é o mais correto.

Termino por aqui minhas divagações e aproveita para dizer que estou entrando em greve de fome em solidariedade a Anthony Garotinho.

Abs.

29.4.06

Essa hipocrisia me irrita. Muito.

Vivemos num país hipócrita, governado por um hipócrita, com uma oposição hipócrita. A imprensa é hipócrita, a Igreja é hipócrita, a direita e a esquerda são hipócritas. Eu sou hipócrita e você também.

Fingimos que não sabemos que o Lula sabia. O Lula finge que não sabia.

Fingimos que não sabemos que o FHC detonou o país privatizando todo o nosso patrimônio sem o menor cuidado, além de ter comprado a reeleição e outras cositas mais. Ele finge que não fez.

A imprensa finge que o escândalo do banco Nossa Caixa não teve dedo do Alckmin. A gente finge que acredita.

Mas eu, apesar de toda a minha hipocrisia, não vou fingir qur não estou vendo a campanha que nossa imprensa está fazendo contra o crápula do Garotinho e toda a sua corja. Ora, Garotinho já existe no cenário nacional desde 1998, quando se tornou governador do segundo estado em arrecadação de impostos, o Rio. Há oito anos ele, sua senhora, seus filhos, genros e noras ferram a vida de nosso estado, com políticas públicas ineficazes e falta de planejamento para a recuperação econômica, cultural e, acima de tudo, social.

Bastou ele encostar no Alckmin nas pesquisas eleitorais para todos tirarem das gavetas todas denúncias contra ele. Numa das principais revistas semanais do país, a campanha pró-Alckmin chega a ser gritante. No site do PSDB, um texto louvando as qualidades gerencias de Alckmin fala de características totalmente opostas às estampadas essa semana na capa da revista, que elenca os defeitos do mau político. Alckmin, certamente, não é populista, corrupto, gastador, irresponsável, fraudador, falso e intervencionista, para essa publicação. Meu Deus!

Não vamos admitir isso. Não vamos deixar ser manipulados. Todos os políticos com chance de vitória nessa eleição possuem pelo menos um caso de desvio ético que mancha sua trajetória. Pensem bastante e façam a escolha: vale a pena votar em algum deles? As realizações de Alckmin e Lula são suficientemente boas para compensar seus desvios éticos?