30.4.08

Qual é o futuro do jornal impresso ?

A pergunta martela na cabeça não só de jornalistas, mas também das várias gerações que desenvolveram o hábito de se informar por meio das grandes e sujas páginas dos jornais diários, como Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Durante décadas, celeiros dos grandes talentos do jornalismo nacional, os jornalões partiram para o contra-ataque na concorrência dos meios eletrônicos, especialmente a internet.

Respondendo à crescente ameaça, grandes empresas de comunicação apostam na convergência de mídia para reduzir custos, ou seja, uma mesma matéria passa a ser produzida em texto (jornais impressos e sites), áudio (podcasts, rádios) e vídeo (TVs, vídeos on-line, celulares). Exemplo dessa tendência é a reestruturação em curso no Infoglobo, braço das Organizações Globo responsável pelos impressos O Globo, Extra, Expresso, Diário de S. Paulo e pelo portal Globo Online. Ainda este ano, especula-se que a empresa reunirá em uma só redação as equipes dos três diários cariocas e do portal Globo Online, diminuindo o número de funcionários e aproveitando para diferentes meios a mesma matéria apurada. Tudo isso para tentar competir com a força avassaladora dos meios eletrônicos entre as novas gerações, principalmente as que já cresceram familiarizadas com a internet.

Mas se a rede parece ter o poder de ameaça que a TV e o rádio não tiveram, por que a circulação dos jornais brasileiros só tem aumentado nos últimos anos? E o futuro, que destino reserva para eles? Os jornais gratuitos não seriam capazes de concorrer em pé de igualdade com os sites e blogs? Para responder a tantas perguntas, o Textos etc entrevistou Javier Hernandez, ex-superintendente de circulação de O Dia, um dos principais jornais populares do Rio de Janeiro. Javier participou do lançamento do também popular diário Meia Hora, em setembro de 2005, movimentando o mercado de jornais cariocas ao oferecer às classes C e D um preço de capa de R$ 0,50.


Textos etc: Sempre existirá mercado para o jornal impresso?

Javier: Não se pode afirmar que sempre haverá mercado para o jornal impresso. Mas num horizonte bem amplo, que talvez abranja grande parte deste século, não há indícios de que ele acabará. Certamente ele passará por adaptações profundas de forma e conteúdo, para atender anseios informativos de um público que não pode satisfazer estes mesmos anseios e necessidades em outras mídias, como a internet, por exemplo. Com o tempo, os jornais voltados para segmentos mais preparados intelectualmente não terão outra saída a não ser adotar um jornalismo mais reflexivo, o que é inimaginável na televisão comercial e aberta, por exemplo. Outro dado muito favorável ao jornal impresso pode parecer prosaico à primeira vista, mas é de fisiológica importância: estudos científicos indicam que é muito mais fácil, amigável e confortável (e rápida) a leitura de textos em papel do que numa tela de computador, por mais nítida que ela seja.

Textos etc: Alguns jornais estão apostando na convergência com outras mídias, como a internet e o rádio. Qual sua opinião sobre essa tendência?

Javier: Esta é uma tendência inevitável (porém discutível e arriscada devido aos perigos que traz à qualidade do jornalismo), porque dá às empresas condições de, a partir de uma mesma plataforma de apuração, produzir informações para duas, três ou quatro mídias diferentes do mesmo grupo de comunicação. Ou seja: menos gastos com pessoal, maiores receitas, menos jornalistas empregados com risco de menor qualidade e abrangência no material produzido. Esta tendência não tem nada a ver com a natureza do jornalismo. É apenas uma grande imposição econômica.

Textos etc: Como a distribuição pode inovar para aumentar o mercado dos jornais impressos e torná-los mais acessíveis para as novas gerações?

Javier: O grande desafio da distribuição é o desenvolvimento de uma ferramenta de controle que reduza o total do encalhe dos jornais. Hoje, se um jornal custa um real, tenha certeza de 20 centavos estão no preço final para cobrir o custo do encalhe. Então, reduzir esta perda e maximizar a venda pode resultar, sem dúvida alguma, na redução do preço final de capa de um determinado veículo. Hoje, não há como você controlar o que fazem as bancas. Todo mundo já viu uma banca estar sem jornais e outra, 100 metros a frente, estar apinhada deles. Como são os capatazes (donos de várias bancas) que fazem a distribuição capilarizada, é uma situação que foge à capacidade de gerenciamento das empresas jornalísticas. Dessa forma, o processo de alguma forma deve ser todo passado ao jornal, que indicaria ao capataz a quantidade exata de exemplares que ele deve colocar em cada ponto de venda. Mas para isso, é preciso também investimento em tecnologia.

Textos etc: Na América Latina, ao contrário dos países europeus e dos Estados Unidos, a circulação de jornais tem aumento nos últimos anos em alguns segmentos, como as classes C e D. Esse aumento será duradouro?

Javier: É claro que, com a melhora do ambiente econômico na América Latina, há uma curva de crescimento dos jornais, especialmente os mais populares, aqueles que inserem novos leitores, gente que tinha vontade e necessidade de ler e se informar segundo suas capacidades educacionais, mas que estavam alijados. É um processo que ainda tende a crescer muito, especialmente no Brasil.

Textos etc: Por que poucos jornais gratuitos dão certo do ponto de vista financeiro no Brasil?

Javier: Não é só no Brasil. Na Europa, publicações como o Metro trazem resultados não muito bons do ponto de vista financeiro. Na Espanha, para se ter um exemplo, a circulação dos gratuitos talvez já tenha atingido 50% de market share da circulação total (incluindo os jornais pagos), mas não chega a 10% do bolo publicitário. Jornais gratuitos são, ao contrário dos populares, produzidos de uma forma independente e colheita de informação, impressão e distribuição são coisas custosas. Os populares, não: em geral usam a base de informação do jornal mãe, da mesma forma que se utiliza da mesma distribuição e máquina impressora, etc.

29.4.08

Relíquias - Que boa besta é o Marx

A frase do título está na primeira parte da entrevista que Nelson Rodrigues deu a Otto Lara Resende em 1977 na TV Globo. Recém-recuperado de uma doença, Nelson e Otto discutem bastante e Nelson mostra todo seu famoso reacionarismo. A entrevista, aliás, foi motivada pela publicação de O reacionário, reunião de seus textos carregados de regras e preceitos cristãos. Abaixo, as três partes da conversa.

Excelente frasista, Nelson solta pérolas como "O sujeito só devia beijar uma única mulher em toda sua vida" e a do título deste post. Cristão convicto, Nelson não esconde a falta de modéstia do alto de seus 65 anos.








28.4.08

O Rockfeller do audiovisual brasileiro

Roteirista de sucessos do cinema nacional e da televisão, José Carvalho defende um novo modelo de negócios para o mercado audiovisual


O Primeiro Dia, escrito com Walter Salles e Daniela Thomas

A greve de roteiristas em Hollywood, iniciada no final de 2007 e terminada apenas este ano, levantou uma discussão sobre o mercado audiovisual brasileiro. Será que nossos roteiristas têm poder suficiente para entrar em greve e reivindicar, como no caso americano, o pagamento de royalties pela venda de séries de televisão em DVD? De acordo com o roteirista José Carvalho, não. O baiano, residente no Rio, e roteirista de séries como Carga pesada e filmes como O Primeiro Dia, dirigido por Walter Salles, faz parte de uma nova geração de profissionais do audiovisual extremamente preocupada em constituir mercado, ou seja, em fazer a indústria do audiovisual crescer e se formar, nos moldes da maior de todas, a americana.

De acordo com o roteirista, que também possui uma empresa especializada em roteiros, a centralização do mercado audiovisual entorno de apenas uma empresa - as Organizações Globo - trouxe para o Brasil benefícios muito grandes, como a qualidade técnica, especialmente na televisão. Mas trouxe problemas também. “O modelo de oligopólio impede que cresçamos”, explica. Não falta exemplo para comprovar as idéias de Carvalho. O despretensioso Pequena Miss Sunshine, fruto de uma produção independente, foi o grande sucesso internacional da safra de 2007 dos filmes americanos. Por aqui, segundo ele, isso seria impensável, já que existem uma série de entraves decorrentes do modelo de oligopólio dominante. No caso do cinema, por exemplo, a distribuição é reconhecidamente precária, os profissionais são mal remunerados e o público não possui hábito de assistir cinema nacional. Mas Carvalho acredita que, tudo isso, tem solução.

O choque de capitalismo

- Precisamos de projetos que ajudem o Brasil a constituir mercado – defende. A solução, acredita ele, é romper com a tendência que impede a realização de projetos de pessoas que não têm contatos em grandes empresas do governo ou em multinacionais. “Nosso capitalismo ainda é colonial. Só lucra quem é amigo do rei.”, explica. Há menos de um ano de volta ao Brasil, após uma produtiva temporada estudando o mercado norte-americano, Carvalho acredita que nossas multinacionais precisam entender que o mundo inteiro admira a cultura latino-americana e que é muito interessante durante essa internacionalização que elas se associem a essa cultura, que pode dar cara a uma marca. Novamente, ele cita um exemplo, dessa vez espanhol, em que o patrocínio de empresas privadas a partir da década de 1980 projetou uma outra Espanha para o mundo, muito mais moderna, democrática, e com uma cultura riquíssima. “Um dos maiores cineastas atuais, Pedro Almodóvar, só é possível por causa disso.” – explica.

O atual projeto do roteirista é orientado nesse sentido. Ele criará, em uma parceria com a PUC-Rio, um pólo de desenvolvimento de roteiros a partir de obras da literatura latino-americana, para ser patrocinado e produzido por empresas privadas brasileiras. Grande apaixonado pela cultura nacional, ele acredita que é possível, através dela, impulsionar nosso capitalismo. “Eu, como roteirista e empresário que também sou, preciso usar dos meios disponíveis para ajudar esse mercado a nascer.” – completa.

26.4.08

O mirante azul começa a se transformar

Diferente de outros bairros cariocas, como Tijuca e Botafogo, por exemplo, que atravessaram longas etapas de transformação, Copacabana já nasceu com a configuração de um bairro. Em menos de 30 anos, já estava ocupado e dotado de todos os serviços urbanos. Pode-se dizer que Copacabana nasceu moderna porque não trazia em si marcos da cidade do passado e sim da cidade moderna. Foi fruto do empreendimento imobiliário de cunho capitalista, em que rapidamente foi absorvido tudo o que havia de novidade, seja nas formas arquitetônicas, nos materiais de construção, seja nos hábitos e costumes. Em Copacabana se forjou o novo modo de viver do carioca.

Nas sucessivas demolições que se processaram, o bairro foi perdendo os vestígios do seu passado. Enquanto no Centro, o morro do Castelo, berço histórico da cidade, era arrasado, Copacabana perdia sua Igrejinha de N.S. de Copacabana, um dos marcos de suas origens. O imenso areal, cenário paradisíaco que contrastava o azul do mar com o brilho do sol, tinha um nome bastante sugestivo para sua beleza. Em quíchua, língua indígena até hoje falada na Bolívia, Peru, e outros países andinos, copacabana quer dizer mirante azul. Muito afastada do centro da cidade e de difícil acesso, a região continuaria pouco povoada até o final do século XIX, quando lá chegaram os trilhos de bonde. Mas antes é importante entender porque isso aconteceu.

Até meados de 1870, o Centro do Rio concentrava as atividades manufatureiras, o comércio, o porto, os serviços e a maior parte das moradias urbanas. Naquele tempo, era regra morar-se perto do trabalho. O entorno desse eixo principal era escassamente ocupado por casas de residência permanente e a cidade ainda não estava dividida de forma funcional como hoje, em área comercial, área industrial e residencial. Simultânea ao crescimento da população, houve a implantação de serviços públicos, principalmente de transportes coletivos modernos, como bondes e trens. Novas áreas foram sendo incorporadas à malha urbana, dando origem a diversos bairros e, não por acaso, a excelentes negócios.

Copacabana já nasceria famosa, por ser pivô de uma das mais escandalosas concessões de serviços públicos do Segundo Império. A construção e a exploração das linhas de transporte, bem como de outros serviços e grande obras públicas, eram feitas por particulares ou empresas através de concessões obtidas com o governo imperial. Uma dessas concessões foi dada a um empregado do Paço Imperial, que passou a ter o direito de criar e tocar um projeto, desde que não interferisse na rota de trilhos já existente, da Botanical Garden Rail Road – a mesma que, mais tarde, viria a ser chamada de Light. Para isso, o trajeto fazia um complicado ziguezague, que, partindo do Centro, percorreria os bairros da Glória, Flamengo e Botafogo, até atingir Copacabana, exigindo a abertura de ruas e túneis. Após se associar com um rico negociante, o camareiro do Paço e seu sócio – sim, ele tinha um sócio também enfronhado nos corredores palacianos –, deram início à construção do ambicioso projeto.

Com o começo da obra, teve início também uma disputa judicial com a já citada Botanical Garden, que se sentiu prejudicada em seus direitos. Mesmo tendo persistido na construção, a associação formada pelo camareiro de prestígio, o amigo adulador e o negociante poderoso não teve força para barrar o interesse da multinacional. As obras foram suspensas e a tal associação nunca conseguiu licença para operar os bondes. Neste meio tempo, a polêmica “questão dos bondes da Copacabana” já ocupava as páginas de diversos jornais, que, não muito diferente do que ocorre hoje, trocavam acusações e denunciavam conchavos e cambalachos dos dois lados da história. Somente em 1890, interessada em renovar seu contrato com a municipalidade, A Botanical Garden se comprometeu a estender um ramal de Botafogo a Copacabana, intenção que se concluiria dois anos depois, com a criação de um túnel ligando os bairros. Era dada a largada para a destruição do mirante do azul. Ao pensarmos a história de Copacabana, chega a ser no mínimo curioso o fato do bairro já ter nascido sob a égide da polêmica.

Um ano antes, estava formada a Empresa de Construções Civis, companhia imobiliária que loteou a maior parte da área do bairro, e que tinha entre seus sócios desde o tal negociante que se associara anos antes com os funcionários reais até, veja só, acionistas da Botanical Garden, agora já chamada de Companhia Jardim Botânico, todos famintos por fazer bons negócios. E seriam necessárias décadas e décadas para matar essa fome.

Os proprietários tinham interesse que ruas fossem rasgadas e que mais linhas de bonde fossem criadas. Dito e feito: o progresso chegava. As linhas de bonde já iam até a Igrejinha, como era chamada a região em torno de uma pequena igreja erguida no século XVIII para Nossa Senhora de Copacabana, e o Barão de Ipanema, grande proprietário de terras na região homônima, mostrava interesse no prolongamento do ramal até sua praia. Cabe aqui frisar que era extremamente interessante para os dois lados, os proprietários de terras e a Companhia Jardim Botânico, que o progresso chegasse logo ao bairro.

"É incontestável que as duas praias de Copacabana e Arpoador são dotadas de um clima esplêndido e salubre, beijadas constantemente pelas frescas brisas do oceano, constituindo dois verdadeiros sanatórios e por onde pode respirar a largo a população desta capital na estação calmosa, em que é infelizmente dizimada por epidemias periódicas e mortíferas (...). À exceção de um ou outro prédio bom, os demais são, na verdade, pequenas e pobres choupanas. É um bairro a criar-se (...)
Dentro de um lustro, aqueles desertos do Saara, como os qualificam, se converterão em grandes povoações, para onde afluirá, de preferência, a população desta cidade na estação calmosa, devido à salubridade e à excelência dos banhos de mar, como se pratica nas cidades balneárias da Europa."

O trecho acima, ao refletir a posição dos diretores da Companhia Jardim Botânico, é interessante para observação sob três aspectos. Primeiro, o já citado, sobre o interesse imobiliário em Copacabana. Segundo, a tendência europeizante da época, que fica clara quando o texto vislumbra a possibilidade de tornar a praia de Copacabana em um balneário europeu. E, por fim, demonstra a visão de que o bairro seria um pequeno pedaço do paraíso, com clima "esplêndido" e brisas "frescas", que beijam sua praia, capazes de curar até doenças mortíferas, tão comuns no insalubre Rio de Janeiro de então. Esta será uma representação recorrente do bairro.

A Companhia Jardim Botânico teve um papel importante na construção dessa imagem, através da impressão de versinhos nas passagens, fazendo propaganda da praia. Uma das características mais alardeadas era a salubridade, a ponto de Copacabana ser chamada de um "portentoso sanatório". Enquanto no resto da cidade, velha e infecta, as epidemias se multiplicavam, o bairro simbolizava a vida e a saúde, imagem reforçada pela presença das casas de repouso à beira-mar.

Ó pais que tendes filhos enfezados
Frágeis e macilentos e nervosos
Afastai-os da manga e da banana!
À beira-mar! Aos ares salitrados!
E heis de ve-los rosados e viçosos
Vindo a Copacabana!

Sofreis de beri-beri! Ouvi atento
Este conselho que vos não engana
Usai banhos de mar, tereis provento,
Mas, em Copacabana

E nas primeiras décadas essa imagem de bairro ameno não era tão distante da realidade. Havia um costume entre os comerciantes, para atrair novos moradores como clientes, de levar presentes no dia da mudança. O açougueiro oferecia o melhor pedaço de filé; o padeiro, o pão mais bonito; o armazém, um quilo de feilão, arroz ou batata. Os concursos e festas na praia eram freqüentes, com eleições da rainha e do homem mais feio de Copacabana. A criminalidade era escassa e, segundo registros históricos, reinava uma paz inimaginável para quem só conheceu o bairro a partir da segunda metade do século XX. Solidão e isolamento, marcas da Copacabana contemporânea, eram idéias absurdas para aquela praia paradisíaca. Mas o progresso viria, avassalador, e com ele, muita coisa mudaria.

Obs.: Ambos os trechos em destaque foram retirados do livro História dos bairros – Memória Urbana: Copacabana, de Elizabeth Dezouzart Cardoso, publicado no Rio de Janeiro: Editora Index, 1986

Na próxima reportagem: Com novas avenidas, prédios e carros, muita coisa muda em Copacabana

As esquinas de Copacabana

Entre carros, conchas, búzios
Entre os peixinhos do mar
Lembro Caymmi, Rubem Braga, João de Barro
E sigo no itinerário da princesinha do mar

Alceu Valença - Ai de ti, Copacabana

Princesinha do mar ou Sodoma e Gomorra brasileiras? Habitat de prostitutas, travestis e batedores de carteira ou cartão-postal que ajuda a cidade a levar o título de maravilhosa? Copacabana é multifacetada, assim como o são as várias representações que dela são feitas no cinema, na literatura, na fotografia, na música e na televisão. Tomando dois exemplos rápidos, a crônica Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga, e a canção Copacabana, de Braguinha e Alberto Ribeiro (Existem praias tão lindas, cheias de luz // Nenhuma tem o encanto que tu possuis), vemos como são distintas e amplas essas representações. Defini-las e compreender seus significados é a tarefa a que um especial de matérias produzidas pelo Textos etc se propõe a partir de hoje. E, conhecendo essas representações, procurar entender também um pouco mais sobre o bairro que, paradoxalmente, consegue ser famoso por sua beleza e por sua decadência. Mas uma retrospectiva histórica se faz necessária antes disso. Vamos a ela.

24.4.08

Prisão de ventre literária

Quem sofre de prisão de ventre não necessariamente precisa sofrer de tédio. Foi pensando nisso que uma empresa espanhola criou um produto que parece ter sido bolado pelas Organizações Tabajara: o papel higiênico literário, que traz clássicos da literatura mundial impressos no fino papel.


Literatura clássica, teatro, poesia e até trechos da Bíblia e do budismo podem ser lidos. Da Bíblia, foram selecionados trechos do Apocalipse, dos Cânticos e dos Provérbios. Os textos sagrados budistas são O Sutra do Loto e o Livro Tibetano dos Mortos. Graças ao bom Deus, eles tomaram a sábia decisão de não incluir o Corão como um dos livros do papel literário.
A idéia veio a partir de uma peça teatral, intitulada Empreendedores, em que uma empresa imprimia clássicos literários em papel higiênico. Por módicos 3,70 euros (cerca de R$ 9,8), o leitor pode adquirir um dos rolos e ainda pode escolher entre as cores branco, laranja e rosa, feitos de uma celulose mais resistente, para não dissolver com a tinta. A maioria dos pedidos tem sido de trechos de livros de Federico García Lorca.

Os trechos escolhidos dos clássicos são de domínio público, mas a empresa está aberta a propostas de novos escritores. Alguém se habilita?

23.4.08

O Andarilho, o Consultor e Euricão

A revista Piauí, a cada edição, vem se consolidando como uma revista de excelentes reportagens perfis. Sempre em busca de personagens controversos, os textos primam pela forma imparcial com que os tratam. Como todo o conteúdo da revista, mesclam jornalismo e literatura com maestria. O texto de João Moreira Salles sobre FHC, O Andarilho, publicado na edição de agosto/2007, é o melhor de todos, com humor irônico e crítico, sem ser panfletário ou partidário. João observa traços da personalidade Fernando Henrique que o tornam um personagem fascinante, mistura de vaidade, pretensão e inteligência.

Outro perfilado, dessa vez pela jornalista Daniela Pinheiro, é o ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, na edição de janeiro deste ano. Mostrando a nova faceta de Dirceu, agora como político de bastidores e consultor de empresários como Nelson Tanure (dono do Jornal do Brasil e da Companhia Docas) e Carlos Slim, até pouco tempo um dos homens mais ricos do mundo.
O Consultor foi escrito após a repórter ter acompanhado dias e dias da rotina de Dirceu, em que o ex-guerrilheiro veste ternos importados, come do bom e do melhor, viaja mundo afora e, paradoxalmente, é humilhado em aeroportos e restaurantes, sendo chamado de safado para baixo. A descrição nos mínimos detalhes que Daniela faz de Dirceu enriquece a narrativa da reportagem, mais saborosa a casa parágrafo.



Este mês, após grande expectativa, fomos brindados pelo perfil de ninguém mais, ninguém menos, que Eurico Miranda, o presidente praticamente vitalício do Vasco da Gama, um dos maiores times do Rio de Janeiro e do Brasil. Ex-deputado, Eurico acumula processos na mesma intensidade que concentra poderes no time de São Januário. A infância, a entrada no Vasco, a escalada rumo ao poder, sua atuação no parlamento, onde "lutava pelos interesses do Vasco", a derrocada após várias falcatruas provadas, o poder que até hoje esbanja ao dar carteirada e entrar em seções do Maracanã sem autorização. Tudo isso está no perfil escrito por Roberto Kaz, que teve de ouvir os milhares de palavrões ditos por Eurico, cujo fraseado é dominado por cinco xingamentos a cada seis palavras.

Mas, como em toda boa família, também há tropeços na coleção de perfis de Piauí. Exemplo maior é o feito por Danuza Leão sobre Lily Marinho, viúva de Roberto Marinho. A leitura só vale para vermos a suntuosidade em que Lily vive. De resto, é uma tremenda de uma babação de ovo sem necessidade, que usa como gancho o lançamento do livro Roberto e Lily, sobre a relação de amor entre os dois. Diamante nacional refinado também está disponível no site, como todo o conteúdo da revista, desde seu lançamento em outubro de 2006. Em outubro deste ano termina o prazo dado por João Moreira Salles, criador e financiador do projeto, para que a revista começasse a andar com as próprias pernas, sem suas generosas injeções financeiras. Vida longa a esse sopro de qualidade no nosso jornalismo.

22.4.08

Un pueblo, una nación

Não é só o Brasil que tem uma importante efeméride de 200 anos para comemorar. Assim como nós fomos afetados pelas guerras napoleônicas, com a fuga da famílía real portuguesa, os espanhóis tiveram no ano de 1808, mais especificamente no dia 2 de maio, um marco importante na guerra do país contra a ocupação das tropas de Napoleão. Para relembrar a data, começa dia 26 de abril, próximo sábado, na capital espanhola, a exposição Madrid 2 de mayo 1808-2008. Un pueblo, una nación, sobre os acontecimentos dos dias 2 e 3 de maio de 1808. Organizado pelo braço cultural da empresa gestora das águas de Madri, Canal de Isabel II, o projeto foi supervisionado pelo escritor e acadêmico Arturo Pérez-Reverte e conta com um cenário que permite ao visitante mergulhar na atmosfera dos acontecimentos, além de recursos audiovisuais e várias peças históricas, como armas, uniformes e outros objetos da época.

O rosto frio da morte não é mostrado no quadro de Goya

Há 200 anos, o povo de Madri rebelou-se e, mesmo sem rei ou comando que o dirigisse, lutou contra os franceses. O evento é considerado o primeiro fato histórico que mostrou aos espanhóis que existia entre eles uma identidade, uma nação pela qual valia à pena lutar. O levante espontâneo dessa Madri popular custou um preço muito alto, pago com o sangue das classes mais pobres. A repressão francesa, muito mais bem equipada que o povo espanhol (era uma rebelião do povo e não do Estado espanhol), foi massacrante. Cerca de mil espanhóis foiram degolados e fuzilados. O general francês que comandava a ocupação em Madri, Joachin Murat, determinou que todos os encontrados em vias públicas portando armas fossem fuzilados. Goya eternizou os fuzilamentos em um de seus mais famosos quadros, um ícone da tradição pictórica espanhola, hoje no Museu do Prado: Os fuzilamentos de Três de Maio, pintado em 1814.

Organizada em sete ambientes, a exposição contará os antecedentes do conflito, como foi sua eclosão, a ofensiva realizada pelo exército francês, a guerrilha urbana que tomou a cidade, a paisagem posterior à batalha e um balanço final das conseqüências do conflito, incluindo uma lista das pessoas que morreram no levante. A principal conseqüência foi, sem dúvida, o início da chamada Guerra de Independência Espanhola. Revoltados com o massacre em Madri, espanhóis de todo o país passaram a se rebelar contra a ocupação francesa, dando início a um enfrentamento que só terminaria em 1814, quando os franceses finalmente deixariam a Espanha e Portugal. A Península Ibérica estava, após um tumultuado começo de século, livre.

21.4.08

50 anos depois, a metralhadora chamada Pelé trocou os gols pelas alfinetadas

Sobre Ronaldo:"Vavá era mais completo do que ele, antes de mais nada porque cabeceava muito bem."


Sobre Maradona: "Foi um jogadoraço, mas veja bem: não chutava com a direita, não cabeceava... não era completo. E tem outra coisa. Por que tantos atletas olímpicos perdem medalhas quando pegos em doping e ele não?"

Sobre Ronaldinho: "Tem muita habilidade, mas decepcionou na Copa"

Sobre Romário: "em termos de aproveitamento, acho que foi o melhor. Esse sabia fazer gols. Meu negócio nunca foi ficar equilibrando a bola na nuca. Eu queria era fazer gols."

Sobre Zico: "realmente foi o mais próximo de mim em estilo de jogo. Batia faltas, dava passes, fazia gols, entrava driblando na área"

Veja a entrevista completa que Pelé deu a Daniel Piza no Estadão desse domingo, pela comemoração dos 50 anos do primeiro título mundial, clicando aqui.

“Busca pela independência será constante”

Arnaldo César, diretor da TV Brasil, dá versão sobre demissão de âncora e garante que existe liberdade editorial na emissora pública

A demissão do editor-chefe do Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil, a TV pública criada em dezembro passado, possui mais uma versão para tentar explicá-la. Demitido no dia 4 de abril, Luiz Lobo afirmou foi demitido por não concordar com supostas censuras que percebia no tratamento de assuntos como, por exemplo, no caso do dossiê dos cartões corporativos. Dessa vez, o autor da resposta foi o presidente da TVE e diretor regional da TV Brasil no Rio de Janeiro, o jornalista Arnaldo César, que conversou segunda-feira passada, 14 de abril, na PUC-Rio, com alunos de Jornalismo sobre a criação da televisão pública no país.

Arnaldo César está desde o início no grupo responsável pela criação da TV Brasil

Segundo ele, Lobo, após anos de trabalho na TV pública americana, a PBS, estaria desacostumado com a cobertura jornalística brasileira, o que teria criado uma série de conflitos entre ele e o restante da equipe. “Ao ser demitido, ele adotou uma postura vingativa, e passou a dizer que era vítima de censura, especialmente no caso dos dossiês”, resumiu. Assim que soube da denúncia, a TV Brasil instaurou uma investigação interna para mostrar sua posição sobre o assunto, com direito a prestação de contas ao conselho curador da empresa e à sociedade. Além de apresentar relatório sobre o fato, a diretora de jornalismo da TV Brasil, Helena Chagas, colocou à disposição da sociedade no Youtube (site de compartilhamento de vídeos) a série de reportagens sobre o caso do dossiê, em que, segundo eles, é desmentida a versão de Lobo.

A independência jornalística e de criação da nova TV permeou toda a discussão, principalmente em relação ao governo federal, responsável pelo repasse de mais da metade do orçamento da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), empresa criada especialmente para abrigar a TV Brasil e que hoje é composta principalmente pelas estruturas da Radiobrás e da TVE do Rio de Janeiro. “O conselho curador é a peça chave na busca por essa independência editorial”, defendeu. Formado por 15 representantes da sociedade civil e por quatro ministros do governo federal (Ministérios da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Comunicação Social), o conselho foi escolhido pelo presidente Lula após a avaliação de três listas com vinte nomes cada. Em busca de pluralidade, foram escolhidos personalidades de diferentes setores da sociedade, desde que desvinculados de interesses corporativos.

Os 15 atuais representantes são substituídos numa escala de um, dois ou três anos, mecanismo criado como forma de buscar a independência e, ao mesmo tempo, a permanência dos ideais de pluralidade do conselho. “Dessa forma, é possível que alguns membros sejam substituídos pelos outros ou até mantidos, de acordo com a vontade da maioria”, explicou Arnaldo César. As decisões do conselho são soberanas e devem ser acatadas pela direção da TV Brasil, seja qual for o governo que esteja no poder. Dessa forma, qualquer que seja a indicação feita pelo presidente da República para a presidência da TV Brasil, o conselho poderá destituí-la, caso a independência editorial não seja seguida.

Arnaldo César apontou também outros princípios que estão sendo colocados em prática na busca pela independência em relação ao governo e ao capital, que, segundo ele, atua como espécie de censor dos veículos comerciais, que se preocupariam mais com seus índices de audiência do que com a discussão de temas de interesse público.

Nesse sentido, a TV Brasil vêm se ocupando de temas pouco explorados pelo restante da mídia, como o aborto e a questão dos biocombustíveis. “Também temos a preocupação de sempre ouvir a oposição, sobre qualquer assunto, para afastar de vez o fantasma da interferência do governo”. Tanta insistência em afirmar e reafirmar a independência da TV Brasil justifica-se. Arnaldo César explicou que o orçamento é formado por R$ 200 milhões repassados pelo governo e R$ 150 milhões repassados por fundos de telefonia. A publicidade será exclusivamente institucional e não deverá incentivar o consumo, mas contribuirá na nossa busca pela independência financeira”, concluiu.

18.4.08

Festejando a morte do Bruxo

Os antropólogos devem saber explicar a tradição existente no Brasil de se comemorar mais a morte do que o nascimento de grandes personalidades. Eu nunca vou entender, ainda que, na prática, não faça muita diferença. Simbolicamente, faz. Comemorar a morte significa, talvez, comemorar o fim de uma vida grandiosa, cheia de realizações e feitos? Talvez seja mais um sintoma do orgulho brasileiro de ser, ou se passar por vira-lata.

Conjecturas à parte, só nos resta aproveitar as efemérides mórbidas. Em 2008, comemoram-se 100 anos da morte de Machado de Assis, unanimidade das letras brasileiras e, quiçá, mundiais. Saiu no finalzinho do mês passado uma preciosidade para curiosos como eu. É o Almanaque Machado de Assis, com várias informações sobre o autor, para leigos e para catedráticos. Bem interessante. Dizem também que a biografia que Daniel Piza escreveu sobre ele é muito boa, principalmente para iniciantes.

Apropriando-me de uma lista feita em março deste ano pelo site Cronocópios, faço abaixo uma relação das principais festividades promovidas para o Bruxo do Catete no Rio.

Abril
- Em abril e maio, a Academia Brasileira de Letras organiza o ciclo de conferências e seminários "A Literatura de Machado de Assis". No próximo dia 24, o acadêmico Domíncio Proença Filho vai falar sobre o conto machadiano às 17h30, com entrada gratuita. Para os que trabalham ou não estão no Rio de Janeiro, a Internet dá uma ajuda e transmite, ao vivo, a conferência pleo portal da ABL.

- Lançamento oficial do site www.machadodeassis.net, desenvolvido pela Fundação Casa de Rui Barbosa, com biografia, bibliografia e ferramenta de busca de citações de Machado a outras obras.

- Lançamento do livro Recontando Machado, organizado por Luiz Antonio Aguiar, da editora Record, em que 13 autores recriam contos do imortal. A edição colocará lado a lado original e recriação.

- A editora globo vai lançar uma edição de seus três mais importantes romances - Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba em que cada um dos livros ganha anotações de especialistas, além de prefácios de John Gledson (Dom Casmurro), Abel Barros Baptista (Memórias Póstumas de Brás Cubas) e Willi Bolle (Quincas Borba)




Maio
- A editora Record também lançará Vida e Obra de Machado de Assis, de R. Magalhães Jr, uma reedição da biografia em quatro volumes: Aprendizado, Ascensão, Maturidade e Apogeu.



- Exibição, ainda na ABL, de dois curtas e um média metragem: os filmes Missa do Galo e O Rio de Machado de Assis, dirigidos por Nelson Pereira dos Santos, e Um apólogo, dirigido por Humberto Mauro.


Junho
- De junho a dezembro, a ABL realiza, sob o nome "Aspectos da Literatura Machadiana", palestras, concertos e espetáculos teatrais, fazendo ligações entre a literatura e áreas como a música, a medicina e o cinema



- Exibição do filme Capitu, na ABL, dirigido em 1968 por Paulo César Saraceni.


Julho
- A Festa Literária Internacional de Paraty vai homenagear o autor, tema da conferência de abertura e de uma mesa de debates - a programação ainda não está fechada.

- O Instituto Moreira Salles lançará na Flip uma edição dos "Cadernos de Literatura Brasileira" dedicada a Machado, bem como uma iconografia do escritor



- Lançamento de Contos de Machado de Assis, também da editora Record, organizado por João Cezar de Castro Rocha, o primeiro volume de seis de contos do autor, dividos por assunto.


- Dia 2, exibição do filme Brás Cubas, na ABL, dirigido em 1985 por Julio Bressani. No dia 9, é a vez do péssimo Dom, dirigido por Moacyr Góes em 2003. Finalmente, no dia 28, é a vez do filme de Wagner de Assis e Pablo Uranga, A Cartomante.


Agosto
- A Publifolha publica coletânea com dez textos de ficção que recriam livremente obras de Machado - como Dom Casmurro, por Alberto Musse, e Quincas Borba, por Cristóvão Tezza.


Setembro
- No mês do centenário da morte de Machado, a Casa de Rui Barbosa organiza um ciclo de palestras sobre o conto machadiano - todas as segundas-feiras do mês. Participam Hélio Guimarães, Ivo Barbieri, Marta de Senna, Sergio Paulo Rouanet e Silviano Santiago.

Missa do Galo: o conto e o filme

Logo depois do último post, sobre Machado de Assis, fiquei tão entusiasmado que peguei o conto Missa do Galo para reler. Li pela primeira vez na escola, depois novamente no início da faculdade. Agora, assisti com prazer à adaptação que Leonardo Gouvea, aluno de Cinema da PUC-Rio, fez para o conto do autor.

Para assistir o filme Missa do Galo, cujo roteiro e direção são um belo trabalho de Leonardo, fruto de uma parceria com a TV Globo, você pode esperar sua exibição na TV a cabo (acho que será exibido pelo Canal Futura), ou pode clicar aqui e assistir no Portal Digital da PUC-Rio.

Para ler o conto Missa do Galo, em domínio público, clique aqui. Este link é acompanhado de uma análise sobre o conto feita pela psicanalista Ruth Rissin.

17.4.08

Dica não patrocinada: Livraria da Funarte

O nome não é o do título e sim Livraria Mário de Andrade, mas como oferece todo o acervo produzido pela Funarte, inclusive material raro, eu chamo desde que a conheci, dois anos atrás, de Livraria da Funarte. Só hoje, quando lá estive nos meus bordejos pelo Centro que aprendi seu verdadeiro nome.

Os livros editados pela Funarte procuram preencher uma lacuna deixada pelo mercado editorial nos lançamentos sobre a produção cultural brasileira. Com livros e revistas de cinema, teatro, dança, música, artes plásticas e fotografia, eles oferecem um acervo maravilhoso, com edições de ótimo gosto e apuro visual.

Os preços são infinitamente mais baratos do que o mercado editorial. Hoje namorei um livro enorme, de fotos e textos, sobre as chanchadas, que custava apenas R$ 40. O melhor disso tudo é que estudantes têm direito a 40% de desconto, desde que apresentem carteirinha. O livro sairia apenas R$ 24, mas como meu bolso não acompanha o luxo das edições da Funarte, sorri para a moça do caixa, desejei um bom dia e deixei o livro por lá.

Para quem gosta de teatro, lá é um dos raros lugares onde ainda são encontradas edições da revista de teatro editada pelo órgão nas décadas de 1980 e 1990: a Dionysos, pela bagatela de R$ 20 (R$ 12 para a estudantada). São dossiês sobre diferentes grupos de teatro nacionais, como o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o Teatro Arena e o Teatro Oficina. Outra boa dica é um livro de fotos/textos sobre a fotografia brasileira, que fala sobre os primórdios, ainda no século retrasado, a explosão criativa de várias gerações, até o início desta década.

Clique aqui para conhecer o acervo completo disponível e o preço dos livros. Não esqueça de calcular o desconto, caso você seja estudante.

14.4.08

Quem é quem

A idéia é sensacional: pintar um quadro com as maiores personalidades do mundo. O quadro abaixo é exatamente isso. Clique nesse 1/3 que eu reproduzi aqui no blog para que você consiga ver o quadro inteiro.

Clique nesse 1/3 para ver o quadro inteiro

Mas o que tem de sensacional também tem de polêmica essa idéia, principalmente por uma ausência impossível de passar despercebida: Jesus Cristo. Sim, cristãos de plantão, ele ficou de fora. Mas Audrey Hepburn e Michael Jordan não foram esquecidos. Tampouco Bin Laden.

Quem me enviou a imagem do quadro com as caricaturas foi mamá, há duas horas. Só o que faço desde então é tentar descobrir quem é quem, embora ainda não tenha conseguido saber o nome do pintor. Fiquei sem saco de mostrar quem é quem diretamente no quadro, então segue lista abaixo pra você mesmo ligar o nome à pessoa.

Bill Gates, Pelé, Lênin, Moisés, Hitler, Stálin, Bonequinha de Luxo (Audrey Hepburn), Saddam Hussein, Bill Clinton, George W. Bush, Chopin, Chaplin, Mike Tyson, Mahatma Gandhi, Margaret Thatcher, Mao Tsé-Tung, Vladimir Putin, Einstein, Karl Marx, Rainha Elizabeth, Shakespeare, Abraham Lincoln, Elvis Presley, Napoleão, Noé, Confúcio, Marylin Monroe, Che Guevara, Fidel Castro, Poderoso Chefão (Marlon Brando), Yasser Arafat, Ariel Sharom, Salvador Dali, príncipe Charles, Pavarotti, Van Gogh, Picasso, Michael Jordan, Madre Teresa de Calcutá, Bruce Lee, Osama Bin Laden, São Pedro, Deng Xiaoping, Winston Churchill, Nietzche, Leonardo Da Vinci, Julio César, Kofi Annan.

Acho que um dos barba branca é Abraão. Outra: ao lado de Osama Bin Laden, temos Maria, mão da ausência mais percebida? Será que o pintor seria tão herege e colocaria a mãe de Cristo ao lado do anti-Cristo?

4.4.08

“Meu idealismo está intacto”

Fotógrafo há 45 anos do Jornal do Brasil, Evandro Teixeira conta histórias sobre 1968 e a fotografia

Reclamando de quase duas horas de reunião para decidir a primeira página do Jornal do Brasil do dia seguinte. É assim que Evandro Teixeira, fotógrafo há 45 anos do JB, começa a entrevista em que contará histórias sobre 1968 e sua experiência como fotógrafo da cena política brasileira da época. Engana-se quem pensa que a queixa sobre a duração da reunião se deve à saturação com os cinqüenta anos de profissão. Desde que começou no extinto Diário da Noite, Evandro continua indo diariamente à redação do jornal, participando ativamente do dia-a-dia da cidade e da política nacional. Considerado um dos melhores fotógrafos do mundo, Evandro lançou semana passada o livro 68 destinos, em que, a partir de uma foto tirada na Passeata dos Cem Mil, com centenas de pessoas segurando a imensa faixa “Abaixo a ditadura”, reconta a trajetória nesses 40 anos de 68 rostos escolhidos na multidão. Mas uma das vidas mais interessantes daquele momento histórico ficou de fora do livro. Estava do outro lado da Laica que tirou a foto.

Sempre interessado por profissões ligadas a arte, Evandro flertou com a escultura, a aviação e o cinema. Chegou até a construir uma caixa de papelão com luzes, em que passava rolos de cinema, quadro a quadro, imitando um projetor cinematográfico. A decisão pela fotografia veio depois do encanto com a revista O Cruzeiroe as belas imagens feitas por José Medeiros, fotógrafo que mais influenciou o estilo às vezes triste, mas sempre realista e preciso de Evandro. A tristeza de sua fotografia, ele acredita que seja um traço intrínseco à história brasileira e não apenas de seu trabalho. “Apesar de sermos donos de um país riquíssimo, o povo brasileiro é triste e isso influencia minhas fotografias”, explica. Lamentando não ter o mesmo pique, ele garante que seu idealismo está intacto e é até mais forte do que era 40 anos atrás. “Jamais serei uma pessoa sem idealismo. Tenho cada vez mais idéias, mais vontade de fazer”.

Tomada do Forte de Copacabana - Golpe de 1964 - foto retirada de www.evandroteixeira.net

Para ele, fotografia é experiência, é o olhar especial e também é sorte. “Mas a determinação de aproveitar as brechas que aparecem são fundamentais”, explica. Foi ao aproveitar uma das brechas dadas de bandeja pela sorte que Evandro fez uma de suas mais admiradas fotos. Amigo de um capitão do Exército, com quem jogava vôlei, Evandro foi o único fotógrafo a conseguir furar o cerco militar e entrar no Forte de Copacabana, há exatamente 44 anos, no dia 1º de abril de 1964. Acompanhado de outro amigo do vôlei da praia, foi o autor da mais profética imagem sobre o que seriam os 21 anos seguintes. Sob forte chuva, com faróis de tanques ao fundo, Evandro captou as silhuetas dos soldados, soturnos e sombrios, no momento exato da quartelada.

Era apenas o primeiro de uma série de momentos históricos captados por Evandro. As manifestações estudantis e civis de 1968, o velório e a missa do estudante Edson Luís, a Passeata dos Cem Mil, a repressão às manifestações populares, tudo foi retratado pelas hábeis e rápidas lentes de Evandro. Sabia que estava vivendo um momento histórico e aquela era, segundo ele, a forma que tinha de combater as arbitrariedades da ditadura. “Era uma mistura de sentimentos: coragem, ansiedade, medo, vontade”, lembra. Por ser uma linguagem menos familiar aos censores, Evandro acredita que o fotojornalismo conseguiu driblar a censura com mais facilidade que o texto jornalístico. “Na hora de passar pelos censores, fazíamos uma revelação escura ou até esculhambávamos os estudantes, para ganhar a simpatia e conseguir publicar as fotos”, conta. Mas isso não impedia que vez ou outra ele tivesse que se esconder em Petrópolis ou Pedro do Rio, em férias forçadas.

Respondendo de antemão à pergunta que Zuenir Ventura fez para personalidades brasileiras que viveram 1968, respondidas na coleção de livros que lançará ainda este ano, 1968 terminou?, Evandro diz que o ano e seus acontecimentos não terminaram e nunca terminarão. “É como Canudos, que, 110 anos depois, não foi e nem será esquecido”. Para exemplificar a afirmação, ele cita o livro do ex-governador de São Paulo durante a ditadura, Paulo Egydio, lançado há duas semanas, primeira confissão pública feita por um membro da ditadura de que a repressão e a tortura eram uma política de Estado. Desculpando-se pelo linguajar, ele conclui, entusiasmado: “Isso vai dar muita merda”.