31.5.08

Repórter bom é repórter vivo

Foi muito triste o que aconteceu com a equipe de jornalitas cariocas de O Dia, que foram torturados após terem sido descobertos por milicianos quando moravam há 15 dias na Favela do Batan, em Realengo, para retratar como vivem as pessoas coagidas pelo poder das milícias. Os três foram torturados por sete horas e meia, com choques elétricos, socos e pontapés. A denúncia é manchete da edição deste domingo de O Dia, que chegou na tarde deste sábado às bancas.

Durante a sessão de tortura, a repórter chegou a ser submetida a uma "roleta-russa" e viu um marginal rodar o tambor do revólver e apertar por duas vezes o gatilho da arma, apontada em sua direção. Os milicianos, que tiveram o apoio de policiais militares, enfiaram ainda um saco plástico na cabeça da jornalista. Após serem torturados e terem o dinheiro e os equipamentos roubados, os três foram libertados às 4h30m na Avenida Brasil.

O episódio está sendo considerado a mais dura limitação imposta à atividadde jornalística desde a ditadura militar. E é de fato. Acontece que repórter não é detetive, nem policial. Uma coisa é jornalismo investigativo, outra é colocar sua vida em risco, repetindo o mesmo erro de Tim Lopes, que já havia sido repetidamente avisado sobre o risco que corria ao empregar seus métodos de reportagem.

É duro dizer isso, mas é a pura verdade. Em entrevista ao Globo Online, Aziz Filho, presidente do Sindicato de Jornalistas do Rio, disse que nenhuma matéria ou prêmio jornalístico valem arriscar vidas, mas ressalta que ainda não sabe que tipo de medida de segurança foi adotada pelo jornal. Na mesma matéria, há o depoimento de Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa, para quem os jornalistas se arriscam para satisfazer as necessidades de informação da sociedade. "A equipe torturada cumpriu com coragem e firmeza a sua obrigação de informar". Desculpe, Azêdo. Não tenho um décimo da sua experiência, da sua bagagem, da sua importância como jornalista que teve para a imprensa brasileira, mas, embora a atividade do jornalista seja muito importante sim, não é fundamental como a de um médico ou dos próprios policiais.

Podemos sobreviver sem informação sobre nossa realidade (muito importante, mas não biologicamente vital). Não podemos é arriscar nossas vidas para que outras pessoas tenham a informação. Repórter bom é repórter vivo. Essa coisa de mártir é muito bonito, mas que cada jornalista se coloque no lugar de suas mães, pais, irmãos, mulheres, maridos e filhos.

O realismo covarde de Duas Caras

Algumas linhas sobre Duas Caras, novela global que inova e termina hoje, rompendo tradição da emissora de reprisar os últimos capítulos de suas produções aos sábados. É bem verdade que com a internet a reprise perde seu sentido, já que o último capítulo está disponível - não a todos, vale lembrar - para sempre nos Youtubes da vida. E por falar em ruptura, Duas Caras foi anunciada e vendida incessantemente pelo autor Aguinaldo Silva em seu blog como a quebra do paradigma folhetinesco na televisão brasileira. De enredo melodramático não muito diferente dos romances hiper açucarados do século XIX, a novela teria ganhado tintas realistas nunca antes vistas.

Bobagem pura. Realismo na televisão brasileira nunca existiu de verdade. Houve, sim, o que não há mais, realidade, nas décadas de 1970 e 1980, principalmente, como um grito de um país sufocado pela ditadura. Roque Santeiro, as duas versões - a segunda escrita por Aguinaldo a partir do argumento de Dias Gomes -, Malu Mulher, Irmãos Coragem, O Salvador da Pátria, Pecado Capital, Vale Tudo, O Bem-Amado, Roda de Fogo, todas essas trouxeram realidade brasileira para a TV. Na década de 1990, com Rei do Gado, Pátria Minha, Anos Rebeldes, vemos também a realidade. Mas nunca realismo, pra valer, como no cinema.

Já existiu um Cidade de Deus na TV? Cidade dos Homens não chegou nem perto das cenas de agressividade de Zé Pequeno e sua turma. Algo próximo às cenas de tortura que vemos em Batismo de Sangue, que deixam nossos estômagos embrulhados e nossas mãos suando? Não. A Batalha da Portelinha assemelha-se a Tropa de Elite?

O que Aguinaldo Silva chama de quebra de paradigma foi mostrar o racismo na televisão brasileira. Ora, quem assistiu Assalto ao Trem Pagador, clássico do cinema brasileiro, um suspense maravilhosamente filmado por Roberto Faria e protagonizado por um timaço de atores - Reginaldo Faria entre eles, sabe o que é uma cena de racismo verdadeira, realista. Não gosto do estilo de Aguinaldo e posso falar isso como um bom conhecedor de novelas, com memória enciclopédica de deixar Angélica de queixo caído naquela porcaria de programa que ela tem à tarde. Diálogos bobos, muito mais inverossímeis que a média das novelas, e extremamente maniqueístas.

As cenas da manifestação estudantil na surrealista universidade de Duas Caras são rizíveis. Não existe nem nunca existiu aquele tipo de movimento estudantil no Brasil. Nada contra a liberdade de criação de Aguinaldo. Que ele deixe a criatividade fluir e dê asas a cadeirudos e sufocadores de piranhas. Mas não venha dizer que isso é realismo na televisão brasileira porque aí, em vez de embrulhar o estômago como nas cenas de tortura de Batismo, vamos é morrer de tanto rir.

Outra coisa que me incomoda é o antiesquerdismo de Aguinaldo. Independente de ser a favor ou contra a esquerda, acho inadmissível que um autor ideologize tanto - e tão mal - uma novela. Pela voz da irritante anãzinha que faz as vezes de líder estudantil de saias na fictícia universidade, Aguinaldo destila uma série de argumentos preconceituosos contra a esquerda, do tipo "comunista gosta de criticar riqueza e beber vinhos caros". Como bem disse o Zuenir Ventura dia desses, uma das piores coisas ainda em vigor, desde 1968, é o anticomunismo. Foi em parte graças a ele que houve um golpe político no Brasil e uma ditadura de 21 anos. Ele poderia, pelo menos, fazer algo requintado. Que veicule suas idéias! Ele também tem direito, mas que faça com graça e estilo, como Dias Gomes fazia em obras como O Pagador de Promessas, uma obra eminentemente de esquerda, adaptada para a TV décadas depois de ter ganho a Palma de Ouro em Cannes.


José Aguinaldo Agripino Silva Maia

A própria fonte inspiradora de Aguinaldo para essa novela é lamentável. Ele disse publicamente que o personagem de Marconi Ferraço, vilão até os 45 do segundo tempo, havia sido inspirado no ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu. Para os que não conhecem a história, Dirceu fez, na década de 1970, uma plástica em Cuba, onde estava exilado, e ocultou sua verdadeira identidade durante os primeiros anos de casamento com sua mulher, quando voltou ao Brasil, na mesma década. Ferraço, na novela, faz o mesmo - a plástica e a mudança de identidade -, mas após roubar a mocinha, de quem arranca até os últimos centavos.

Os problemas de se basear nessa história e anunciar publicamente isso são dois. Primeiro, há a questão de respeito à vida das pessoas. José Dirceu é uma pessoa, que tem vida pessoal, antes de ter vida pública. Sua história de vida pertence antes de tudo a ele. Clara Becker, ex-mulher de Dirceu e a enganada da história, escreveu no início da novela uma carta pública a Aguinaldo Silva em que o desautorizava a mencionar novamente que havia se baseado na história particular dela para criar o enredo de Duas Caras. Afinal, aquela história pertencia a ela, a Dirceu e a mais ninguém. Na carta, ela diz que Dirceu foi um excelente marido e que o perdoou pelo ocultamento.

O segundo motivo é a diferença entre um e outro. Dirceu mentiu por medo de ser preso novamente pela ditadura militar. Ou se escondia e vivia uma simples e bucólica vida, com nova identidade e novo rosto em Cruzeiro do Oeste, ou era preso pela ditadura militar, podendo até ser morto. Tal como o senador José Agripino Maia fez com Dilma Roussef, ao criticá-la por ter mentido durante uma sessão de tortura, Aguinaldo Silva julgou uma atitude de uma pessoa que estava sob coação e com seus direitos de indivídios suprimidos e que, caso não mentisse, poderia morrer e colocar a vida de terceiros em risco.

Mas como não só de críticas vivem as críticas, há que se louvar as interpretações de Aline Moraes e Antônio Fagundes, os destaques supremos da novela. A sexy e gigantesca boca da louca Sílvia, misturada com os olhares assassinos que a atriz deu à personagem, foi fantástica. Não menos que a atuação do sempre brilhante Antônio Fagundes, sem dúvida um dos melhores atores da TV e do cinema brasileiro (nunca o vi no teatro para julgar). Seu Juvenal é carismático e denso na medida certa. O populismo teve aqui uma bela crítica de Aguinaldo, crítica esta que poderia ter ido até mais além. Acontece que, tal qual na vida real, o público se apaixonou pelo polêmico e populista Juvenal. Aguinaldo se acovardou. Bom, mas foi até melhor. Combina com o realismo covarde de sua novela.

30.5.08

Olha a Granta aí

Foi lançada essa semana a segunda edição brasileira da Granta, franquia da revista trimestral britânica que acaba de chegar ao número 101 no país da Rainha, e tem a reputação de ser talvez a principal publicação literária do mundo. A Granta brasileira, editada pela Alfaguara/Objetiva, estreou em novembro de 2007 com um número inteiramente traduzido do inglês, dedicado a escritores americanos com menos de 35 anos.

O número 2 chega às prateleiras por R$ 36,90 – onze reais mais barato que a edição anterior – e é o primeiro em que a revista cumpre seu compromisso de misturar conteúdo traduzido (60%) e nacional (40%). Traz como tema as viagens, sob o título Longe daqui.

Os primeiros a saírem na “Granta” são os cineastas Cacá Diegues e Arnaldo Jabor, com memórias; Ignácio de Loyola Brandão e Ricardo Lísias, com contos; e Lourenço Mutarelli, com um capítulo do romance sem nome que está escrevendo para a coleção Amores Expressos (aquela em que vários escritores foram enviados cada um para uma capital do mundo com o compromisso de escrever uma história de amor ambientada naquela cidade).

Entre os estrangeiros, escolhidos em edições antigas da revista, estão Paul Theroux, Edmund White e Ismail Kadaré.

29.5.08

Mais que o Oscar e a Palma de Ouro

É com o atraso de uma semana que dou a notícia, mas não li nada sobre isso na grande imprensa do Brasil. Pode ter saído e um relapso meu deixou passar. Enfim, o fato é que ao fim da sessão em que assistiu Blindness, em uma exibição especial em Portugal, o escritor José Saramago chorou de emoção. Abaixo, o bonito vídeo em que ao lado do diretor Fernando Meirelles o autor de Ensaio sobre a Cegueira, que inspirou o filme, cochicha com o cineasta e confessa estar tão feliz quanto estava no momento em que terminou o livro.

Um presente como esse, para Meirelles, é maior que qualquer Palma de Ouro ou estatueta de Oscar. O aval de Saramago, um dos maiores escritores do mundo, justifica os meses de trabalho e agonia que Meirelles passou para filmar a difícil adaptação do romance do autor. O livro possui uma estrutura narrativa bastante diferente, com personagens sem nome, chamados apenas de "a mulher", "o garoto", "o velho". É uma tarefa difícil, mas o talento de Meirelles merece esse tipo de desafio. O filme só chega às telas brasileiras em novembro.

Dica do amigo de todas as horas Luís Gustavo Ferraz, o diário de Blindness, escrito pelo próprio Meirelles, em que ele conta todo o processo de produção do filme em detalhes interessantíssimos.

28.5.08

A falácia da falácia da ditadura

Semana passada, foi publicado um artigo bastante polêmico na Folha de S. Paulo, Falácias sobre a luta armada na ditadura, em que o historiador Marco Antonio Villa condena os que recorreram às armas para fazer oposição ao regime militar. Para ele, esses grupos contribuíram mais para o fechamento que para a abertura política do regime militar. Villa tacha as ações empreendidas - assaltos, seqüestros, bombas - como terroristas e critica o interesse maior dos esquerdistas, de instalar outra ditadura, dessa vez de esquerda, no País. "O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva", escreveu o professor, conhecido estudioso do período pela Universidade de São Carlos (SP).

Villa também critica o "estatuto histórico" dado a esses grupos como principais responsáveis pela derrocada do regime. Para ele, foi bem mais importante a atuação dos movimentos populares, na defesa da anistia, do movimento estudantil e dos sindicatos, assim como da Igreja Católica e do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), único partido tolerado pelos militares, ao lado da situacionista Arena.

Após grande polêmica, com diversas cartas de leitores enviadas ao jornal e repercussão em outros blogs e jornais, o Textos etc convidou o jornalista Álvaro Caldas a comentar o artigo. Caldas participou do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), um desses grupos de esquerda da década de 1960, foi preso e torturado, experiência que relata em Tirando o Capuz (reeditado pela Garamond em 2004). Narrado em primeira pessoa, mas de uma forma distanciada, o livro traça um painel da época como se fosse uma grande reportagem, discutindo e reconhecendo os erros da esquerda armada, além de contar de forma perturbante as atrocidades de que foi vítima nos dois anos e meio de prisão. Ele também é autor de Balé da Utopia, romance que inspirou o filme Sonhos e Desejos, lançado em 2006. Abaixo, na íntegra, o e-mail resposta de Álvaro.

Blogueiro Guilherme Amado,

Li o artigo do Marco Antonio Villa sobre as falácias da luta armada. Para usar o mesmo termo apelativo que ele foi buscar na tentativa de provocar uma polêmica, são falácias que não se sustentam porque partem de premissas falsas. Desmerece o professor de História que ele é e não faz jus ao seu histórico de especialista no período. Já publicou textos melhores. Nada de novo no que diz, requenta velhos argumentos dos opositores da luta armada, à direita e no campo da esquerda.

Sua falácia está montada em dois falsos argumentos: ninguém na esquerda armada, ao contrário do que ele diz, reivindica ou afirma que os militares voltaram aos quartéis graças às “heróicas” ações dos guerrilheiros. De onde saiu esta bobagem? Nada houve de heróico na luta corajosa e solitária dos militantes de esquerda contra a ditadura, nem a ditadura acabou por causa dela. Trata-se de um longo processo, no decorrer do qual os guerilheiros deixaram impressa sua participação. Ao contrário de muitos outros, que se esconderam, encolheram, aderiram, se ajeitaram ou emigraram, à espera do fim do vendaval de arbitrariedades.

Em seguida vem a questão da liberdade. As organizações de luta armada que lutaram contra a ditadura não tinham em vista um regime burguês de liberdade. Também não é novidade. Está no programa de cada uma delas. Por isso foram cassadas, destruidas, seus integrantes presos, torturados e assassinados. Nenhuma organização política assumida ou dita comunista ou socialista, do Partidão à ALN, tinha em vista um regime de liberdade burguesa. Estavam dispostas a fazer uma revolução, erraram e pagaram por seu erro de avaliação da conjuntura histórica. Assim é a História.

Conversa longa esta, que já está nos livros. Uma antiga discussão. Existem visões distintas sobre a resistência à ditadura. Uma parte se sente incomodada porque ao se fazer o retrospecto dos quarenta anos de 68, o que pontifica nos cadernos especiais dos jornais e na revisão da história recente é a ação dos que de fato enfrentaram a ditadura. Ainda que luta armada mesmo não tivesse chegado a existir. Foram ações isoladas, algumas de grande repercussão, que não chegaram a ameaçar a segurança do regime.

Álvaro Caldas


Recado 1, aos que recebem via e-mail as atualizações do Textos etc: entrem sempre no site. Existem novidades na coluna da direita que vocês não têm acesso via e-mail. A contribuição nas discussões também é sempre bem-vinda.

Recado 2, a todos: esperem que gostem da Rádio Textos etc, no ar desde segunda-feira e com músicas selecionadas especialmente. Sugestões podem ser postadas no comentário de qualquer post. Vocês não estão mais sozinhos enquanto se deliciam (ou não) com o modesto site, blog ou seja lá o que isso for.

26.5.08

Relíquias - Patch Adams no Roda Vida

O post é curto, mas a relíquia da vez é longa, embora valha cada minuto dos 140 que dura a entrevista de Patch Adams para o Roda Vida, em 2007. Patch, para quem não liga o nome ao personagem, não é aquele médico interpretado por Robin Williams no filme homônimo. Ele é, sim, um médico, mas de carne e osso, que criou nos Estados Unidos um método inusitado de tratamento, ou de alívio, para pessoas doentes, baseado fundamentalmente na amizade - e não no riso, como mostra o filme.

A entrevista é fantástica por vários motivos. Primeiro, por conhecermos o verdadeiro Patch, mas também por descobrirmos que ele não gosta do filme e que discorda da forma como o filme mostra o método criado por ele. Caso a paciência ou o tempo lhe impeça de assistir os dez vídeos abaixo, assista pelo menos o primeiro, ou ainda a primeira pergunta feita a ele no primeiro vídeo. Ele explica porque não gosta do filme e, de cara, define sua visão social, atacando o governo americano. "Sou ativista político, trabalho pela paz e pela justiça. Considero fascista o meu governo. Se não mudarmos de uma sociedade que venera dinheiro e poder para uma que venere compaixão e generosidade não haverá esperança para a sobrevivência do ser humano neste século."




















22.5.08

De cada 100 brasileiros, 8 são clientes da Casas Bahia

A pergunta repetida milhares de vezes por um dos garotos propaganda mais chatos da história da televisão brasileira resumia a filosofia de negócios de seu patrão, o empresário Samuel Klein, dono da Casas Bahia. A empresa consolidou sua imagem como o lugar onde sempre é possível comprar, independente da sua condição social e de quanto pode pagar por mês. Esse diferencial do parcelamento permitiu que Klein construísse um império de lojas. Mas antes de construir a maior rede de varejo brasileira, Klein já tinha uma senhora história de vida. Judeu polonês, sobrevivente da Segunda Guerra, ele não é só mais um exemplo de imigrante-que-enriqueceu-na-aventura-pela-América. Sua vida é uma aula sobre a habilidade de negociar e, acima de tudo, de empreender. Esse verbo, aliás, pautou os 80 anos de Samuel Klein, cuja terceira edição da biografia, revista e atualizada, saiu no final do ano passado e está à altura da história de seu protagonista.

Samuel Klein e Casas Bahia – Uma trajetória de sucesso (R$39,90 – Editora Novo Século, 248 pgs.) foi encomendado ao jornalista Elias Awad pelo próprio empresário. A biografia é interessante por vários motivos. Vamos a eles. Como protagonista, Klein é um personagem interessante por si só. As transações comerciais que lidera são extremamente curiosas pelas soluções que ele engendra para conseguir lucrar com todas elas.

Fora isso, mesmo que tirássemos da história de sua vida a excepcional ascensão social que vivenciou ao emigrar para o Brasil, ela já mereceria um livro. Klein teve uma infância pobre na Polônia, sendo rejeitado, humilhado e até agredido fisicamente por ser judeu. Antes da guerra, as ameaças eram tantas que foi obrigado a largar a escola e começar a trabalhar com o pai na marcenaria da família. Desde então, o garoto se tornou um apaixonado pelo trabalho, característica imprescindível para que construísse em 50 anos de Brasil uma empresa do tamanho da Casas Bahia. Percebendo a competência do garoto em lidar com dinheiro, o pai dava cada vez mais atribuições a Samuel. Comprava bezerros, vendia frutas e até media defuntos para que a marcenaria fizesse caixões sob medida.

As humilhações e a opressão contra os judeus continuaram com o início da Segunda Guerra. Por sempre se assumir como uma família judia, os Klein eram cada vez mais agredidos. Em 1942, com a cidade onde moravam já ocupada pelos nazistas, Samuel foi separado da mãe e das irmãs. Enviados para o campo de concentração de Budzin, ele e o pai trabalharam durante dois anos para os alemães, até que, em 1944, Samuel conseguiu escapar durante uma transferência para outro campo. O livro conta em detalhes o que passou nos campos em que viveu e como conseguiu escapar do destino que a maioria de seus semelhantes teve. Para saber os detalhes, leiam o livro, pois não seria essa resenha que estragaria o prazer da leitura.

A contextualização da vida de Klein com os momentos históricos e econômicos por que passava a Europa e o mundo é outro ponto alto do livro. Ao fazer essa relação, o livro permite que entendamos como o empresário aproveitou, como ninguém, as oportunidades surgidas em meio às crises. Por mais que essa idéia pareça um clichê que já cansou de tão repetido, é perfeita para Klein. Após a redemocratização, a cada plano econômico que ameaçava a já instável economia do país, a Casas Bahia crescia, crescia, crescia. E foi com o último e mais bem sucedido plano econômico dos anos 1990, o Real, e o estrondoso aumento do poder aquisitivo das classes C e D, que a empresa teve seu maior crescimento.

Maior anunciante do país em volume de investimentos, a Casas Bahia tem como política de comunicação ser a primeira no ranking de anunciantes de todas as mídias existentes. Foi o próprio Klein o fundador dessa regra, após parcerias de sucesso com garotos propaganda como Pelé e Gugu Liberato na década de 1980. Atualmente, a rede destina 3% de seu faturamento bruto para a publicidade. Como o faturamento, em 2006, foi de R$ 11,5 bilhões, o investimento publicitário corresponde a míseros trezentos e tantos milhões.

Para satisfazer aos amantes da matemática, reproduzo aqui alguns números que constam do livro. Em 2006, a Casas Bahia totalizava 540 lojas e 52 mil funcionários em nove estados brasileiros, com 26,3 milhões clientes cadastrados, dos quais 15,5 milhões eram ativos. Isso significa que o filho de um marceneiro polonês e sobrevivente do Holocausto é hoje dono de uma rede de lojas que tem como clientes assíduos cerca de 8% da população brasileira.

20.5.08

Arte, religião e León Ferrari

Recentemente, em um post sobre uma exposição de grafiteiros em Londres, surgiu nos comentários uma discussão sobre a mistura entre religião e arte. Não por acaso, tão logo soube que começa amanhã na Cidade do México uma exposição do artista plástico argentino León Ferrari, resolvi trazê-la para o Textos etc e reacender o debate.

Com um total de 280 obras, o Museu de Arte Carrillo Gil (MACG), da capital mexicana, abrirá a exposição de León Ferrari, um dos principais artistas argentinos, que permeou sua obra com ataques às guerras, a todas as formas de intolerância e à religião. Em sua última exposição em Buenos Aires, uma das obras que mais causou polêmica entre os cristãos foi essa aí do lado, em que Cristo está crucificado em um avião de bombardeio da Força Aérea Americana. A obre é de 1965 e serviu de protesto contra a guerra do Vietnã. A obra de Ferrari, que ganhou o Leão de Ouro da Bienal de Veneza em 2007, destaca-se por tentar mostrar que a violência no Ocidente teve fundamento nos textos sagrados do Cristianismo.

Segundo o site argentino da Revista ñ, citando entrevista das curadoras Andrea Guinta y Liliana Piñeiro, o que mais se destaca na obra de Ferrari é a diversidade de materiais utilizados: desenhos, fotocópias, vídeos, animações e citações bíblicas. A exposição também trará a série Nós não sabíamos (1976-1992), que mostra a repressão argentina em sua última ditadura militar e a série de colagens Nunca mais (1995), que se refere aos desaparecidos na ditadura do seu país.

Outra famosa referência bíblica em sua obra foi em 1985, quando colocou pombas presas em uma jaula defecando sobre uma cópia da tela Juízo Final, de Michelangelo. A exposição era no MAM, em São Paulo, e Ferrari foi expulso. A instalação fazia parte da série Excrementos, com obras montadas entre 1985 e 1994, em várias partes do mundo, em que aves defecavam sobre a balança da Justiça ou ainda sobre notas de dólares.

Em um texto escrito para sua última exposição na argentina, no Centro Cultural da Recoleta, Ferrari, atualmente com 88 anos, explica com vários argumentos porque usa algumas referências sobre a religião em sua arte, principalmente nas séries sobre a tortura. O texto, aliás, chama-se Sobre Torturas. Traduzi livremente o primeiro argumento e é com ele que termino o post e abro a discussão. Religião e arte, quais fronteiras podem ser ultrapassadas?

Desde o Evangelho até o Catecismo oficial da Igreja, o cristianismo anuncia que as almas dos mortos em pecado mortal - e mais adiante em seus corpos ressuscitados - são torturadas no inferno. Essa idéia, o castigo ao que é diferente, é recorrente em nossa história e originou diversos extermínios: aborígenes, judeus, bruxas, hereges, vietnamitas, iraquianos.

15.5.08

A Copacabana paradisíaca

Leia as outras reportagens do especial As esquinas de Copacabana:
As esquinas de Copacabana
História do bairro 1: O mirante azul começa a se transformar
História do bairro 2: Balneário de uma Europa Tropical
História do bairro 3: A cidade dentro da cidade


Parte da produção cultural sobre Copacabana, como canções precurssoras da Bossa Nova, criou a idéia de um bairro símbolo da idéia de que o Brasil é o paraíso na Terra

Jornalista e escritor de mão cheia, Ruy Castro dá as costas para o politicamente correto logo nas primeiras linhas de seu A Onda que se ergueu no mar – Novos Mergulhos na Bossa Nova e critica a produção musical das gerações de 1980 e 1990, que julga muito influenciada pela música eletrônica, para louvar as merecidas qualidades de sua grande paixão, a Bossa Nova, é claro. Em seguida, explica que o gênero vinha sendo redescoberto desde o início dos anos 1990, quando, segundo ele, os ouvidos descobriram que nem todas as músicas tinham de "espelhar a barbárie".

Se as idéias do jornalista condizem ou não com o que realmente foi o gênero, ou com o que realmente são as aspirações tupiniquins, pouco interessa. Interessa sim entendermos por que e como se forjou esse caldo cultural que, ao longo dos séculos, transmitiu a idéia de que o Brasil é um paraíso. Como e por que temos, até hoje, parte da produção cultural nacional é calcada na utopia? No início do século passado, Copacabana era para muitos, como já se disse aqui, um pedaço desse paraíso. Mesmo com a destruição ambiental, a superpopulação, a prostituição, e dezenas de outros problemas, o bairro continua sendo representado dessa forma em poesias, canções e representações imagéticas, como vinhetas de televisão e cartões-postais.

É claro que ser visto como paraíso, como espaço da utopia, não é privilégio de Copacabana. O Brasil, como disse Darcy Ribeiro uma vez, é fundador da idéia de utopia. As raízes históricas de tudo isso foram plantadas numa profundeza de mais de cinco séculos por figuras tão díspares como Pero Vaz de Caminha, Américo Vespúcio, Montaigne e Thomas Morus (veja quadro abaixo). O bairro representa, porém, um importante microcosmo desse todo, não apenas pela fama internacional, mas por estar situado na cidade que, há pelo menos dois séculos, com a chegada da família real, pode ser considerada a capital cultural do país.

Brasil, o fundador da utopia

Pero Vaz de Caminha: foi o primeiro, é claro, a mostrar o Brasil como o paraíso na Terra para a sociedade ocidental. Ao chegar à Bahia e não encontrar as bestas medievais que existiam no imaginário europeu, não conseguiu esconder o espanto ao escrever sua Carta. Retratou uma pureza já perdida na Europa, mostrando os índios como seres humanos e não sob o estigma preconceituoso dee bárbaros. Para ele, eram feitos à imagem e semelhança de Deus, exatamente como escrito nas Sagradas Escrituras. Repete mil vezes que são belos, limpos e sadios e vê a nudez dos nativos como sintoma de pureza, inocência e ingenuidade, provavelmente inspirando-se em Adão e Eva, antes da primeira mordida.

Américo Vespúcio: contribuiu significativamente com preciosos registros, realizados por meio de sua primeira viagem ao Brasil. Em agosto de 1501, as três caravelas da esquadra de Vespúcio ancoram na Praia de Marcos, litoral do atual Rio Grande do Norte. Percorreu todo o litoral da então Terra de Vera-Cruz e colocava em seus escritos relatos sobre o modo de viver dos índios e como era amistoso o contato com os que não eram antropofágicos. Ao chegar no lugar que daria o nome de Angra dos Reis, Vespúcio carregou a tinta da pena e disse “algumas vezes me extasiei com os odores das árvores e das flores e com os sabores destas frutas e raízes, tanto que pensava comigo estar perto do Paraíso Terrestre”

Thomas Morus: A Utopia de que fala Morus em seu livro homônimo é uma ilha afastada do continente europeu, mas o protagonista Rafael Hitlodeu não diz com convicção em que oceano ela fica. Apenas diz que foi para lá depois de embarcar em uma das viagens de Américo Vespúcio. A Ilha de Utopia, como já diz o termo, é a sociedade ideal, inatingível, que traduz um estado de bem estar dos seres humanos.

Montaigne: foi o primeiro grande nome das letras européias a fazer referência explícita ao Brasil, graças às informações de um homem que estava a seu serviço e que por aqui estivera nos tempos da França Antártica. Considerava os índios como seres criados por Deus em estado puro e usou seus costumes saudáveis, visto que ignoravam as palavras "mentira", "traição" ou "avareza", para fazê-los contrastar com a França do seu tempo.


Copacabana, o mais doce dos sons

E já que as primeiras linhas dessa reportagem começaram falando de música, que se mantenha a coerência e se fale primeiro sobre a mais universal das artes. Duas canções sobre Copacabana, compostas em 1946 e 1951, são perfeitas para dar o ponto de partida e exemplificar o pouco escrito até aqui. Poucos sabem, mas a talvez mais famosa canção sobre o bairro, a homônima Copacabana, surgiu quase como um jingle publicitário. Os compositores João de Barro, o Braguinha, e o médico homeopata e humanista Alberto Ribeiro receberam a encomenda de Copacabana em 1994, do produtor cinematográfico norte-americano Wallace Downey, para servir como "identificação musical" de um casa noturna que seria inaugurada em Nova York com o nome do bairro. Mesmo com a conhecida rapidez de Braguinha em produzir canções em um ritmo de dar inveja a John Ford, os anseios do produtor americano não foram correspondidos e a canção demorou dois anos para ficar pronta. Só seria gravada em 1946 e, nesse momento, entraria para a história por três motivos. Primeiro, revelava um novo tipo de cantor romântico, Dick Farney, que até então escondia sua sensibilidade bem brasileira na interpretação de baladas americanas. Depois, consolidava o samba-canção como gênero importante no repertório nacional e, por fim, cristalizava, para sempre, o charme daquele lugar que a todos parecia paradisíaco.



Copacabana foi um divisor de fases na música popular brasileira, mas, como explica Moacyr Andrade em seu artigo Copacabana Musical, não foi o primeiro a projetar o bairro internacionalmente. O violinista e maestro argentino Julio Cairo já havia feito o tango Copacabana, de 1927, ano em que abrilhantou os salões do Copacabana Palace numa temporada de colocar inveja aos Stonnes. Contou em seu El Tango de Mis Recuerdos que o estalo para a criação veio após observar das janelas do hotel, às três da madrugada, a beleza da praia. Fez a letra, chamou o irmão Francisco para fazerem juntos a orquestração e pronto. Já tinha roubado a primazia de Braguinha e Alberto de Ribeiro. E outros o fizeram ainda na primeira metade do século. Há o registro de mais uma Copacabana, dessa vez do regente e compositor paulista Assis Pacheco. Sem contar a gravação de Let's go to Copacabana, feita por Carmen Miranda, um ano após Dick Farney gravar a sua, para o filme que levava o nome do bairro, dirigido por Alfred E. Green.

Se roubaram a primazia da dupla, essas músicas não roubaram a importância da canção como faixa fundamental na trilha sonora do bairro. Foi interpretada por grandes nomes da nossa música e sua letra, até hoje, é um exemplo perfeito de como Copacabana foi e ainda é vista também com olhos iludidos e românticos, dotados de um astigmatismo que só enxerga a bela curva da praia, do calçadão, do resto de natureza que ainda resiste e persiste. A imagem que a canção produz na última estrofe, de que o mar, um eterno cantor, apaixonou-se ao beijar a praia com suas ondas, tem uma função fundamental dentro da estrutura do poema. Ela aproxima o eu-lírico do mar, protagonista supremo e inquestionável do bairro, e concretiza a idéia de que Copacabana, o bairro, serve como um espaço para a realização do poeta, assemelhando-se com o que faz Vinícius de Moraes em outro poema, como será visto em breve.

Segundo Renato Cordeiro Gomes, autor do livro Todas as Cidade, a cidade, esta apropriação de Copacabana, ou seja, da cidade, pelo eu-lírico do poema, provoca uma ação recíproca e conivente da própria cidade. Ao se fazer intérprete dela, seu devoto e seu cúmplice, seu leitor, portanto, o eu produz sua cidade que, por sua vez, o produz, exercendo nele o seu poder poético. Não é só na Física que a lei da ação e reação impera. Não é à toa que no último verso o poeta promete amor eterno à Copacabana, fazendo inveja aos mais exacerbados românticos e corroborando a explicação que Renato dá.

A composição de Sábado em Copacabana já possui uma história diferente, a começar pelo modo como foi feita. Fruto de uma parceria entre Dorival Caymmi e Carlinhos Guinle, e lançado pela voz de Lúcio Alves em 1951, o samba-canção foi um dos vários "flagrantes" do Rio que a dupla fez. Para alegria dos paulistanos, sempre dizendo que cariocas não gostam de trabalhar, o primeiro verso já expõe a controversa tese. Flertando com a etimologia da palavra, o trabalho, para o eu-lírico, é um sofrimento. Copacabana, sim, não é desperdício. É viver intensamente, amar intensamente. Copacabana, novamente, assim como na canção de Alberto Ribeiro e Braguinha, aparece como o espaço de realização do poeta. Um lugar capaz de, voltando ao que diziam os versinhos impressos nas passagens dos bondes da Companhia Jardim Botânico, contrabalançar o peso que é o trabalho. Copacabana já aparece nesse samba-canção também como lazer. E vale observar que é um lazer também do asfalto e não apenas da natureza. Junto com o mar, estão o bar, o jantar, a dança. Diferente da representação de Copacabana, aqui não é só a natureza a responsável pela realização do poeta. A diferença de cinco anos entre o lançamento de Copacabana e Sábado em Copacabana explicaria esse começo de mudança? Talvez. Como foi visto nas reportagens anteriores da série As esquinas de Copacabana, a vida noturna no bairro começou após a Segunda Guerra Mundial. A canção de Caymmi e Guinle já foi composta, portanto, em uma Copacabana com mais vida noturna que na época da composição de Braguinha e Alberto Ribeiro. Há certeza, isso sim, que as duas explicam como é efêmero o tempo no bairro, como tudo passa tão de pressa e deixa sempre uma saudade na gente.



E por falar em saudade, onde anda Vinícius de Moraes e seu Esta é Copacabana, ampla laguna, citado no início dessa reportagem? Certamente, "desnudando estrelas" com seus olhos, "discursando à lua", enquanto, dentro da "cidadela forte", como ele chama o bairro, "encontra enfim sua poesia". O belo e imagético poema de Vinícius pode ser citado como mais um exemplo de realização do poeta dentro do espaço urbano, neste caso, Copacabana. Um caso até mais explícito. E é com trechos do poema do poetinha que esse post chega ao fim.

"Aqui encontrarás minhas pegadas
E pedaços de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu. Num grito de socorro
(...)
Tu, Copacabana
Mais que nenhuma outra foste a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mas suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível"

Na próxima reportagem: A Copacabana paradisíaca da televisão e dos cartões-postais

11.5.08

And here's to you, Mrs. Robinson

Domingo, semana nova, novidades no Textos etc. Coloco hoje no ar o primeiro podcast do blog, especial para o Dia das Mães. Há 40 anos, no mítico 1968, a música Mrs. Robinson estourava nas paradas de sucesso americanas. Paul Simon compôs trechos da música em 1967 para o filme A Primeira Noite de um Homem, que alavancaria a carreira do estreante Dustin Hoffman. No ano seguinte, com o sucesso do filme e da música, apenas incidental até então, ele e Garfunkel gravaram a canção completa.

Nascia um clássico dos anos 1960, símbolo de uma geração e de uma nova mulher que nascia, mais independente em relação aos homens.

No podcast, além de ouvir a música completa, você vai conhecer curiosidades e a saber da importância que os primeiros versos têm para a cultura de massa e para a simbologia em torno dos anos 1960.

Clique aqui para ouvir o primeiro podcast do Textos etc. Está em formato MP3 e pode ser baixado para ser ouvido em qualquer computador, MP3 Player ou iPod.

Abaixo, a letra da música, para que os mais animadinhos possam cantar junto.

Mrs. Robinson

And here's to you, Mrs. Robinson,
Jesus loves you more than you will know (Wo wo wo).
God bless you, please, Mrs. Robinson,
Heaven holds a place for those who pray (Hey hey hey, hey hey hey).

We'd like to know
A little bit about you
For our files.
We'd like to help you learn
To help yourself.
Look around you. All you see
Are sympathetic eyes.
Stroll around the grounds
Until you feel at home.

And here's to you, Mrs. Robinson,
Jesus loves you more than you will know (Wo wo wo).
God bless you, please, Mrs. Robinson,
Heaven holds a place for those who pray (Hey hey hey, hey hey hey).

Hide it in a hiding place
Where no one ever goes.
Put it in your pantry with your cupcakes.
It's a little secret,
Just the Robinsons' affair.
Most of all, you've got to hide it
from the kids.

Coo coo ca-choo, Mrs. Robinson,
Jesus loves you more than you will know (Wo wo wo).
God bless you, please, Mrs. Robinson,
Heaven holds a place for those who pray (Hey hey hey, hey hey hey).

Sitting on a sofa
On a Sunday afternoon,
Going to the candidates' debate,
Laugh about it,
Shout about it,
When you've got to choose,
Every way you look at it, you lose.

Where have you gone, Joe DiMaggio?
A nation turns its lonely eyes to you (Woo woo woo).
What's that you say, Mrs. Robinson?
"Joltin' Joe has left and gone away" (Hey hey hey, hey hey hey).

10.5.08

Relíquias: a última crônica de Artur da Távola

"Embora enfermo desde agosto de 2007, com risco de vida, nas breves oportunidade em que não esteve internado, o titular deste blog nele não mais pôde escrever. Ele ficou aberto sujeito à interferência de internautas que se comprazem em entrar em domínios alheios.

Embora não mais internado em hospital prossigo em tratamento doméstico e assim será por algum tempo. Nessas circunstâncias, peço desculpas a quem o procure. Ele está momentaneamente congelado por seu titular. Espero voltar na plenitude de minhas possibilidades dentro de dois ou três meses. E conto com sua compreensão."

A mensagem acima foi o último post do jornalista, escritor e político carioca Artur da Távola, em seu blog, na sexta-feira de 4 de janeiro deste ano. Como todos sabem, Paulo Alberto Monteiro de Barros (Artur da Távola era pseudônimo) morreu ontem em seu apartamento no Leblon, aqui no Rio. Publicou mais de 15 livros. Foi líder da bancada tucana na Assembléia Constituinte de 1988, quando defenseu alterações nas concessões de emissoras de televisão para permitir que fossem criados canais vinculados à sociedade civil. A história e a zona que foram as concessões de rádios e canais de TV durante o governo Sarney mostraram que, nesse aspecto, fracassou.

Foto de José Reinaldo Marques

Selecionei cinco perguntas das mais de 30 feitas a ele em outubro de 2005 numa entrevista ao portal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), capazes de mostrar sua solidez como jornalista, intelectual e político.

ABI Online — Por que o pseudônimo?
Artur da Távola — Eu era editor de Cidade na Última Hora e assinava com o meu nome, Paulo Alberto, uma coluna chamada “Cidade livre”. Quando foi decretado o Ato Institucional nº 5, quem, como eu, já tinha problemas políticos precisou se esconder. Quando a coisa foi-se normalizando, o Samuel Wainer me chamou e me aconselhou a arranjar um pseudônimo e passar a escrever sobre televisão. Aí me veio à cabeça o nome de Artur da Távola.

ABI Online — Como avalia seu trabalho como constituinte?
Artur da Távola — Bem, o capítulo da comunicação até hoje está aí, ninguém nunca tentou mudar nada. Todas as defesas contra a censura e pela regionalização de produção e a criação do Conselho de Comunicação nós conseguimos ganhar.

ABI Online — E de onde vem o seu estilo como cronista?
Artur da Távola — Do ponto de vista literário, sempre fui um enamorado da crônica, que é um dos gêneros mais encontrados na coleção de livros que mantenho em casa. É uma pena que ela esteja desaparecendo do jornalismo. Na minha concepção, a crônica é tão importante para um jornal como um jardim é para uma cidade.

ABI Online — Em que estágio se encontra a cultura nacional?
Artur da Távola — O Brasil tem uma capacidade descomunal de produção cultural, mas tem problemas nos canais de distribuição da cultura. Política cultural que não cuide desse processo não é política para o povo brasileiro. Outro ponto negativo é que se gasta muito dinheiro proveniente da Lei Rouanet com a aprovação de projetos muito caros, quando se poderia viabilizar eventos mais baratos e irradiar a ação cultural até as periferias.

ABI Online — Então, o que é preciso mudar na política cultural do País?
Artur da Távola — Investir mais dinheiro e considerar que a cultura é um bem de primeira necessidade que tem tudo a ver com a evolução civilizadora do povo. A cultura é tão importante quanto gastar dinheiro com estrada e com saúde.

Por fim, como prometido no título do post, a última crônica de Artur publicada no popular O Dia, aqui do Rio. Curiosamente, na última frase, ele fala na morte.


Camarão com catupiri

Ainda rapaz, minha mãe anunciava com alegria, ao receber o salário modesto de funcionária pública no fim do mês: “Hoje vai ter camarão com catupiri”.

Prato denso pela consistência daquele requeijão no qual, ademais, ela adicionava deliciosos palmitos. Não usava molho de tomate de lata (“muito ácido”, dizia), nem colocava ervilhas. O camarão era grande, gostoso e bem mais barato então. Falo de molho de tomate e ervilhas porque, depois, a especiaria ganhou fama e até estrelato em nobres cardápios, tornando-se, também, salgada no preço. Apareceu em jantares finos e restaurantes metidos. E com molho de tomate e ervilhas.

Aos poucos, porém, foi perdendo ‘status’. Dos jantares finos sumiu, porque se tornou lugar comum e, também, porque camarão é caro e rico não é besta.

Nos restaurantes (r)existe, porém, pálida lembrança: o (que era) ‘catupiri’ com camarão está mais para molho branco com farinha de trigo que para o velho e saboroso requeijão. E o pior! Caso se deseje usar o catupiri mesmo, ao vivo e a cores, este envelheceu, tornou-se ralo e aguado, dissolve-se e dessora uma gordura amarelada. Sucumbiu aos imitadores. E, depois destes, veio ainda a legião de copos e mais copos de requeijão cremoso, díspares na qualidade e malandros nos preços, porém mais práticos até pelo aproveitamento do copo que substitui a simpática caixinha redonda, de madeira. Mas sem a mesma consistência de quase queijo, com certeza.

Pobre vovô catupiri, que não conseguiu entrar com saúde na terceira idade! A vertigem do consumo o pilhou desprevenido, sem condições de reproduzir a classe de antigamente. Mesmo assim resiste, que bom! Apesar de soltar a amarela e assustadora camada de gordura liquefeita, para tais iguarias ainda é melhor que o requeijão de copo, pois este precisa ser engrossado com farinha; e o “catupa”, não.

Ele virou, porém, marca e símbolo de um modo de cozinhar acepipes: coxinha de frango com catupiri; rissole de camarão com catupiri; empadinhas de galinha ou camarão com catupiri. O nome prolifera e dobra o preço: rissole de camarão custa a metade de rissole de camarão com catupiri. E a imaginação criadora disparou, inventando até um deslumbrante croquete de aipim recheado com catupiri. Comi um na ‘Chez Anne’ e quase chorei de emoção.

Mas o camarão com catupiri inesquecível de minha mãe, este não existe mais.

O tempo o levou. E a ela, cuja perda não tem solução.

9.5.08

Olá, você recebeu 1 nova mensagem de Bento XVI

A Igreja, historicamente a maior mestra na arte da comunicação, está inovando. Bento XVI enviará mensagens de celular para jovens australianos durante a as comemorações do Dia Mundial da Juventude, em julho. O evento deve durar seis dias em Sidney, a partir de 15 de julho, e todos os 225 mil jovens que participarem poderão receber textos de inspiração e esperança via SMS.

A novidade tem o propósito de aproximar a Igreja do público jovem, por meio da tecnologia. Além das mensagens SMS, serão colocados telões em diversos lugares para que todos possam acompanhar as cerimônias, além da criação de uma rede social como o Orkut, com o objetivo de congregar todos os jovens.

Mas será que essa é uma inovação capaz de atrair para o rebanho católico ovelhas desgarradas e tão pouco interessadas em se adequar aos preceitos morais do catolicismo? Os quatro pontos mais polêmicos aos quais a Igreja se opõe hoje – casamento homossexual, uso de preservativos, legalização do aborto e uso de células tronco para pesquisas científicas – estão na pauta de reivindicação grande maioria dos jovens mundo afora. A legalização do aborto talvez um pouco menos. Contra todos os quatro, a Igreja possui argumentos teológicos na ponta da língua, todos eles de fundo religioso. É claro que eles devem ser levados em conta, mas sempre pelos indivíduos e não pela sociedade. Sociedade e religião não podem ser misturadas, pois são diferentes em sua própria constituição: uma é física, outra é transcendente. A escolha individual de alguém, essa sim, pode ser influenciada pela motivação religiosa. É o livre arbítrio. Cada um faz as coisas como quiser, orientado pelas razões que quiser. Proibir práticas, no entanto, vai contra as necessidades do mundo contemporâneo.

O uso de camisinha é um exemplo. Que pessoa hoje, adolescente, adulto, ou da cada vez mais moderna terceira idade, pode se dar ao luxo de transar sem camisinha? É uma questão que vai além do argumento da Igreja, de que sexo é só dentro do casamento e, portanto, 100% seguro, levando em conta a fidelidade das duas partes. Ora, doenças sexuais são transmissíveis, todos nós sabemos, por vias não sexuais também. O HPV, que pode causar até câncer de colo de útero nas mulheres, é transmissível por uma simples peça de roupa compartilhada entre amigas. O próprio HIV pode ser contraído por uma simples transfusão de sangue. Um marido fiel e que precisou há dois meses de transfusão de sangue, sem saber que foi contaminado, pode passar o vírus para a mulher, por exemplo.

À pesquisa com células tronco para fins científicos, a Igreja se opõe argumentando que ali já existe vida humana. Não poderiam pensar diferente, pois acreditam que Maria se tornou mãe de Deus logo que a semente de Cristo nela foi implantada pelo Espírito Santo.

Pelo mesmo motivo, o aborto significa transgredir à vida humana. Sobre essas questão, mais uma vez, deve prevalecer a decisão do indivíduo e não uma determinação social. Quem escolhe se a mulher vai ou não fazer o aborto é o casal e não a sociedade. Se a escolha deles será motivada pela religião, é uma decisão deles.

A quarta maior polêmica nesse rápido ranking que improvisei – o casamento homossexual – está ligado à discussão moral, a mesma que suscita o combate ao uso da camisinha. São questões imorais o uso da camisinha e a homossexualidade. Como a moral é incondicionada, transigir em qualquer aspecto seria o mesmo que renunciar a ela como um todo. Para a Igreja, permitir o casamento homossexual não é apenas quebrar uma tradição, mas fazer ruir o próprio edifício lógico sobre o qual a igreja se assenta. Afinal, se o que Deus disse aos homens não precisa valer, a própria existência da Igreja pode ser questionada.

Resta saber se a existência da Igreja não será questionada por esses mesmos jovens a que ela se dirige agora por mensagens de celular. Num mundo cada vez mais dominado pelo materialismo e o individualismo, é claro que existem jovens interessados em conhecer os bonitos preceitos cristãos. Mas poucos deles parecem concordar com a imposição de preceitos religiosos às sociedades. O Estado laico, ao que parece, já é um valor consolidado.

8.5.08

A cidade dentro da cidade

Leia as outras reportagens do especial As esquinas de Copacabana:
As esquinas de Copacabana
O mirante azul começa a se transformar
Balneário de uma Europa Tropical

A partir de 1940 e até 1970, o crescimento médio de Copacabana passou a ser maior que o da cidade, forjando uma densidade populacional, na década de 1970, de 700hab/ha, um tanto diferente dos 45 hab/ha de 50 anos antes. Não foi à toa que, já naquela década, 98% de suas construções fossem edifícios. A população passou de 17.823 habitantes em 1920 para 228.252 em 1980. Vale lembrar que para estimar a quantidade de pessoas que circulam pelo bairro, além da população residente, devemos contar ainda os milhares que se deslocam diariamente para trabalhar, comprar ou se divertir em Copacabana, sem contar os turistas e aqueles que só passam pelo bairro, de ônibus ou carro. Pesquisa realizada pelo Jornal do Brasil, em 1983, informava que na esquina da rua Figueiredo Magalhães com a avenida Atlântica passavam diariamente 6.600 ônibus, o que significava, na hora do rush, quase onze ônibus por minuto. A mesma pesquisa indicava que existiam menos de 60.000 garagens para 100.000 automóveis, mostrando que o bairro estava saturado. Copacabana, a essa época, já agonizava. Mas isso não foi da noite para o dia.

Toda a cidade havia observado um grande crescimento populacional, acompanhado por um também extraordinário aumento em área para a cidade. Ao mesmo tempo que zonas suburbanas eram ocupadas, o crescimento vertical da orla marítima acontecia. Construções erguidas há, no máximo, 30 anos, foram substituídas. A construção civil vivia seu auge. Segundo o Observador Econômico e Financeiro de setembro de 1953, no Distrito Federal, a indústria de construção contava em 1950 com 773 estabelecimentos, mais que o dobro dos 372 de 1940. O crescimento da Zona Sul, e de Copacabana sobretudo era o grande responsável por esse fenômeno. O avanço das imobiliárias sobre o bairro, paralelo ao crescente fluxo de população à procura de um “pedacinho de chão do paraíso”, estimulou a construção de muitos prédios com dezenas, às vezes centenas, de apartamentos que tinham como característica comum o baixo padrão de moradia. A demanda por novas necessidades de consumo levou à diversificação do comércio do bairro. Copacabana ia transformando-se num importante sub-centro da cidade. A combinação desses três elementos – aumento do fluxo demográfico, intensa atividade imobiliária e estruturação de comércio e serviços – levou o bairro a virar, mais que um sub-centro, uma verdadeira cidade. A partir dos anos 1960, já era possível nascer e morrer em Copacabana sem nunca ter saído do bairro.


O berço da Bossa Nova

A vida cultural do bairro foi inaugurada pelos cinemas, a partir da década de 1910. Os teatros viriam nos anos 1940. E só na década seguinte chegariam os grandes responsáveis por transformar a cara do bairro: os bares, restaurantes e boates. A vida noturna fora do Centro do Rio começava. O Beco da Fome, na Prado Júnior, com suas lanchonetes de refeições baratas, o Beco das Chaves, com pequenas boates, o Beco das Garrafas, na rua Duvivier, com casas noturnas um pouco mais chiques. Seria em boates como o Little Club e o Bacará que a MPB se renovaria e daria luz à Bossa Nova. Copacabana dividiria com Ipanema o título de berço do novo estilo musical.

E os apartamentos dos dois bairros foram o cenário desse nascimento. Como se disse, em Copacabana, desde 1930, crescia o hábito de se morar em apartamento. A praia representava uma alternativa de esporte e lazer para escapar do confinamento dos apartamentos. Mas ela não era suficiente, levando à formação de grupos de jovens na rua, que até hoje, bem menos, por conta da falta de segurança, se reúnem nas esquinas. Algumas dessas turmas ficaram responsáveis pela má fama que o bairro ganhou nos anos 50 e no início da década seguinte, dando origem a termos estereotipados, como “juventude transviada”, “curra” e “playboy”. Outro hábito que também foi se tornando comum, mas só a partir da década seguinte, foi o desfile de prostitutas pelo calçadão. A prostituição feminina, masculina e de travestis se tornou uma marca registrada de Copacabana, assim como se tornou rotina a falta de segurança do bairro. Em junho de 1938, o Correio da Manhã anunciava que em Copacabana, Ipanema e Leblon, “garotos maltrapilhos, na maioria ‘negrinhos’, invadiam" os bairros devido ao aumento das favelas, criando muitos problemas para os moradores. O jornal ia mais além: “os capinzaes dos terrenos baldios e murados offerecem uma paraíso para o seu descanso da vadiagem, e praticas immoraes.” O bairro já não era mais o paraíso.


O simbólico e o real

Crescendo sem parar nos anos 1940, 1950 e 1960, Copacabana viveu uma verdadeira revolução urbanística, não por ser um novo modelo de bairro, como a Barra da Tijuca seria mais tarde, mas porque sintetizava, em seu espaço, toda a problemática da expansão urbana de uma cidade capitalista subdesenvolvida.

Era nesse estilo que não só Copacabana, mas o Brasil ingressavam em um novo tempo. Segundo Gilberto Velho em seu A utopia urbana, livro em que estuda as relações sociais da classe média do bairro, não se pode explicar Copacabana a partir de uma “teoria conspiratória”, “em que meia dúzia de empresários corruptos resolveu criar uma empreitada lucrativa às custas de pobres inocentes".

“A criação do mito Copacabana não se deu num vazio e sim explorando determinadas condições tanto econômicas, dadas pelo mercado imobiliário quanto jurídicas, dadas pela permissividade da legislação urbanística, e ideológicas, dadas pelo desejo latente de certos grupos sociais que identificavam prestígio social com local de residência. A Copacabana que o carioca tem na sua cabeça e que se tornou internacional se deve a três fatores: ao desenvolvimento da produção capitalista da moradia (a incorporação/ especulação imobiliária), ao crescimento das camadas médias na cidade, e à procura de prestígio social dado pelo local em que se mora.”*


É bom que se fale brevemente, para encerrar esse parênteses histórico que já se alonga mais que o pretendido nessa série de reportagens sobre as representações culturais de Copa, do surgimento das favelas, parte de Copacabana pouquíssimo presente nas representações sobre o bairro, mas extremamente importante para entendermos a que temperatura ferve este caldeirão tão multicultural. Desde 1915, pelo menos, os morros do bairro já vinham eram invadidos por intrusos, que derrubavam a mata para construírem casebres sem licença, completamente em desacordo com as posturas municipais, já explicadas anteriormente. Mesmo assim, em 1934, o balneário carioca já contava com duas favelas de grandes proporções: a do morro da Babilônia, no Leme, e a do morro do Cantagalo, de frente para a lagoa Rodrigo de Freitas. Eram favelas habitadas principalmente pelos empregados domésticos das famílias abastadas. Mais tarde, a favela do morro do Cantagalo formaria, junto com a Pavão-Pavãozinho, um dos maiores complexos de favelas da Zona Sul carioca (foto).

A decadência do bairro, acelerada em função da especulação imobiliária, se acelerou, portanto, a partir da década de 1970. A ponto de, chegados os anos 2000, a população do bairro ter reduzido sensivelmente (para 147.021, apresentando uma diminuição de 40.000 pessoas desde a década de 1980) e o preço dos apartamentos e aluguéis ter sofrido uma sensível depreciação. Um fator puxando o outro, o cenário paradisíaco se transformou em inferno com grande elenco.

Os primeiros atores a entrarem em cena foram as famílias ricas, as primeiras a se instalar em Copacabana, atraídas pelas possibilidades paradisíacas. O segundo ato foi marcado pela entrada da classe média, oriunda do subúrbio, que trocava casas bem maiores por conjugados em Copacabana. Pessoas pobres eram subiam os morros, para também desfrutar, quando desciam para o asfalto, das oportunidades de emprego oferecidas com o crescimento populacional e da rede de hotéis e serviços. E por falar em hotéis, não se pode esquecer o papel triunfante que os turistas exercem nessa encenação, sempre extasiados, ora pelas curvas do calçadão, ora pelas curvas das meninas do calçadão. Outro lado do bairro aparece à medida que o enredo avança. Surgem os(as) prostitutos(as), pequenos traficantes, cafetinas, cafetões, exploradores de crianças e adolescentes, todos ávidos por lucrar com o mercado de sexo. Chega também a repressão, como esquecer dela? Policiais e autoridades também estão nessa mise-en-scène, tentando pôr ordem a esse caos teatral. Bom, explicados os papéis, desenhado o cenário, encenados os primeiros conflitos, chega a hora de se desenrolar a trama. Como Copacabana foi e é representada em diferentes produtos culturais?

* - Trecho em destaque foi retirado do livro História dos bairros – Memória Urbana: Copacabana, de Elizabeth Dezouzart Cardoso, publicado no Rio de Janeiro: Editora Index, 1986

Na próxima reportagem: A Copacabana idílica da Bossa Nova, dos cartões-postais e da abertura da novela Paraíso Tropical

5.5.08

A bíblia do nazismo

Amanhã, o horário nobre do canal de arte francês (sim, existe um canal de arte francês) exibirá um documentário que trata de um assunto tão controverso quanto importante para a Europa e, especialmente, para a vizinha Alemanha. Dirigido por Antoine Vitkine, o filme fala sobre a história e a importância do livro mais adorado e mais odiado na Alemanha em todo o século XX: Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler. Mein Kampf, c’était écrit , como se chama o documentário, chega num momento crucial, em que a Alemanha discute se não é chegada a hora, após décadas de proibição, de se liberar a leitura e difusão do livro que sintetiza todo o projeto de poder nazista e responsável por milhões de mortes durante o Terceiro Reich.

Como diz o título em francês (Mein Kampf, estava escrito), tudo que aconteceria nos anos 1930 e 1940 na Europa estava escrito ali. Seu autor o escreveu aos 35 anos, na prisão de Landsberg, em 1924, quando cumpria pena por uma tentativa de golpe. Seu projeto político é exposto sem meias palavras: um Estado racista e totalitário, baseado em princípios como imperialismo, anti-semitismo, antiparlamentarismo. O nome original que pretendia dar ao livro era Quatro anos e meio de luta contra mentiras, estupidez e cobardice, mas seu editor o convenceu pelo nome Mein Kempf.

No início dos anos 1930, 290 mil exemplares foram vendidos, número que subiria bastante com a chegada de Hitler ao posto de chanceler, em 1933. O livro se tornou então uma espécie de bíblia do Terceiro Reich, sendo distribuído aos noivos que se casavam, aos operários nas fábricas e até em braile para cegos. Quatro milhões de exemplares vendidos até o início da guerra, doze milhões ao fim.

Depois disso, não por acaso, foi o livro mais renegado da história. Após a Segunda Guerra, todos diziam que, apesar de possuí-lo, nunca o haviam lido. Esses 12 milhões de exemplares foram destruídos na mesma velocidade que foram vendidos. Até hoje, sua distribuição é proibida pelo Ministério das Finanças da Baviera, última região em que Hitler registrou domicílio e, portanto, detentor dos direitos autorais do livro. Se por respeito às vítimas do Holocausto ou se por medo de que sua leitura incite o ressurgimento do nazismo, o fato é que é proibido na Alemanha. No Brasil, você pode comprar pela internet e, por módicos R$ 60, receber no conforto da sua casa as amargas lições nazistas.

Mas voltando ao gancho do texto, sobre a importância do documentário francês nesse momento, o fato é que, em 2015, daqui a sete anos, a obra cairá em domínio público. Deixar a hipocrisia de lado e autorizar a difusão da obra pode ser uma chance da Alemanha ter, por exemplo, como propôs o jornalista francês Pierre Passouline em seu blog, uma edição crítica, com notas, prefácio e comentários. A história já mostrou, à própria Alemanha inclusive, que discutir um problema é muito mais saudável - e menos perigoso - do que encobri-lo.

2.5.08

A saia do Papa levantou


Um túnel ferroviário da linha Eurostar, que une Londres ao continente, será transformado amanhã em uma atração artística, em função da exposição Cans Graffiti Art Festival, que reunirá grafiteiros de todo o mundo. Organizada pelo grafiteiro britânico Bansky, cujas obras são vendidas por gigantescas cifras em leilões de Nova Iorque e Londres.

O próprio Bansky contribuiu com algumas obras, entre elas uma em que um encapuzado se esfaqueia, outra com um buda de colar ortopédico e uma terceira em que um funcionário municipal pinta desenhos rupestres. O norueguês Dork, que também participa da exposição urbana, pintou o Papa Bentro XVI misturado com a mítica foto de Marylin Monroe e seu vestido esvoaçante.

O brasileiro Daniel Melin, morador até hoje de São Bernardo do Campo, onde ministra um curso de grafite para crianças pobres, é um dos participantes.

1.5.08

Balneário de uma Europa tropical

Leia as outras reportagem do especial As esquinas de Copacabana:
As esquinas de Copacabana
O mirante azul começa a se transformar

Junto com o novo bairro, nascia uma nova cidade. Copacabana era o balneário dessa Europa dos trópicos que se pretendia criar no Rio de Janeiro. A cidade entrava em um processo de higienização, embelezamento e modernização a partir das reformas urbanas promovidas pelo prefeito Pereira Passos. Enquanto no Centro a tradição era apagada, em Copacabana a modernidade se desenhava. A infra-estrutura urbana chegava e os dois lados interessados no crescimento do bairro - empresários e proprietários de terra - continuavam forte divulgação em jornais e revistas da época, tentando atrair visitantes, moradores e comerciantes, agentes fundamentais na promoção da ocupação do bairro.

O Estado passava também a olhar com mais atenção para a região. A abertura do Túnel Novo, em 1905, ligando outro ponto de Botafogo ao bairro, mostrou isso. Não por acaso, o governo tinha planos parecidos com os dos proprietários e dos empresários para o bairro, como ficou claro quando o prefeito Pereira Passos revogou o decreto que permitia a "liberdade de construção" no bairro, com o intuito de evitar a construção de moradias precárias e cortiços, moradias das classes pobres. O balneário, assim como outros espaços da cidade, não seria para todos.

Até os anos 1920, foram realizadas obras regularizando o sistema viário, ampliando e interligando ruas que cortavam longitudinalmente parte do bairro – as ruas Barata Ribeiro e Nossa Senhora de Copacabana. Já a avenida Atlântica, seguidas vezes destruída por ressacas, foi reconstruída em 1919 pela Prefeitura e recebeu sistema de iluminação que embelezava a praia. Poucos anos depois, chegaria a essa nova avenida Atlântica o até hoje mais famoso personagem do bairro, o Copacabana Palace Hotel. O requinte de sua decoração e a pompa das festas de inauguração correspondia aos anseios da alta sociedade e do turismo cariocas. O bairro se valorizava. Comércio e serviços ficavam no entorno da atual praça Serzedelo Corrêa e a avenida Atlântica se consolidava como o coração do bairro, com seus primeiros edifícios de apartamentos, símbolos de um bairro novo, moderno e elegante, a ponto de, no início dos anos 1930, Copacabana ser chamada de "Babilônia de Arranha-Céus". Uma das últimas áreas verdes ainda não ocupadas, o morro do Inhangá recebeu sucessivos loteamentos, apesar das recomendações contrárias de um dos primeiros planos urbanísticos da cidade, o Plano Agache, de 1926.

História interessante tem o Bairro Peixoto, um bairro dentro de outro bairro. Toda a área pertencia ao comendador Peixoto, que abriu ruas para melhorar o acesso a suas terras e desde 1905 já vendia parte delas. Com sua morte, o restante das terras foi dividido entre cinco instituições beneficentes e a Prefeitura fez uma área de recreação, além de modificar todo o traçado da área.

À medida que abriam ruas, que desapareciam os espaços livres, ficava evidente a falta de praças públicas. Apesar da reivindicação da população, a Prefeitura não atendeu ao pedido, permitindo até a construção de prédios numa das poucas existentes, a Barão de Santa Leocádia. A área verde diminuía cada vez mais. A especulação crescia. Mas isso era apenas o prenúncio do que aconteceria nas décadas subseqüentes.

As dificuldades no trânsito começavam a aparecer. Bondes, ônibus e automóveis disputavam o espaço nos túneis que ligavam o bairro ao resto da cidade, provocando o alargamento de algumas avenidas. Mas isso não seria suficiente. A expansão da indústria automobilística no país se faria sentir de todas as formas. Junto com a modernidade que o totem do capitalismo trazia, vinham os congestionamentos, a poluição sonora e a do ar. Diminuía o espaço para pedestres, o bonde era aposentado, estacionamentos e garagens construídos, túneis abertos, a avenida Atlântica alargada, tudo para ele avançar. E junto com o automóvel, outras mudanças se processavam, no bairro, na cidade, no país. Esse momento, que podemos situar entre as décadas 1900 e 1920, marca a introdução de novos padrões de consumo, atiçados por uma nascente e forte influência publicitária, sem contar, as revistas ilustradas, a criação do mercado fonográfico e a popularização do cinema.

Na próxima reportagem: A cidade dentro da cidade