30.12.08

Relíquias: Gilberto Passos Gil Moreira

Quem disse que Faustão não presta deve morder a língua, porque foi no Domingão que passou uma das coisas mais bonitas da TV brasileira ultimamente (depois, é claro, da maravilhosa Capitu, de Luiz Fernando Carvalho). Foi a bela homenagem que o programa fez ao nosso Gilberto Gil, gênio da raça, que foi agraciado pelo Troféu Mario Lago, criado pelo programa há seis anos para homenagear o também brilhante ator.

O vídeo abaixo mostra toda a passagem de Gil pelo programa, desde a homenagem que faz a Dorival Caymmi até o momento que recebe das mãos de Glória Pires o troféu. Há depoimentos de todos (!) os filhos do compositor, além de lindas declarações de amor de Caetano Veloso, Jorge Mautner e outros amigos. Lula também fala, sem dizer muito. O ponto alto é o depoimento de Preta Gil, de marejar os mais frios olhos .

De brinde, coloco nesse baú de relíquias o último CD de Gil, Banda Larga Cordel, o melhor disco que ouvi em 2008. Sensacional mesmo. Para ouvir, clique aqui.

29.12.08

Yes! Nós temos a Cidade da Música

Nunca impliquei com a Cidade da Música, obra faraônica iniciada em 2003 pelo prefeito Cesar Maia, embora entenda os argumentos de quem acha um desatino gastar quase R$ 600 milhões numa cidade tão carente de serviços públicos de qualidade. Mas, ainda assim, acho válido o investimento, visto que dificilmente, num governo com o perfil do que agora se encerra aqui na cidade do Rio, esses recursos teriam destino diferente, como a construção de hospitais, escolas ou melhorias urbanas significativas. Provavelmente seria destinado a outra pirotecnia do alcaide, como obeliscos de gosto duvidoso - como o que corta a Rua Visconde Pirajá, em Ipanema.

O projeto da Cidade da Música é muito interessante. Cesar Maia encomendou-o ao arquiteto francês Christian de Portzamparc, que já recebeu vários prêmios, entre eles o Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura. É especializado em projetos de grande porte urbano, como grandes equipamentos culturais, sendo responsável pela criação de salas de música em grandes capitais da Europa, inclusive a Cité de la Musique, de Paris.

O local abriga um complexo com a maior sala de concertos de orquestras sinfônicas e óperas da América Latina. É também, por suas características técnicas, única no mundo. A Cidade da Música foi erguida em uma área de 94 mil metros quadrados, com duas salas de concerto: uma tem capacidade para 1.800 lugares e outra para 800 lugares. Além de salas para concertos e estudos, com atividades de incentivo a novos talentos, formação de platéias e cursos diversos, servirá de sede à Orquestra Sinfônica Brasileira, que ali desenvolverá uma escola de música e um projeto de formação para novos músicos e ouvintes. Ou seja: é algo que o Rio precisava há séculos.

Outro lado positivo é que foi construída em um ponto da cidade extremamente carente de equipamentos de cultura erudita, a Barra da Tijuca, meca do consumo e da cultura de massa. Bem perto dali há uma enorme réplica da Estátua da Liberdade de Nova York, uma da Torre Eiffel e outra da Torre de Piza. Com a Cidade da Música, o bairro muda seu perfil de subserviência cultural e poderá oferecer, além dos shoppings e praias, opções culturais bem mais enriquecedoras aos milhares de moradores de toda a cidade - das partes mais pobres, inclusive - que para lá se bandeiam todo fim de semana.

Como ainda não fui lá, aproveito-me da opinião de gente até mais abalizada, que já foi e entende realmente de música: o crítico musical e agora imortal da Academia Brasileira e Letras Luiz Paulo Horta. Hoje ele publicou um artigo no Globo em que conta como a classe musical está eufórica com a novidade. Parabéns a Cesar Maia, que, embora tenha sido péssimo governante, merece o crédito por esse presente à cidade. Obrigado.

Veja trecho do artigo do Luiz Paulo Horta:

"Por cima e em volta de você, um projeto arquitetônico que é enorme, mas surpreendentemente leve, talvez porque não haja ou não se percebam linhas retas. A impressão é que você está no meio de um vendaval imóvel com os planos sinuosos de concreto, que parecem velas. (...) Faltava conferir a acústica. (...) O som corria bem, e nesse banho de música a sala podia considerar-se definitivamente inaugurada. A classe musical no final estava entre eufórica e estupefata.”

18.12.08

Pontos, vírgulas e outros sinais brasileiros

Preparem as armas, homens de fé! Faltam armamentos pesados? Peguem as pedras portuguesas de nossas calçadas e ao ataque! Temos um novo inimigo e ele se chama Rogério Longen, o catarinense ladrão de doações! Não sabem quem é? Ora, até o William e a Fátima já falaram dele. Os jornais hoje estampam seu rosto e os de seus familiares, que concordam com a necessidade de se expulsar um verme como esse da pátria, da polis, do planeta! E dá-lhe pontos de exclamação. Daqui a pouco, o Lula vai pedir a expulsão dele, como fez com Larry Rohter quando foi chamado de bêbado. Tá certo. No Brasil do pré-sal, ame-ou ou deixe-o voltou a reinar. Rogério Longen não ama! Ele roubou dos flagelados!

O quê? Mensalão? Privataria? Esquema PC? Nossa, quanta interrogação! Ora bolas, tudo isso é besteira perto do que fez esse crápula. Até porque, como todos sabem, nada foi provado contra os acusados. Ninguém sabia de nada. Eram elucubrações infudadas vindas de uma oposição sem espírito republicano. Uns vêm dizer que isso é coisa do Brasil, culpa da suposta corrupção feita por políticos, coisa e tal, tal e coisa. Mentira. O safado é ele. Pilantra, coisa-ruim, malandro. Ponto final.

Que morra para não termos de dividir a mesma calçada! Imagina!? Um brasileiro que rouba dos pobres é capaz de tudo. Como nós, cidadãos honestos, incapazes de furar uma mísera fila, vamos conviver com alguém que teve a coragem de dizer que roubou as fraldas geriátricas para dar à mãe. Como se degenerados desse tipo tivessem uma. Tem nada. E não tem disse-me-disse. Roubou porque é mau. O brasileiro, sim, é bom, trabalhador e ordeiro. O brasileiro nunca confunde o que é dele com o que é do outro. No país do Bolsa Família, coletividade é a palavra de ordem. Afinal, o PAC tem pai, mãe e até um tio paulista, lá do Palácio dos Bandeirantes, que a qualquer momento pode chegar. Somos uma família perfeita, que às vezes briga entre si, mas jamais desrespeita o que é do próximo. Está na Bíblia e a seguimos sem restrições. Aqui, a tolerância é zero - a não ser com nossos pequenos pecados. Quanto a esses, o Compatriota lá de cima dá uma aliviada.

Carro na garagem do vizinho? Tiro quando precisar. Chiclete jogado no chão? Gruda e vira asfalto. Dirigir pelo acostamento? É rapidinho. E a notinha de cinqüenta pro guarda? Bom, aí, você sabe, é aquela coisa, né, cheia de vírgulas, meio assustada, hesitante, mas necessária. Não atrapalha ninguém, é até uma ajudinha pro policial que recebe tão pouco... É isso, né... Desde Pedro Álvares Cabral, os brasileiros se ajudam... Do Zé da Esquina ao Português da Padaria... do Banqueiro ao Camelô... A boa é uma mão lavar a outra... E as duas, já diria o presidente Luiz Inácio Sifu Lula da Silva, se juntam, uma espalmada e a outra fechada, para executar aquele movimento tão pouco fino, mas muito adequado para definir o que temos de fazer com Rogério Longen, o ladrão de doações... É... Corrupto... Que nem o guarda da propina... E como quem paga a propina...

Talvez seja mais prudente ficar nas reticências... Só elas são capazes de acalmar esse Brasil que reage ensandecido ao constatar como somos todos parecidos com Rogério Longen...

9.12.08

Uma cinemateca ideal deve ter...

A Cahiers du Cinéma, principal revista de cinema do mundo, lança este mês em parceria com a Prefeitura de Paris o livro 100 films pour une cinémathèque idéale, que lista as cem películas que não podem faltar numa cinemateca ideal. É claro que deu, como em quase todas as listas do gênero, Cidadão Kane, de Orson Welles, realmente um filme brilhante. Você confere aí embaixo a lista completa.

Sinto falta do meu filme favorito, Sonata de Outono, do Bergman, cuja única obra a figurar na lista é Fanny e Alexander, que nunca assisti, mas de que já ouvi ótimos elogios. E na sua cinemateca, qual filme não poderia faltar?

100 films pour une cineémathèque ideal

1. Cidadão Kane (1941) - Orson Welles
2. O Mensageiro do Diabo (1955) - Charles Laughton
3. A Regra do Jogo (1939) - Jean Renoir
4. Aurora (1927) - Friedrich Wilhelm Murnau
5. O Atalante (1934) - Jean Vigo
6. M, o Vampiro de Dusseldorf (1931) - Fritz Lang
7. Cantando na Chuva (1952) - Stanley Donen & Gene Kelly
8. Um Corpo que Cai (1958) - Alfred Hitchcock
9. O Boulevard do Crime (1945) - Marcel Carné
10. Rastro de Ódio (1956) - John Ford
11. Ouro e Maldição (1924) - Erich von Stroheim
12. Rio Bravo - Onde Começa o Inferno (1959) - Howard Hawks
13. Ser ou Não Ser (1942) - Ernst Lubitsch
14. Era uma Vez em Tóquio (1953) - Yasujiro Ozu
15. Desprezo (1963) - Jean-Luc Godard
16. Contos da Lua Vaga (1953) - Kenji Mizoguchi
17. Luzes da Cidade (1931) - Charlie Chaplin
18. A General (1927) - Buster Keaton
19. Nosferatu (1922) - Friedrich Wilhelm Murnau
20. A Sala de Música (1958) - Satyajit Ray
21. Monstros (1932) - Tod Browning
22. Johnny Guitar (1954) - Nicholas Ray
23. A Mãe e a Puta (1973) - Jean Eustache
24. O Grande Ditador (1940) - Charlie Chaplin
25. O Leopardo (1963) - Luchino Visconti
26. Hiroshima, Meu Amor (1959) - Alain Resnais
27. A Caixa de Pandora (1929) - Georg Wilhelm Pabst
28. Intriga Internacional (1959) - Alfred Hitchcock
29. O Batedor de Carteiras (1959) - Robert Bresson
30. Amores de Apache (1952) - Jacques Becker
31. A Condessa Descalça (1954) - Joseph Mankiewicz
32. O Tesouro do Barba Rubra (1955) - Fritz Lang
33. Desejos Proibidos (1953) - Max Ophüls
34. O Prazer (1952) - Max Ophüls
35. O Franco Atirador (1978) - Michael Cimino
36. A Aventura (1960) - Michelangelo Antonioni
37. O Encouraçado Potemkin (1925) - Sergei M. Eisenstein
38. Interlúdio (1946) - Alfred Hitchcock
39. Ivan, o Terrível (1944) - Sergei M. Eisenstein
40. O Poderoso Chefão (1972) - Francis Ford Coppola
41. A Marca da Maldade (1958) - Orson Welles
42. Vento e Areia (1928) - Victor Sjöström
43. 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) - Stanley Kubrick
44. Fanny e Alexander (1982) - Ingmar Bergman
45. A Turba (1928) - King Vidor
46. 8 1/2 (1963) - Federico Fellini
47. Sel Sol (1962) - Chris Marker
48. O Demônio das Onze Horas (1965) - Jean-Luc Godard
49. O Romance de um Trapaceiro (1936) - Sacha Guitry
50. Amarcord (1973) - Federico Fellini
51. A Bela e a Fera (1946) - Jean Cocteau
52. Quanto mais Quente Melhor (1959) - Billy Wilder
53. Deus Sabe quanto Amei (1958) - Vincente Minnelli
54. Gertrud (1964) - Carl Theodor Dreyer
55. King Kong (1933) - Ernst Shoedsack & Merian J. Cooper
56. Laura (1944) - Otto Preminger
57. Os Sete Samurais (1954) - Akira Kurosawa
58. Os Incompreendidos (1959) - François Truffaut
59. A Doce Vida (1960) - Federico Fellini
60. Os Vivos e os Mortos (1987) - John Huston
61. Ladrão de Alcova (1932) - Ernst Lubitsch
62. A Felicidade não se Compra (1946) - Frank Capra
63. Monsieur Verdoux (1947) - Charlie Chaplin
64. O Martírio de Joana d’Arc (1928) - Carl Theodor Dreyer
65. Acossado (1960) - Jean-Luc Godard
66. Apocalypse Now (1979) - Francis Ford Coppola
67. Barry Lyndon (1975) - Stanley Kubrick
68. A Grande Ilusão (1937) - Jean Renoir
69. Intolerância (1916) - David Wark Griffith
70. Partie de Campagne (1936) - Jean Renoir
71. Playtime (1967) - Jacques Tati
72. Roma, Cidade Aberta (1945) - Roberto Rossellini
73. Sedução da Carne (1954) - Luchino Visconti
74. Tempos Modernos (1936) - Charlie Chaplin
75. Van Gogh (1991) - Maurice Pialat
76. Tarde Demais para Esquecer (1957) - Leo McCarey
77. Andrei Rublev - O Artista Maldito (1969) - Andrei Tarkovsky
78. A Imperatriz Galante (1934) - Joseph von Sternberg
79. Intendente Sansho (1954) - Kenji Mizoguchi
80. Fale com Ela (2002) - Pedro Almodóvar
81. Um Convidado bem Trapalhão (1968) - Blake Edwards
82. Tabu (1930) - Friedrich Wilhelm Murnau
83. A Roda da Fortuna (1953) - Vincente Minnelli
84. Nasce uma Estrela (1954) - George Cukor
85. As Férias do Sr. Hulot (1953) - Jacques Tati
86. A Terra do Sonho Distante (1963) - Elia Kazan
87. O Alucinado (1953) - Luis Buñuel
88. A Morte num Beijo (1955) - Robert Aldrich
89. Era uma Vez na América (1984) - Sergio Leone
90. Trágico Amanhecer (1939) - Marcel Carné
91. Carta de uma Desconhecida (1948) - Max Ophüls
92. Lola, a Flor Proibida (1961) - Jacques Demy
93. Manhattan (1979) - Woody Allen
94. Cidade dos Sonhos (2001) - David Lynch
95. Minha Noite com Ela (1969) - Eric Rohmer
96. Noite e Neblina (1955) - Alain Resnais
97. Em Busca do Ouro (1925) - Charlie Chaplin
98. Scarface - A Vergonha de uma Nação (1932) - Howard Hawks
99. Ladrões de Bicicletas (1948) - Vittorio de Sica
100. Napoleão (1927) - Abel Gance

3.12.08

Os olhos oblíquos de Cauã Raymond

Cauã Raymond tem em A favorita seu papel de mais destaque na TV, interpretando o antes-pilantra-agora-mocinho Harley. Tamanha felicidade deve emocioná-lo a ponto de suscitar uma série de surtos alucionatórios, fazendo seus olhos revirarem enlouquecidamente. Repara só no final da cena abaixo, lá para os 5m55s.

Governo Lula, o sigilo eterno

O sigilo eterno é um crime histórico. Não há informação que não possa ser de conhecimento da sociedade após determinado período. No caso concreto, o governo deseja esconder informações do tempo da Guerra do Paraguai (1864-1870).

O Ministério das Relações Exteriores sustenta uma posição desde o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): manter em segredo documentos que se referem à demarcação de fronteiras do Brasil com países vizinhos ao final daquela peleja.

É absurdo manter em segredo documentos com mais de cem anos. O argumento do Itamaraty é que seria criada uma crise diplomática com o Paraguai. Em 2004, a Folha revelou que autoridades brasileiras subornaram árbitros que demarcaram fronteiras, subtraindo território do Paraguai no século 19. A Argentina, aliada do Brasil na Guerra do Paraguai, também teria se beneficiado do mesmo expediente, de acordo com documentos ultra-secretos mantidos em sigilo.

O trecho acima é de um artigo de Kennedy Alencar, articulista da Folha, que criticou dois pontos falhos do governo Lula, que estão relacionados: o acesso à informação e os direitos humanos. Áreas que um governo do PT não poderia (ou esperávamos que não fosse) falhar. Mas, assim como na ética, no meio ambiente (em parte), e em tantas outras áreas que não acreditávamos que o governo falharia, ele falhou. Tomara que os segredos do governo Lula, como os pormenores dos casos de corrupção também não sejam sigilos eternos.