31.7.08

E a Lapa, candidato?

Um dos mais importantes refúgios culturais da cidade, se não o mais importante, a Lapa ressuscitou por si só. Artistas, freqüentadores, comerciantes e moradores. Foram eles que, sem ajuda do Estado, deram nova vida no começo dos anos 2000 ao berço da malandragem carioca. Mas dá dó ver o bairro que concentra as melhores casas de música brasileira da cidade tão abandonado. Violência (bem menor que a fama), buracos, sujeira, prédios em ruínas. Não falta trabalho. Baseado em matéria publicada pelo JB Online, repito aqui as propostas dos principais candidatos à Prefeitura do Rio para o bairro.

Marcelo Crivella (PRB)
- Iluminação pública será melhorada
- Guarda Municipal até mais tarde para inibir a prostituição e os ambulantes
- Guardadores de carros serão cadastrados e só eles poderão vender o bilhete do 'Rio Rotativo'
- Prefeitura parceira das casas de espetáculo do município na Lapa


Jandira Feghali (PCdoB)
- Montou o projeto 'Lapa Legal', que vai compreender a área desde a Cinelândia ao Campo de Santana, formando um grande corredor cultural
- Investimentos na ordem urbana, iluminação e vazamento de água no bairro
- Designar a Guarda Municipal para educar o trânsito na região
- Criar a 'casa do hip-hop'
- Pólo gastronômico


Eduardo Paes (PMDB)
- Aumento do efetivo da Guarda Municipal
- Instalar banheiros químicos
- Regulamentar a ação de ambulantes e flanelinhas
- Ampliar os espaços para estacionamentos com o apoio da iniciativa privada
- Implantação de corredores iluminados e a integração da Cinelândia, Tiradentes e a Lapa, garantindo segurança e oferecendo diversidade de programações
- Isenção de impostos para os agentes culturais


Chico Alencar (Psol)
- Garantir a livre circulação da população e o caráter público do espaço, contra a apropriação de calçadas pelo comércio que
- Programa de habitação popular, fazendo um levantamento de quais são os imóveis na região ocupados irregularmente
- Levantamento para saber quantos são e quem são os moradores de rua
- Instalação de banheiros químicos


Alessandro Molon (PT)
- Boas condições para o funcionamento do comércio e da vida noturna do bairro
- Iluminação pública
- Política para a população de rua
- Calçamento
- Limpeza urbana
- Combater estacionamento irregular e flanelinhas
- Orientação do tráfego
- Suporte ao turismoD
- Distrito de design da Lapa, que hoje já abriga a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), da Uerj, um dos melhores centros de design do mundo. A implantação do distrito se daria por meio de facilidades, descontos ou até mesmo isenções temporárias de tributos municipais como ISS e IPTU para incentivar a instalação no bairro de escritórios, cooperativas, associações, pequenas empresas de produção de acessórios de decoração, de moda, joalheria, etc.


Solange Amaral (DEM)
- Criar o bairro da Lapa, “já que hoje em dia esta divisão é sentimental e não formal”
- Aprofundar os investimentos em infra-estrutura
- Incentivar ainda mais eventos culturais

30.7.08

A Cultura ficou mais pobre

Hoje o Ministério de Lula não ficou apenas mais pobre. Ficou menos interessante. Depois da saída de Marina Silva em maio, dessa vez foi Gilberto Gil quem deixou o governo, por motives bem diferentes. Se a trajetória recente de Marina foi marcada por derrotas nas disputas internas, o mesmo não se pode dizer de Gil. Com exceção da batalha perdida na tentativa de criação da Ancinav, em 2004, pode-se dizer que ele sai do governo levando debaixo do braço a glória de ter vencido a guerra.

Além de mexer na forma ao dar mais visibilidade ao MinC, tornando-o uma das pastas mais discutidas e importantes, Gil também mexeu em seu conteúdo. Pela primeira vez, a Cultura passou a contemplar projetos da sociedade comum um todo e não somente de artistas isolados. O estouro do cinema pernambucano nos últimos cinco anos, com filmes como O céu de Suely, Cinema, Aspirinas e Urubus e Deserto Feliz se deve à empreitada de Gil. E abranger o país todo significa, por exemplo, valorizar traços regionais da cultura até então postos de lado, como a capoeira, levada para o Ano do Brasil na França no mesmo pé de importância da Bossa Nova.

Os pontos de cultura, espalhados por todo o país, totalizando mais de 650, também são outro aspecto forte no trabalho de democratização cultural. Eles são parcerias firmadas entre a sociedade civil e o MinC, que investe R$ 185 mil por cada ponto de cultura, valor dividido em cinco parcelas semestrais e que deve ser investido conforme os projetos são apresentados. Parte do incentivo recebido na primeira parcela, no valor mínimo de R$ 20 mil, é utilizado para aquisição de equipamento multimídia em software livre, composto por microcomputador, mini-estúdio para gravar CD, câmera digital, ilha de edição e o que for importante para aquele ponto. Aqui no Rio, há 61 pontos e os mais famosos talvez sejam o Nós do Morro e o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.
De diferente, houve ainda um investimento inédito para a consolidação de uma economia da cultura no país, além do aperfeiçoamento da gestão cultural. O Prodec – Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura foi criado em 2006 e atua em quatro eixos: coleta e produção de informação, capacitação, promoção de negócios e formulação de produtos financeiros (suporte às instituições financeiras para formular produtos específicos aos segumentos da economia da cultura). Além disso, o orçamento do Ministério quintuplicou. Em 2002, girava em torno de R$ 200 milhões e este ano foi de R$ 1,1 bilhão.

Como se não bastasse tudo isso, até os mais ranzinzas têm que dar o braço a torcer de como era interesante ver Gil ministro. Quem não se lembra, nos primeiros meses de governo, quando ele se animava e dava canja naqueles eventos oficiais chatérrimos, como a vez em que fez Kofi Annan batucar? Lula está certo quando diz que o país não pode prescindir do Gil artista. Mesmo tendo sido um dos melhores ministro da Cultura brasileiro, figurando em importância ao lado de nomes como Gustavo Capanema, Gil ainda é um de nossos principais artistas. E nessa área, querendo ou não, ele é muito mais competente.

Agora Cascão toma banho

Uma das mais agradáveis lembranças da minha infância, certamente compartilhada com muitos que foram criança nos tortuosos anos 80 e 90, são as revistinhas da Turma da Mônica. Primeira leitura de muitos, os quadrinhos criados por Maurício de Souza conseguiram driblar os Batmans, Supermans e semelhantes para se consagrar como a principal atração da banca.

A novidade é que agora o desenhista lançou a versão adolescente de Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão, além de outros personagens, como Franjinha e Anjinho. Todos mais velhos, eles agora não falarão mais do preço do sorvete ou de onde o coleho da Mônica está escondido. Namoro, sexo e até drogas são alguns dos temas que vão permear as revistinhas, com preço de capa de R$5,90 e são impressas em preto e branco, com a capa colorida, como os concorrentes japoneses.

Maurício de Souza adiantou em entrevista ao Globo que o gibi traz mudanças (para mim, fatais) nos personagens. Cascão agora toma banho de vez em quando. Cebolinha só troca os erres pelos eles quando fica nervoso e, em vez de querer ser o dono da rua, quer conquistar o mundo. Já Mônica deixou de ser gordinha e baixinha, embora continue dentuça. Resta torcer para que, como costuma acontecer com muitas crianças, eles cresçam e não percam a graça que só a infância dá.

28.7.08

Microblogando uma homenagem a João Ubaldo

Nova febre entre os adeptos de modismos cibernáuticos, o microblogging é uma nova forma de blog cujos posts devem ter até 140 caracteres, o que significa que esse post (até aqui com 233 caracteres) já seria demasiado prolixo. Hoje fiquei sabendo do tal do Blippr, um site onde você pode fazer críticas de livros, jogos, música e filmes no formato de torpedo SMS, desde que pequeninas.

O novo site de micro-críticas segue os exemplos do Twitter, Facebook e FriendFeed (embora permita 20 caracteres a mais que o Twitter, exemplo de microblogger que restringe o post a 140 toques). E seguindo a cultura de torpedo SMS, as classificações das críticas são em "emoticons": =D, =), =|, ou =(.

Adepto do texto do tamanho certo, nem sempre longo, nem sempre curto, acho que tentar criticar alguma coisa em 160 toques é um tributo à superficialidade. Até acho possível falar de algum aspecto específico nesse espaço. E só. Nem as críticas de cinema dos jornais conseguiriam ser tão condensadas. Posso estar errado. Talvez se entregarem a missão a bons redatores publicitários, mestres na arte da síntese, eles consigam.

Para tornar o post mais interessante e, de quebra, ainda homenagear o escritor João Ubaldo Ribeiro, merecidamente vencedor do Prêmio Camões 2008, vou tentar adaptar para o Blippr um ensaio do crítico Wilson Martins, em que ele mostra sua tese de que João Ubaldo descende do mesmo tronco estético de Jorge Amado. O texto original possui 19.417. Já o trecho abaixo possui exatos 160, nos quais o crítico comenta rapidamente sobre um traço de Viva o povo brasileiro, considerada a obra-prima de Ubaldo. Deu dó cortar os 19.257. Definitivamente, não nasci para microblogar.

Foi escrito em estilo episódico, não linear. É uma espécie de jogo da amarelinha histórico, embora o movimento geral nos conduza à realidade dos nossos dias. :)

2 filhos do Rio

Atenção: Esse post não é destinado a todos os leitores, mas somente aos que já assistiram ao filme Era uma vez…, do diretor Breno Silveira

Thiago Martins e Vitória Frate: química do início ao fim


Diretores que fazem grande sucesso em seu primeiro filme, caso de Breno Silveira com seu 2 filhos de Francisco (o filme levou 5,9 milhões de pessoas ao cinema, por isso considerado o maior sucesso de bilheteria do cinema nacional pós-retomada), costumam ser muito cobrados em sua segunda empreitada. Breno correspondeu e fez um filme tão bom – melhor, na opinião deste blog – que seu primeiro longa. Era uma vez… foi chamado de fábula romântica por alguns críticos, de ingênuo por outros. Todos estão certos, assim como aqueles que acusam o filme de ser um caldeirão de clichês. É mesmo: a evocação de Romeu e Julieta; o livro Cidade Partida, de Zuenir Ventura, síntese do problema que separa os dois protagonistas e que é lido pelos protagonistas, inclusive tendo trechos declamados; a personagem amiga da protagonista – Cacau (Luana Schneider) – fascinada pela marginália; o namorado de Nina (Vitória Frate), rico e esnobe.

Não faltam clichês, assim como não faltam, conforme disse o crítico Carlos Alberto Mattos, do Críticos.com.br, a aplicação de técnicas quase primárias no roteiro. Há também um ponto muito mal resolvido no roteiro, nas últimas cenas do filme, quando Dé e Nina saem do quiosque em que ele trabalha. Por que eles agem daquela forma? Provavelmente nem os roteiristas Patrícia Andrade e Domingos de Oliveira saberiam responder.

Elencados os pontos negativos, vamos ao que torna o filme tão bom. O roteiro possui sim primarismos, mas, dentro de sua proposta, de filme-comercial-com-algo-para-contar, cumpre muito bem seu objetivo de prender a atenção, entreter e ainda fazer uma crítica social. A mensagem ao final do filme, dada pelo depoimento verídico do ator Thiago Martins, oriundo do grupo Nós do Morro, e que vive o protagonista Dé, chega até a propor uma solução ao problema social apresentado.

A solução proposta é justamente o que tornou Breno um cineasta diferente, capaz de enriquecer ainda mais o atual painel de opções do cinema brasileiro: a sensibilidade. Como ele mesmo disse em entrevista a Marília Gabriela, ontem, no GNT, o diretor tem uma forma diferente de comunicação, muito sensível, sempre procurando emocionar por meio de histórias simples contadas com sinceridade.

Sobre as atuações, os protagonistas Thiago Martins e Vitória Frate fizeram o que deles se esperava e conseguiram dar química ao relacionamento, do início ao fim da história. O destaque absoluto foi Rocco Pitanga, que mostrou como está no sangue o talento da família Pitanga para o teatro. Ele conseguiu fazer a passagem de seu personagem com muito talento, indo da doçura à revolta, da revolta à violência e à traição.

Rocco Pitanga, Vitória Frate, Thiago Martins e Luana Schneider em cena durante a festa que Carlão dá para Dé


Finados os aspectos cinematográficos, há que se falar sobre o lado social do filme. Quanta tristeza naquele final. Saí do filme menos triste do que fiquei nas horas seguintes. Aquele é o destino mais plausível para uma história de amor vivida por pessoas de lados opostos da cidade partida. Dois filhos do Rio sem chance de happy end. Aquela tragédia shakesperiana é, de certa forma, a mesma tragédia com que convivemos diariamente nos jornais. Mas não tem nada de teatro naquilo. É pura realidade, o que torna o filme ainda mais triste. Entre choros e soluços, há o consolo de que ainda existem pessoas e artistas com a sensibilidade de Breno Silveira, o que pode fazer toda a diferença paravirar o jogo.

24.7.08

Afinal, Madame Bovary traiu ou não traiu Bentinho?

Ignorância ou distração, confundir as protagonistas de Flaubert e Machado de Assis é de mais, já que tanto Madame Bovary quanto Dom Casmurro são obras bastante conhecidas. Bastante conhecidas para quem as leu, ora bolas. E quem nunca tocou nos dois livros, como falar sobre as duas histórias? Aliás, quem não leu determinados livros pode falar sobre eles?

Foi pensando nesse tipo de situação – e de pessoas – que o francês Pierre Bayard escreveu o livro Como falar dos livros que não lemos?, lançado no Brasil pela Objetiva. Longe de pretender estimular não-leitores, Bayard quis, com seu livro, apenas absolver quem não lê. Pelo menos foi isso que ele disse em entrevista ao Globo, na Flip 2008. “Sempre que vejo duas pessoas discutindo um livro e uma delas não o leu, enxergo muita coisa interessante nessa troca. Um livro pode ser apenas o pretexto para uma série de situações, de aproximações, de possibilidades linguísticas. E ninguém deve se envergonhar de não ter lido uma obra ou deixar de falar dela por isso”, disse para o jornalista Gustavo Leitão.

Um livro como esse tinha que ser escrito por um francês. Na França, há uma relação direta entre conhecimento literário e prestígio. Isso é inegável. Uma pessoa que não tenha lido Flaubert ou Balzac, lá, é execrada. O próprio Bayard falou na entrevista como essa relação é complexa lá, onde o ato, diz ele, chega a ser visto como algo sagrado.

Mas, afinal, conversar sobre livros que não lemos é algo tão ilegítimo assim? Existe algo na relação entre leitor e obra muito próximo do que chamamos de empatia, embora mais profundo. O também francês Daniel Pennac escreveu, lá se vão alguns anos, um livro que fala muito bem dessa relação, chamado Como se ler um romance (livro, aliás, em que Pennac enumera uma série de direitos do leitor, entre eles o de não ler). Quantos livros começamos, achamos um saco e fechamos, às vezes para sempre, às vezes apenas até tomarmos coragem para reabri-los e seguir em frente? Como eu já tive essa experiência algumas vezes, posso estar generalizando. Mas isso não impede que eu possa saber da importância de algum livro, seu impacto na época em que foi publicado e significado para a história da literatura.

É claro que uma coisa não substitui a outra. Ouvir falar ou ler sobre um livro é totalmente diferente de lê-lo você mesmo. Dizer que leu e não ter lido, além de feio pela mentira, é perigoso, pois é impossível apreender tudo sobre uma obra sem ter lido da primeira à última letra. Mas caso você prefira arriscar, nada de confundir Mme. Bovary com Capitu, ok?

23.7.08

Dez anos de Hilda, dez anos de Arósio

Hilda (Ana Paula Arósio) e Malthus (Rodrigo Santoro) em uma das cenas mais marcantes da minissérie

Hoje faz exatamente dez anos que Ana Paula Arósio se despedia de sua Hilda Furacão, protagonista da minissérie homônima de 32 capítulos que a Globo exibiu em 1998 até o dia 23 de julho. Mais do que primeiro papel, a personagem marcaria a carreira da estreante atriz, lançando-a como uma das principais mocinhas do cast global.

Adaptada por Glória Perez a partir do romance também homônimo do escritor mineiro Roberto Drummond, a minissérie foi lançada em um dos anos que a Globo mais investiu no gênero, produzindo outros dois clássicos: Dona Flor e seus Dois Maridos (Dias Gomes) e Labirinto (Gilberto Braga).

Destaque absoluto entre as três, Hilda era bastante fiel ao texto de Drummond. Li o livro anos depois de assistir à adaptação e confesso não lembrar o que mudou na transposição para a TV. Sei apenas que a Hilda de Glória Perez era muito mais glamourizada que a Hilda de Drummond. A força da personagem, que escandaliza a tradicional sociedade mineira ao abandonar o noivo no dia do casamento e buscar refúgio na zona boêmia de Belo Horizonte, entre prostitutas, cafetões e travestis. No vídeo abaixo, a autora da minissérie fala sobre seu trabalho de adaptação.



Além de Arósio, a minissérie também mostrou o talento de mais dois atores que até então tinham pouco espaço para se destacar na TV: Matheus Natchergaele e Rodrigo Santoro. O primeiro brilhou como o travesti Cintura Fina e Santoro teve a grande oportunidade para mostrar que sabia fazer papéis mais complexos que o garoto de rostinho bonito. Seu personagem, Frei Malthus, era talvez o mais difícil de ser trabalhado. Ele tinha uma ingenuidade quase infantil, misturada a forte moralismo cristão, traços que não o impediram de ser seduzido pelos encantos de Hilda. O mérito de Santoro foi não se deixar levar pela fácil solução de interpretar apenas mais um padre que se deixar corromper pelas tentações da carne, preferindo dar a ele um ar às vezes até malicioso.

Na época, houve grande rebuliço sobre a existência de uma verdadeira Hilda, que seria uma amiga da juventude de Roberto. A atriz Rogéria chegou a afirmar que era amiga da Hilda de verdade, que moraria em Belo Horizonte e estaria muito satisfeita com o resultado da minissérie. Verdade ou não, o fato é que Hilda emprestou seu sucesso no meretrício para a carreira da Arósio. Na TV, é claro.

21.7.08

E o Coringa pintou o Batman

Este comentário não tem nada de original, pois muitos já devem ter dito isso. O fato é que o novo filme do Batman é, na verdade, o novo filme do Coringa. Tal como faz com suas vítimas, Coringa pintouo rosto de seu adversário. O homem morcego é coadjuvante. Diferente do que aconteceu no primeiro filme dessa nova série, filmada por Christopher Nolan (Amnésia, Insônia, O Grande Truque), neste segundo filme é o vilão quem rouba a cena.

E não é simplesmente porque o vilão trata-se do Coringa. No filme dirigido por Tim Burton, de 1989, Jack Nicholson fez muito bem seu Joker (no original em inglês), mas não conseguiu o feito de Heath Ledger. Sua interpretação é nada menos que genial. O tique que criou com a língua, dando um ar ainda mais nojento ao sadismo que ele e Nolan deram para o arquinimigo de Batman, é fantástico. Lembra em alguns momentos Hannibal Lecter, de Anthony Hopkins, em Silêncio dos Inocentes e nos filmes subseqüentes da série.

Resta saber se Coringa terá força para estender o impacto de sua interpretação até fevereiro de 2009 e arrebatar o Oscar póstumo. Fãs tresloucados garantem que sim, embora críticos americanos apostem que a Academia de Hollywood, mais uma vez, torça o nariz para atores e filmes de heróis.

Eu, embora concorde com os críticos, torço o nariz é para o preconceito dos acadêmicos caso não reconheçam a genialidade do trabalho de Ledger.

20.7.08

Relíquias: filmes fortes, músicas fortes

Uma música que ouvi essa semana me fez lembrar de um filme que havia assistido há anos. Juntos, os dois me deram a idéia deste post, sobre filmes e músicas que são fortes não pela forma que se expressam, e nem só pelo seu conteúdo, mas pela mistura dos dois. Existem vários exemplos na literatura, na música e no cinema para ilustrar o que estou falando, mas quero escrever sobre esses dois pelas críticas de caráter humano que fazem.

Falo aqui da música Cotidiano de um casal feliz, do cantor Jay Vaquer, que apesar do nome de gringo, é carioca. A letra, em seu verso mais pesado, fala: Ele deixa a esposa em casa pra brincar no treco de qualquer traveco. Mais para frente: Ele guarda no HD fotos de crianças nua pra tirar um lazer. E, depois, não menos chocante: Ela conta os passos entre a terapia e a boca de pó. Forte mesmo.



O filme é Senhor das Moscas, adaptação do livro homônimo de William Golding, Prêmio Nobel de 1983. Foi o primeiro livro de Golding, escrito em 1954, menos de dez anos após o fim da Segunda Guerra. Embora não tenha sido um grande sucesso à época – vendendo menos de 3000 cópias nos Estados Unidos em 1955 antes de sair de catálogo – com o tempo, o livro tornou-se um grande sucesso, e leitura obrigatória em muitas escolas e colégios. Foi adaptado para o cinema em 1963 por Peter Brook, e novamente em 1990, por Harry Hook, única versão a que assisti e de que falo aqui.

O livro retrata a regressão à selvageria de um grupo de crianças inglesas de um colégio interno, presos em uma ilha deserta sem a supervisão de adultos, após a queda do avião que as transportava para longe da guerra. E coloca selvageria nisso. A cena que selecionei para o nosso Relíquias, que você pode conferir aí embaixo, é só um exemplo.


Obs.: Esqueçam os títulos do vídeo ("ética" e "choque organizacional"), pois, por mais absurdo que pareça, quem postou esse vídeo no Youtube o usou para ensinar princípios de cultura organizacional

Um dos principais temas do livro/filme é a natureza do mal. Isto pode ser claramente visto na conversa que um dos meninos mantem com o crânio de um porco, que refere-se a si mesmo como “O Senhor das Moscas” (segundo pesquisei, uma tradução literal do nome hebraico de Ba'alzevuv, ou Beelzebub em grego). O nome, enquanto se refere aos enxames de moscas sobre si, claramente refere-se ao personagem bíblico. Ou seja: o paraíso que é a ilha quando da chegada dos garotos, tornou-se, pela regressão deles ao estado selvagem, na terra do diabo.

Sem mais, só vale a recomendação: prepare o estômago para assistir ao filme.

14.7.08

Por que minhas mãos suam

Assistir semana passada ao depoimento do pai desse garoto que morreu aqui no Rio, metralhado pela PM, me fez pensar sobre os efeitos do medo em nossas vidas. Não por acaso, estou lendo o livro Medo Líquido, do sociólogo Zygmunt Bauman, que foi lançado no Brasil, se não falha a memória, ano passado. No livro, ele explica que o medo é inerente tanto aos animais quanto aos homens, mas os primeiros não sofrem de um tipo de medo que nós, pobres seres humanos, sofremos: o medo derivado.

Ele define essa forma de medo como o sentimento de ser suscetível ao perigo, “uma sensação de insegurança e vulnerabilidade” fruto de visões de mundo que as pessoas absorvem. É verdade que o mundo está cheio de perigos que podem se abater sobre nós a qualquer momento, mas nem sempre, quando sentimos medo, há uma ameaça genuína que justifique isso. Para Bauman, portanto, uma pessoa que tenha absorvido visões de mundo que incluam a sensação de insegurança tende a sentir medo mesmo sem estar em perigo. Citando o exemplo do bug do milênio, que foi alardeado como uma tragédia mas se mostrou uma grande farsa, Bauman diz que muitos dos medos que sentimos na contemporaneidade são, na maioria dos casos, irreais. Quem conhece alguém que já tenha sido contaminado pelo mal da vaca louca? Quantos parentes seus já foram vítimas de ataques terroristas? Seu vizinho alguma vez teve o rim extraído por quadrilhas transnacionais?

É claro que há os medos justificados, mas até esses são redimensionados. Para cima, bem para cima. No início deste ano, O Globo trouxe uma reportagem de capa em que mostrava como uma mãe havia treinado o filho de cinco ou seis anos para atender a ordens do tipo “Abaixa!”, “Se joga no chão”, “Vai pra debaixo da cama”. Isso é muito triste, muito mesmo. Cresci em uma cidade bastante violenta, o Rio de Janeiro, mas conheço dezenas de pessoas que nunca foram assaltadas e sequer viram alguma arma na vida. Isso não impede que o medo seja generalizado. Os que não o sentem são a exceção. A tristeza é que, na minha infância, esses comandos eram inimagináveis e o medo não era sentido por todos. Mas hoje, aqui no Rio, e acho que em boa parte do Brasil, já interiorizamos há muito as tais visões que causam o medo derivado, descritas por Bauman. Isso não é responsabilidade da mídia, que mostra a violência, mas sim situação que é realmente crítica.

Não tenho filhos e hoje teria muito medo de colocar um no mundo. Não me espantaria que essa sensação leve casais a decidir não ter filhos. Sinto aflição ao ver que a única solução (solução?) que se apresenta à sociedade é a de uma polícia homicida, cuja sede de matar só vira manchete quando a vítima da vez é uma criança de classe média. O extermínio, temor principal de Zuenir Ventura ao escrever seu Cidade Partida, está acontecendo. A população aplaude. E minhas mãos suam.

9.7.08

"Governador Sérgio Cabral, o senhor é culpado"

Leiam todos a carta aberta escrita pelo jornalista Dimmi Amora, do jornal O Globo, para o governador Sérgio Cabral. Peço desculpas aos leitores de sair da seara principal deste blog - a cultura - mas é impossível ignorar mais esta tragédia que aconteceu aqui no Rio.

8.7.08

Ver ou ouvir?

Semana passada (retrasada, talvez), assisti na Lapa ao show das Mulheres de Chico, bloco que toca apenas Chico Buarque. Formado por mulheres vindas de outros blocos, como Monobloco, Bangalafumenga, Quizomba, Empolga às 9 e A Rocha, o Mulheres tomou a avenida em 2006, idealizado por duas das (aproximadamente) 25 batuqueiras. A apresentação das moçoilas sempre acontece no primeiro sábado após o carnaval, na Praça Antero de Quental, no Leblon, aqui no Rio.

Ao longo do ano, também faz apresentações em diversas casas noturnas da cidade. A última, pelo que me consta, foi a que assisti, no Teatro Odisséia. Qualquer artista que cante Chico Buarque já tende a ser bem recebido por este blog que vos escreve, que já deu inúmeras demonstrações de idolatria pelo compositor, beirando a homossexualidade ao colocar seus olhos bem grandes no template atual. Mas as meninas têm dois predicados que tornam o que fazem com a obra de Chico mais interessante do que simples interpretações como outros artistas volta e meia fazem.

Primeiro, os arranjos, que exploram ritmos como o samba, ijexá, côco, xote e até funk, numa das partes altas do show, em que as duas vozes principais da noite a que assisti (elas se revezam a cada apresentação) fizeram uma dobradinha e desceram até o chão, no melhor estilo Tati Quebra-Barraco. Claro que uma Tati Quebra-Barraco meio Morena de Angola, meio Rita, meio Carolina, meio Morena dos Olhos D’água. Talvez meio Geni também.


Fora o ritmo, as Mulheres de Chico também de destacam pelo fato de serem mulheres. Muitas mulheres. Por mais bonitas que sejam as interepretações feitas por Bethânia, Mônica Salmaso, temos que convir que as duas, com vozes talvez mais desenvolvidas que as moçoilas do bloco, não possuem o mesmo talento no quesito beleza. Sem preconceito. É uma constatação. Claro que as vinte e tantas mulheres do Mulheres de Chico não são lindas como a baterista Mannuela Oliveira (na foto acima, de Márcia Moreira, ela é a terceira, acima, da esquerda para direita), cuja beleza só não consegue ofuscar o talento comandando o incansável repique. Mas como escolher entre o prazer de vê-las e o prazer de ouvir as Mulheres de Chico? Não pense duas vezes. Vá ao próximo show.

Obs.: Este post é o 51º do Textos etc em 2008. Com esta marca, igualamos a quantidade de posts de 2008 às de 2006 e 2007 somadas. E só estamos na metade do ano.

3.7.08

A terrível dor de acompanhar a Flip pela web

Por motivos orçamentários, a enorme redação do Textos etc não pôde enviar uma equipe para cobrir a Festa Literária de Parati, a Flip 2008. Bons brasileiros que somos, craques no vira-latismo, estamos nos virando com o que dá. E o que dá é acompanhar a Flip pela web.

Este ano, graças ao patrocínio da Oi, todas as mesas terão transmissão ao vivo, pelo site www.oi.com.br/flip. E quem acha que não é a mesma coisa... Está com toda a razão. Não é a mesma coisa. Mas há, ainda, um blog oficial e vários vídeos no Youtube, postados em um canal especial para a Flip. Apesar de prometer ser atualizado diariamente, o blog até agora (8 da matina do dia 3, portanto, segundo dia do evento) não tinha nenhum conteúdo.

Acho que todos os debates sobre o Machado de Assis, autor homenageado deste ano, são imperdíveis. O autor americano Philip Roth, que acaba de lançar no Brasil Fantasma sai de cena, o livro que encerra sua série com o personagem Fantasma, também promete ser interessante. Há também, no sábado, o dramaturgo Tom Stoppard, considerado um dos mais importantes do teatro contemporâneo. O Prosa Online, braço na internet do caderno Prosa & Verso, do Globo, publicou uma entrevista com o escritor, em que ele diz não fazer a mínima idéia do que falará durante sua participação na Flip.

Hoje, às 19h, há a mesa com a escritora portuguesa Inês Pedrosa, que dividirá a mesa Sexo, mentiras e videotape com a britânica Zöe Heller e a gaúcha Cíntia Moscovich. Familiarizada com o Brasil, Inês ambientou seu novo romance, A eternidade e o desejo, recém-lançado pela Alfaguara, numa Salvador pontuada por textos do Padre Antônio Vieira.

Por fim, o destaque desta edição é a mistura entre literatura e cinema, com oficinas de roteiro e mesas discutindo os pontos de encontro das duas linguagens. É colar no tal site da Oi e só desgrudar quando acabar a Flip. Ou a inveja dos que lá estão.