29.9.08

A partir de janeiro, idéia perde acento

O presidente Lula pode até não saber (provavelmente não sabe), mas ao assinar o acordo para a reforma ortográfica hoje na Academia Brasileira de Letras fez um enorme favor aos milhões de brasileiros que escrevem diariamente em português no Brasil. Consegui uma síntese das regras mais importantes, para que você comece a treinar para janeiro de 2009, mês a partir do qual se tornará vigente o acordo.

Primeiro, o k, o w e o y entrarão no alfabeto, que passa a ter 26 letras. Bingo para os professores de inglês, que terão menos trabalho para lidar com o complexo de inferiridade das crianças que não entendem por que o inglês tem mais letras que o português. Outra novidade, essa bem-vindíssima, é a morte do trema, que desaparece totalmente e só fica em palavras estrangeiras, como Müller. Dessa forma, agüentar vai virar simplesmente aguentar e tranqüilo vai passar a ser tranquilo. Mas atenção: a pronúncia não muda em nada. Vamos continuar a falar trancuilo e não trankilo, como em espanhol.

A mais estranha mudança para mim é no acento agudo, que vai desaparecer nos ditongos abertos ei e oi. Ou seja: palavras como idéia e heróico passarão a ser ideia e heroico. O acento circunflexo, meu Deus, também vai desaparecer em palavras com o o e o e duplo. Agora, em vez de vôo e enjôo, vai ser voo e enjoo. Em vez de crêem e lêem, vai ser creem e leem. Muito estranho isso.

Mas nada que se compare ao sumiço do acento diferencial. Para os desavisados, vale lembrar que esse tipo de acento, que pode ser agudo ou circunflexo, serve para marcar a diferença de significado entre palavras com a mesma grafia. Atualmente, distingüe-se o pára (do verbo parar) do para (preposição) por meio dele. Pelo (combinação de per mais lo) e pêlo (do corpo) também são diferenciados pelo agonizante acento diferencial.

A última mudança signigicativa para nós, brasileiros, é sobre o hífen, cujo emprego só não é mais difícil que a vírgula. Agora, com a reforma, ele some quando o segundo elemento da palavra começar com s ou r. Nesses casos, as consoantes devem ser dobradas, como em antissemita (atualmente, anti-semita) e em antirreligioso (atualmente, anti-religioso). Quando os prefixos terminam em r, no entanto, mantém-se o hífen: super-resistente, hiper-requintado. Mas não se afobe não, que nada é pra já. As regras de emprego do hífen ainda não foram todas definidas. Palavras como pé-de-moleque ou café-da-manhã, hifenizadas caso a caso, ainda dependem de regras que serão criadas pela Academia Brasileira de Letras.

Tomara que não demorem tanto quanto a definição esse acordo assinado hoje, cujas discussões tiveram início nos idos dos anos 90.

Relíquias: O dia em que o The Observer copiou o Textos etc

Ok, ok, foi só uma brincadeira para tornar o título atrativo. Mas é bem verdade que o jornalão britânico The Observer, braço do The Guardian publicado apenas aos domingos, fez uma lista dos cinqüenta melhores vídeos culturais do Youtube, proposta similar à seção Relíquias do nosso Textos etc. Posso estar enganado, mas acho que, salvo uma crônica do Artur da Távola, quando da sua morte, o Relíquias só publicou, desde seu começo em maio deste ano, vídeos culturais garimpados nos confins da internet.

Na lista deles, há coisas fantásticas. Quem gosta de jazz vai se satisfazer com John Coltrane no sax para My favourite things. Os cinéfilos podem acessar David Lynch discorrendo sobre seu cinema, assunto bem mais interessante que a tal meditação transcedental que o trouxe ao Brasil mês passado e arrebatou multidões. Ainda sobre cinema, há testes de Marlene Dietrich, James Dean, Marlon Brando e de Paul Newman, morto neste sábado, para filmes variados. Na literatura, há Jack Kerouac lendo seu On the road.

Vale a pena escarafunchar a seleção do The Observer. Mas nada de deixar de acessar o Textos etc para ver também as nossas relíquias.

22.9.08

Ensaio sobre a Cegueira - linhas tardias

Graças ao novo filme de Fernando Meirelles, Ensaio sobre a Cegueira (Blindness), novos leitores estão se incorporando à legião de fãs do escritor português e ganhador do Nobel José Saramago, autor do livro homônimo que inspirou o filme.

Constatei isso hoje em uma livraria que freqüento com certa regularidade, cujos donos conheço. Eles me confirmaram o que já desconfiava: a nova edição do livro, um dos que mais prestígio deu à bem-sucedida carreira de Saramago, está vendendo bastante. Esse, aliás, é o maior mérito da obra de Meirelles, cuja adaptação foi muitíssimo bem realizada.

Analisado isoladamente, acho o filme bom, mas visto como adaptação do maravilhoso livro de Saramago, o filme é ótimo. Quem leu sabe do que falo. Lembro até hoje de uma conversa que tive com um amigo, em novembro de 2006, quando divulguei aqui no Textos etc o início do trabalho de adaptação. Naquela ocasião, comentamos sobre como nos parecia uma tarefa difícil, tanto do ponto de vista do roteiro quanto da direção de Fernando Meirelles, apesar de concordarmos sobre o talento do diretor para tanto.

A criação do roteiro parecia difícil devido à forma particular como o livro é escrito, que resulta numa estrutura narrativa muito diferente, com raros e longos parágrafos, que encadeiam os acontecimentos de forma um pouco filosófica, distante, por isso, do que se entende por linguagem de cinema. Além disso, existem características na história que teoricamente a afastariam do tipo de cinema que Fernando gosta de fazer, que ele mesmo batizou de entretenimento inteligente. Os personagens, por exemplo, não têm nome, sendo chamados pelos papéis que representam. O médico da história é sempre 'o médico', a mulher do médico é sempre 'a mulher do médico', o menino é sempre 'o menino', e por aí em diante.


Elenco de estrelas no novo filme do diretor de Cidade de Deus

Já para a direção, a dificuldade estava em outros pontos, mais relacionados com a temática da cegueira. Como representar a estranha epidemia da cegueira branca que vitima os moradores do imaginário país, sem seduzir-se pela facilidade da tela branca? Como falar sobre cegos e os temas morais que estão presentes na obra de Saramago sem soar entendiante ou piegas? Meirelles encontrou como.

Além de contar com a fotografia de César Charlone, seu tradicional parceiro, o diretor usou em Ensaio a mesma linguagem pela qual foi criticado em Cidade de Deus, com cenas curtas e rápidas que não abrem muitas portas para a reflexão do espectador, pelo menos não no momento em que está assistindo ao filme. A montagem nervosa tenta mostrar a tensão por que passam os personagens e uma série de procedimentos óticos relativos a foco, reflexos duplicadores e formas que replicam a órbita ocular tentam colocar o espectador no mesmo barco dos cegos do filme. Dentro da estratégia do tal entretenimento inteligente a que Meirelles se propõe, a tática é perfeita, pois consegue um filme interessante, ágil, e que permite questionamentos posteriores sobre a metáfora da cegueira proposta por Saramago.

Apesar de ter mantido no nome do filme a palavra ensaio, que remete à idéia de papel, a algo escrito, Meirelles não filmou mais um exemplo de adaptação fracassada, que fica presa à literatura e não se assume como cinema. Resta saber se os que não leram o livro conseguiram, apenas com o filme, perceber a intenção metafórica da história, de mostrar que já vivemos num mundo de cegos, esgotados não só visualmente, mas também como seres humanos incapazes de sentir, e que precisaríamos de uma epidemia como aquela para voltarmos a enxergar de verdade, para resgatarmos o humanismo perdido.

Você, por exemplo, conseguiu ver?

19.9.08

Leitores do New York Times fulos da vida

Leitores do New York Times estão lotando de e-mails e comentários os servidores do principal jornal americano reclamando do fato do governo usar o dinheiro público, colhido por meio do pagamento de impostos feito por eles, para salvar o mercado financeiro.

"Talvez o governo possa livrar minha família de pagar o carro ou quitar minha dívida de cartão de crédito, já que está sendo tão generoso", diz um leitor.

Aqui no Brasil volta e meia vivemos situações parecidas, quando dívidas impagáveis de empresas são perdoadas em nome da sobreviência de um determinado ramo da economia. Com a Varig, houve esse discurso, com a Eletropaulo idem. O senador Eduardo Suplicy, quando ouve críticas a seu Programa de Renda Mínima (que prevê o pagamento pelo governo de uma quantia fixa a todos os cidadãos que se encontram abaixo de uma determinada faixa de renda), contrataca dizendo que ninguém chia contra os financiamentos do BNDES a empresas. Quem argumenta dizendo que as grandes empresas criam empregos e geram riqueza, o senador replica que consumidores com dinheiro no bolso fazem a mesmíssima coisa (e mostra os números do Bolsa Família para provar).

E, em meio a essa discussão que tende ao infinito, o texto mais interessante que li motivado pela recente estatização de várias instituições financeiras nos Estados Unidos foi publicado no excelente blog O Biscoito Fino e a Massa, de onde tirei o trecho abaixo, um cutucão oportuno e de vara nada curta.

Num momento econômico como este, não dá vontade de aproximar-se de um desses fundamentalistas do mercado -- heraldos da sapiência infinita da receita neoliberal, Marios e Alvaros Vargas Llosa, aquela penca de economistas do tucanato, os engravatados moleques de recado do FMI e a longuíssima lista de catervas e congêneres –, tocá-los suavemente no ombro e sussurar nos seus ouvidos: e aí, companheiro, como anda a sua fé no dogma?

16.9.08

Samba, capitalismo e escolhas na Lapa de Bruno Maia

As promessas feitas pelos candidatos à Prefeitura do Rio para a Lapa, no Centro da cidade, podem ou não ser cumpridas a partir de 2009, mas pelo menos um presente deve ser dado em 2009 ao bairro, que chega a receber 100 mil pessoas por fim de semana. O documentário provisoriamente batizado de Sistema Lapa de Samba deve entrar na segunda fase de produção nas próximas semanas, após trechos já filmados terem circulado pela internet, organizados em um vídeo promocional criado pelo diretor Bruno Maia, autor do projeto, para facilitar o fechamento de parcerias e a captação de recursos para as fases de produção seguintes.

O vídeo dá o tom de uma das possibilidades de recorte que Bruno aventa dar ao seu filme, além de trazer bons trechos dos depoimentos de Beth Carvalho, Perfeito Fortuna (dono da Fundição Progresso, a maior casa noturna da região), Mart'nália, Teresa Cristina, musa do movimento de renascimento que a Lapa vive há dez anos, Arlindo Cruz, Pedro Holanda e outras personalidades que fazem parte do sistema, mezzo samba, mezzo capitalista, que domina o bairro.

E foi este caráter ambíguo mas complementar do bairro que pautou parte da minha conversa com o diretor Bruno Maia, coisa de duas semanas atrás num bar de Botafogo, entre latas de Coca Zero e rebeldes toalhas de mesa levantadas pelo vento. Agitado, gesticulador, perspicaz e com talento para frasista, Bruno é jornalista especializado na cobertura de música (ele edita o Sobremusica), já dirigiu um primeiro documentário, que prefere deixar na gaveta por um tempo, e tenta provar com seu novo filme que é possível fazer cinema de qualidade com pouco dinheiro no Brasil. Ainda sobre o cinema, adianta que está mais interessado no tema de seu documentário que em firmar-se como documentarista.

Outro rótulo que rejeita é o de ter feito parte da primeira geração do renascimento da Lapa, formada pela classe média da Zona Sul do Rio que a partir de 1997 invadiu a degradada região para, junto com bambas do samba de outros tempos, dar à luz um dos movimentos culturais brasileiros mais significativos desse início de século. Não há registro de um ponto, um evento, uma data que marque essa nova Lapa, o que já evidencia a naturalidade como tudo aconteceu. Hoje, numa espécie de dilema ovo-galinha, não se sabe o que veio antes: as dezenas de casas noturnas ou o interesse do público por um espaço cultural de qualidade na cidade. A verdade é que a Lapa há muito a Lapa deixou de ser noite alternativa. Copiando a ironia Bruno, se alguém ocupa o espaço de noite alternativa hoje na cidade, este alguém é a Baronetti (boate de hip-hop e techno em Ipanema, freqüentada por jovens de classe média alta que gastam cerca de R$ 70 por noite e protagonizam cenas como a da morte do estudante Daniel Duque, em junho deste ano).

O tripé que dá nome ao filme é explicado pelo já citado caráter dúbio da Lapa, que mistura interesses musicais, artísticos ou de lazer, com interesses financeiros. Citando Michael Herschmann, professor de Comunicação da UFRJ que publicou o livro Lapa - Cidade da música, Bruno acredita que o bairro é um exemplo de sucesso da economia criativa, em que a indústria criativa é auto-sustentável, sem precisar de incentivos do governo ou patrocínios de empresas. E o sucesso é tamanho que os artistas também podem prescindir de contratos com gravadoras e eventuais discos de sucesso para sobreviver de música. Ali, apenas os shows são suficientes para que cada um tire seu sustento e continue tocando a bola para frente.

Mas vale aqui a pergunta: o desinteresse é dos artistas pelas gravadoras ou das gravadoras pelos artistas? Sem dúvida, responde Bruno, é a segunda opção. Dos astros da Lapa, apenas alguns nomes, como Teresa Cristina, Fino Coletivo, Casuarina, gravaram discos, e nenhum deles teve grande sucesso comercial. "Se um deles estourasse de vendas, as gravadoras enlouqueceriam para tê-los como contratados. Foi assim com os sertanejos, os pagodeiros, os MCs do Funk e não seria diferente com o samba da Lapa", elucubra.


Linguagem do filme ainda será definida

Rejeitando uma tendência iniciada no documentário brasileiro talvez por Eduardo Coutinho, Bruno e sua equipe – formada, entre outros, pelo também jornalista Mário Cascardo – não fazem entrevistas prévias antes de gravar os depoimentos. Por duas razões: uma de cunho orçamentário e outra que tem a ver com a personalidade do próprio Bruno, que conduz as conversas e dirige todas as cenas. “Não teria cara para, depois da Teresa Cristina contar uma história maravilhosa para mim, pedir que repetisse na frente das câmeras. Soaria artificial”. Mas nem só de vantagens se faz essa escolha. Ter de voltar ao mesmo entrevistado para checar alguma informação, fazer novas perguntas ou gravar outros momentos, é algo que pode acontecer nessa nova fase da produção, que deve começar em breve, após Bruno firmar parceria com uma produtora especializada em documentários.

Nessa nova fase, também será feita outra escolha, sobre a linguagem do filme, discussão que ganha relevância com a falta de originalidade e ousadia que atinge o subgênero "documentários sobre música" atualmente no Brasil. Os três que lembro rapidamente, Nelson Freire (2003), de João Moreira Salles, Meu tempo é hoje (2003), de Izabel Jaguaribe, e O Mistério do Samba (2008), de Lula Buarque de Holanda e Carolina Jabor, apresentam o mesmo formato de mesclar cinema de observação com depoimentos, fórmula que funciona, mas já está pra lá de desgastada. Mas ele confessa ainda não ter encontrado um jeito de superá-la e nem sabe se o deseja, pois admite não gostar, por exemplo, de "documentários que sobrepõem a narração do processo de produção ao conteúdo do filme", embora reconheça não ser essa a única maneira de ir além do esquema observação-depoimentos.

Mesmo assim, Bruno garante que nada está definido, pois muito pode acontecer na nova etapa de gravações que se inicia. Mas, pelo tom do promo divulgado na internet (assista aqui no Textos etc), a tendência é a montagem seguir mais uma vez essa linguagem que, temos de admitir, funciona muito bem com o excelente material do qual ele dispõe.

15.9.08

Imagem e palavra para contar histórias

O gaúcho Flávio Damm rivaliza com Evandro Teixeira na disputa pelo trono de maior fotojornalista brasileiro, apesar dos dois possuírem estilos diferentes de fotografar. Enquantro Evandro possui um rico acervo de fotos políticas, que poderiam ser consideradas mais jornalísticas, pela ousadia de ângulos e diferentes conotações que consegue criar, Flávio é dono de um conjunto de imagens que prima pela beleza da composição e a sensibilidade do conteúdo, o que poderia enquadrá-lo em um rol de fotojornalistas com veia mais artística.

Mas como este blog não acredita na separação estanque entre essas esferas, nem na suposta superioridade de uma em relação à outra, é preferível parar com a ladainha e dizer que, assim com Evandro, Flávio também lançou este ano mais um livro de fotos. Mas não apenas delas se fazem as belas imagens de seu livro. Preto no Branco – Fotos & Fatos (Editora Photos, R$65) mistura textos e fotos, duas formas diferentes de contar histórias e criar imagens.

Em 2002, na Praça Camões em Portugal, Flávio ficou 40 minutos esperando algo de curioso acontecer em frente à parede pintada. Eis que a sorte lhe presenteou


E se ele já havia mostrado a maestria com que contava histórias por meio da fotografia, em Preto no Branco ele mostra que também é fera no texto. Na verdade, ele narra fatos por trás das fotos que tirou e que outros grandes fotógrafos tiraram. Uma das mais saborosas é sobre Nair de Teffé, viúva do ex-presidente Hermes da Fonseca e primeira caricaturista da imprensa brasileira. Ela assinava sob o pseudônimo masculino de Rian, anagrama de seu nome, e atendia a pedidos do marido para avacalhar seus opositores, entre eles Rui Barbosa, por meio de suas charges. Quando Flávio a localizou, décadas depois dos tempos de Glória como primeira-dama, morava em Niterói e estava sendo processada pela Receita Federal. Sempre usando a caricatura como arma, vingou-se fazendo caricaturas do então ministro da Fazenda Delfim Netto.

Outra boa história contada é o caso do deputado Barreto Pinto, que se deixou fotografar por Jean Mazon apenas de fraque e cueca para as páginas de O Cruzeiro. O resultado foi o recorde na venda de jornal e a cassação por quebra de decoro parlamentar, num tempo em que o parlamento ainda tinha envergadura para criticar a falta de modos de seus pares.

Mas é no final do livro que estão as relíquias de Preto no Branco. As mais importantes fotos de Flávio, tiradas desde que, literalmente por acidente, tornou-se fotógrafo. Era uma partida de Grêmio e Internacional, e ele, que não entende bulhufas de futebol, lá estava quando viu desaparecer frente aos seus olhos uma arquibancada inteira. As fotos do desabamento da arquibancada e das vítimas foram parar na capa da Folha da Tarde e da extinta Revista do Globo, de Porto Alegre.

Tirada na aldeia espanhola Pedrazza de la Sierra, que tem 140 habitantes


Depois do prodigioso começo, passou 15 anos em O Cruzeiro, grande escola de fotojornalismo para sua geração. Até que decidiu abdicar da estabilidade e se tornar free-lancer, criando a Agência Jornalística Imagem, onde conseguiu reunir um acervo que já rendeu a publicação de 12 livros, entre os quais Brasil futebol rei (1965), Ilustrações do Rio (1970) e Um Cândido pintor Portinari (1971).

Sempre fotógrafo, Flávio também assina uma coluna para a revista Photo Magazine e para o Portal Photos. O site da Associação Brasileira de Imprensa possui uma seleção de suas fotos, de onde tirei as duas maravilhas que ilustram essa matéria.

10.9.08

Algemas simbolizam paradoxo brasileiro

Semana passada, em entrevista a O Globo, Paulo Maluf elogiou a decisão do Supremo que proíbe o uso de algemas em presos que não ofereçam perigo.


“O que está acontecendo agora é espetáculo (...) Pegar um indivíduo que foi prefeito de São Paulo, às seis horas da manhã, de pijama, algemar, como se a polícia fosse capitão do mato e ele fosse um escravo nojeto? Eu cumprimento o Supremo por ter tirado o nepotismo e as algemas. Algema é para gente perigosa.”


Ao comparar o uso de algemas à prática realizada durante a escravidão pelos capitães do mato, o deputado apenas mostrou a forma como nós, brasileiros, encaramos nossa sociedade. A algema reforça nosso vira-latismo, coloca o sujeito debaixo da sola do sapato, ao lado do estrato mais imundo e humilhante da pirâmide social: exatamente aquele em que ficavam os escravos antes de 1888 e que hoje fica a o povo, a ralé, a patuléia.

Em artigo publicado no dia 22 de agosto na Folha de S. Paulo, o delegado federal Jorge Barbosa Pontes, chefe da Interpol no Brasil, contou uma situação que ilustra bem este ponto de vista. Quando visitou a Scotland Yard, na Inglaterra, observou um cartaz em que estava escrita a ordem para que os policiais algemassem, indistintamente, todos os que se encontrassem em condição de preso ou detido. A recomendação tinha, explicou o delegado, uma razão clara: não colocar os policiais e a sociedade em risco. Afinal, rico, pobre, velho, jovem, homem, mulher, banqueiro, funcionário público, todos possuem os mesmos mecanismos psíquicos capazes de provocar reações violentas nas situações em que se sentem acuados. O desespero criado na tensão da prisão pode colocar a vida do policial, a de transeuntes ou a do próprio preso em risco. Não há como o policial adivinhar o que se passa na cabeça de uma pessoa que acaba de ser presa, mesmo que ela não resista à prisão e demonstre ser a pessoa mais calma do mundo.

Reação violenta não é exclusividade dos homens de poucos recursos e pouca instrução. Vale lembrar aqui o jornalista Pimenta Neves, ex- manda-chuva do Estado de S. Paulo, que matou a namorada pelas costas ao ser rejeitado. Ou ainda o caso do ator Guilherme de Pádua, que assassinou a atriz Daniela Perez. Seguindo esse raciocínio, o delegado Pontes acredita que um preso acusado de crime financeiro, por exemplo, pode reagir de forma violenta ao perceber que caiu em desgraça e que terá sua fortuna congelada pelas autoridades.

Mas se preso na Inglaterra significa estar algemado, o mesmo não acontece no Brasil, pois aqui as duas argolas de aço remetem aos terríveis grilhões da escravidão e às lembranças mais nojentas que vêm a reboque. Não foi à toa que o Supremo só agora, com a prisão de um dos mais importantes banqueiros do País, resolveu criar uma súmula vinculante (instrumento que obriga todas as instâncias do Judiciário a seguir a uma determinação do STF) para regular o uso das algemas. Aludindo a princípios humanistas, os defensores da restrição às algemas não querem que exista um aparelho repressivo que realmente trate ricos e pobres da mesma maneira.

Tachar de indigna a colocação de algemas é um erro, justamente porque não é indigno, seja para quem rouba um pão, seja para quem rouba um bilhão. Mas contra o primeiro caso, crime comum e sempre combatido, não há gritos ou contestações em relação às algemas. Como disse o delegado Pontes em seu artigo, “a algema não grita, não cria contraste quando colocada num joão-ninguém”.

4.9.08

Adrian Sudbury morreu


Adrian Sudbury died peacefully in his sleep with his dad Keith and mum Kay last night.

Foi com essas palavras (Adrian Sudbury morreu em paz durante seu sono, ao lado do pai, Keith, e da mãe, Kay, na noite passada) que a inglesa Liam McNeilis informou no Baldy's Blog sobre a morte de seu amigo e autor do blog, o jornalista Adrian Sudbury.

Conforme contado aqui no Textos etc em junho, Adrian sofria de dois tipos de leucemia ao mesmo tempo, coincidência raríssima, e decidiu criar um blog para contar seu tratamento e sua luta pela vida. Mas a vida, infelizmente, se tornava mais rala a cada post.

E os posts faziam o movimento contrário, tornando-se cada vez mais acessados e importantes para a conscientização das pessoas sobre a dificuldade em se conseguir medulas ósseas compatíveis para transplante. Alçado à categoria de celebridade instantânea, Adrian passou a freqüentar programas de televisão com assiduidade de colocar as capas da Caras no chinelo. Mas, como bem observou sua avó em um pequeno depoimento ao blog do neto depois de sua morte, ele merece sim o título de celebridade, no sentido real da palavra, de pessoa que fez algo realmente célebre para merecer a alcunha.

Bsata dizer que no dia 20 de agosto, quando Adrian morreu, havia recebido pouco antes um telefonema do próprio primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, parabenizando-o por toda sua campanha e dizendo que estava rezando por sua saúde.


Texto do blog pode ajudar pacientes e familiares

Jornalista que era, Adrian escreveu posts lindos, ainda que tristes. Seu primeiro, publicado em 28 de março de 2007, contava como tinha sido um tapa na cara receber a notícia de que tinha câncer e de que, aos 25 anos, aparentemente gozando da mais perfeita saúde, deveria começar já a quimioterapia. A partir desse primeiro, ele descrever com detalhes, post a post, seu tratamento, sempre de forma positiva e natural.

E foi este o ponto que mais me chamou atenção no Baldy`s Blog. Ele, mesmo careca, mesmo sofrendo, não se expressa de forma depressiva e prefere adotar uma atitude de maturidade, de enfrentamento, de ousadia em estar vivo. Sua amiga Liam McNeilis diz que o blog pode vir a se tornar um livro. Será um bom presente para todos que gostam de ler textos sensíveis sem resvalar na pieguice. Mas será ainda mais importante para parentes e pacientes de câncer, que precisem de um exemplo para lidar com uma doença tão degradante.

3.9.08

A Copacabana caótica de Rubem Braga

Depois de um tempo sem ser publicada, a série de matérias sobre como o bairro de Copacabana é representado pelos meios culturais, o Textos etc volta com força total. O especial As esquinas de Copacabana mergulhará dessa vez sobre a representação de Copacabana como um bairro caótico, tão comum quanto sua retratação como um paraíso. Essas representações refletem o modo como foram e são vistas as mudanças por que o bairro passou e passa desde a segunda metade do século XX. A intensa vida noturna, as prostitutas atraídas pelos turistas, as crianças que vivem nas ruas, mendigando e assaltando, os crimes cometidos por pequenos traficantes, cafetões e batedores de carteira. São tantos pecados que o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza dedica toda sua obra literária a eles. No entanto, bem antes do detetive Espinosa sonhar em existir, já existia uma crônica escrita por olhos bem mais pessimistas que os do detetive sobre as transformações por que passava Copa.

O cronista Rubem Braga escreve sua Ai de ti, Copacabana em 1958 e, num texto carregado de imagens bíblicas e mitológicas, prevê que o apocalipse se abaterá sobre o bairro. É bom lembrar que as abordagens de Luiz Alfredo e de Rubem são diferentes antes de tudo porque falam a partir de épocas diferentes. Enquanto o cronista escreve sob o choque de presenciar o balneário mudando tão rapidamente e o caos começando a se instalar, o romancista escreve no final dos anos 1990 com o caos pra lá de instalado.

Clique aqui para ler Ai de ti, Copacabana

Rubem trata Copacabana como uma pessoa, que se ilude, que erra, que peca. Adotando um ponto de vista de Deus judaico-cristão, que castiga seus filhos pecadores, o cronista aponta ao longo do texto quais foram os pecados do bairro, transformado em pessoa, a quem acusa de vaidade, numa comparação com uma prostituta, que não soube ler todos os avisos que recebeu Dele.

Mas o Deus que ameaça com mais e mais castigos não culpa apenas a Copacabana- prostituta por todos os males. Culpa também a especulação imobiliária, os ricos moradores que "dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas" para tentar fugir do calor do verão, os playboys que "passam em seus cadilaques buzinando alto", as donzelas que se "estendem na praia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez", os mancebos que "fazem das lambretas instrumentos de concupiscência", os fariseus que rezam nas igrejas de dia e jogam flores para Iemanjá à noite. Critica, no fundo, um modo de vida que havia chegado para ficar, produto da modernidade, como se viu no capítulo dedicado à história de Copacabana. A "multidão de pecados" a que Rubem Braga alude em sua crônica, numa visão pra lá de apocalíptica, foi o que despertou a ira divina. Já nas primeiras linhas, fica bem claro quão profunda é essa fúria. “Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera do teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.”

Saindo um pouco da análise, vale um comentário sobre o caráter profético do texto de Rubem Braga. Escrito em 1958, em sua coluna de crônicas, o texto diz que ondas se levantarão e inundarão o bairro e vale-se bastante da imaginação ao dizer que "siris comerão cabeças de homens fritas na casca", tal como nós, homens, fazemos com os siris. Diz ainda que os edifícios de cimento serão abatidos pelo mar que “ousaram um dia desafiar”, quando construídos como uma alta muralha. Fantasias à parte, é curioso como previsões parecidas são feitas hoje não mais por profissionais da imaginação que são os escritores, mas por cientistas, profissionais da razão. Em pleno caiu-a-ficha-sobre-o-aquecimento-global, jornais nos inundam, sem trocadilhos, com imagens catastróficas da terra sendo invadida pelo mar. O sertão, salve Glauber Rocha, pode mesmo virar mar. E poder ser justamente Copacabana, esse inferno na terra, a primeira atingida.

Na próxima parte da série As esquinas de Copacabana: O caos na Copacabana de Luiz Alfredo Garcia-Roza

Leia as outras reportagens do especial As esquinas de Copacabana:
História do bairro 1: O mirante azul começa a se transformar
História do bairro 2: Balneário de uma Europa Tropical
História do bairro 3: A cidade dentro da cidade
Representações de Copa: A Copacabana paradisíaca
Representações de Copa: A Copacabana paradisíaca na televisão

2.9.08

Religião nota dez

Quem disse que só as Igrejas evangélica e católica mobilizam seus fiéis? Sexta passada estreou o filme Bezerra de Menezes - Diário de um espírito, produção brasileira feita por uma equipe eminentemente kardecista e que superou Os Desafinados na bilheteria do fim de semana, ficando em sétimo lugar ao levar 51.389 pessoas ao cinema.


Carlos Vereza narra a história e encarna o protagonista

Fui ver o filme, pois, apesar de não ser kardecista, conheço a história do médium Bezerra de Menezes, que foi em vida um deputado abolicionista e conhecido como o Médico dos Pobres, pois realizava curas espirituais nos atendimentos gratuitos que realizava. Esperava ver uma bonita história, interessante, com uma produção razoável, coisa que o cinema brasileiro já é capaz de fazer com o pé nas costas.

Mas o filme é horrível. Muito ruim mesmo. Narrado monocordicamente durante cerca de uma hora e meia de filme, Bezerra de Menezes é insuportavelmente chato. Roteiro ruim, direção primária, maquiagem e direção de arte que dão vergonha a alunos de primeiro período de uma faculdade de Cinema. A bonita história de Bezerra de Meneses merecia algo bem melhor.

Impressionou-me a quantidade de crianças presentes na platéia, apesar do linguajar hermético e cheio de palavras que já caíram no desuso. A dificuldade em conseguir lugar também foi impressionante. Sentei na primeira fileira, com direito a torcicolo depois do filme, coisa que só me lembro de ter acontecido quando fui assistir a Titanic, em 1997.

Logo caiu a ficha do porquê de tanto sucesso e do interesse de crianças, ou melhor, dos pais em levar as crianças. Eram todos espíritas. As crianças, muito provavelmente, foram assistir ao filme como tarefa da aula de catecismo. O desempenho de Bezerra de Menezes certamente será superior ao de muitas outras produções brasileiras, a despeito de sua inferioridade como filme. Não que isso seja de todo ruim, afinal sempre é bom ver brasileiros numa sala de cinema vendo filme nacional. Pena que o motivo seja mais religioso que cultural.

1.9.08

Dapieve, Walter e a Bossa

Apaixonado pela Bossa Nova, apesar de sua pouca idade, o Textos etc tentou resolver de uma vez por todas a dúvida existencial que marca os amantes do barquinho, do banquinho, do violão, do amor, do sorriso e da flor. Qual a melhor Bossa? Qual a música que sintetiza as melhores intenções musicais que Tom Jobim, João Gilberto e Vinícius de Moraes tinham ao inventar, cada qual com sua parcela de culpa, a Bossa Nova?

Para tentar chegar a uma resposta, produzimos um podcast e entrevistamos o jornalista, escritor e crítico musical do jornal O Globo, Arthur Dapieve (à esquerda), além do diretor de cinema Walter Lima Júnior, que acaba de lançar o filme Os Desafinados, com temática relacionada à Bossa.

Dapieve, o primeiro entrevistado, foi polêmico em suas escolhas. Já Walter lembrou os clássicas e ainda explicou um pouco sua forma de encarar a Bossa.

O podcast está cheio de bossas memoráveis, além da opinião sempre muito bem embasada de Dapieve e Walter. Ouça, delicie-se, e deixe nos comentários a sua resposta: qual a sua Bossa favorita?

Para ouvir, clique onde está escrito 'Dapieve, Walter e a Bossa' no iPod ao lado.

Para baixar o podcast, clique com o botão direito aqui e selecione Salvar destino como.