22.12.09

Como ter um Natal feliz

Num primeiro momento, podemos pensar que não existe fórmula para termos um Natal feliz. Certo? Errado. Sem gastar muitos neurônios, já fica a dúvida sobre o que realmente faz o Natal feliz: família unida, cânticos religiosos ou o presente dos seus sonhos?

Pois uma pesquisa feita em 2002, nos Estados Unidos, com 117 pessoas de 18 a 80 anos, sobre a associação entre felicidade e Natal, revelou que o foco em gastos e consumo é associado com menos felicidade, enquanto família e o contato com a religião são o oposto. O nome da pesquisa é "What makes a Merry Christmas?".

Ficam aqui os votos de um feliz Natal e a resolução de ano novo para o Textos etc: voltar a postar por aqui. Até lá.

5.10.09

Produção obscura de Scorcese e doc sobre o filme são dobradinha do Festival*

Mistério, preciosidade cinéfila, reflexão realista sobre preocupações existenciais. Não importa o motivo: era grande a expectativa pela chegada aos cinemas brasileiros de "American boy: o retrato de Steven Prince" (veja trecho) , obscuro documentário de Martin Scorcese sobre seu amigo Steven Prince, filmado em 1978 e em cartaz no Festival do Rio até quinta-feira. Além desse, a programação do festival traz outro documentário, "American Prince", rodado 30 anos depois pelo diretor Tommy Pallotta, em que é contado um novo capítulo da turbulenta vida de Prince, o vendedor de armas de "Taxi driver" (clássico de 1976 dirigido por Scorsese).

Scorsese entremeia depoimentos de Prince filmados na mansão do ator George Memmoli com outros materiais audiovisuais. Quando ele relata a infância de judeu de classe média, por exemplo, a edição mostra cenas caseiras de quando o ator era criança. A entrevista avança pelos tempos em que Prince foi roadie do cantor Neil Diamond e chega até o pós-Woodstock, quando era viciado em heroína. Trata de forma aberta e sincera sua obsessão por armas e, ao conversar com o diretor (os dois dividiram um apartamento na juventude), consegue tratar de forma realista temas profundos, sem descambar para o sentimentalismo.

Já o filme de 2008 aborda também o trabalho documental de Scorsese. Apesar de ter sido dirigido por uma das principais grifes do cinema americano, o primeiro documentário nunca teve um lançamento decente e só pode ser visto em retrospectivas da obra do diretor ou em grandes festivais. Pensando na dobradinha "American boy" e "American Prince", e na curta duração de ambos (duram 50 minutos cada), o Festival do Rio programou a exibição dos dois para as mesmas sessões.

Mas quem não conseguir assistir aos filmes no festival poderá apelar para a internet. Mobilizado pelo difícil acesso ao filme de Scorcese, Tommy Pallotta decidiu liberar seu filme para download, gratuitamente. Basta uma ida aos cinemas escalados na programação até quinta-feira ou uma rápida procura em sites de busca para que, por meio de "American Prince", diminua a distância entre o público e as cultuadas facetas de Steven Prince.

*Publicado originalmente no site do Globo.

3.10.09

Fátima Toledo e o 'ser ou não ser' diretora de cinema

Um matador de aluguel doente é contratado para matar uma prostituta fugindo do marido e os dois se apaixonam. A sinopse de "O príncipe encantado', curta dirigido por Sérgio Machado e pela preparadora de elenco Fátima Toledo, tem traços que se adequam com perfeição ao método de trabalho de Fátima, marcado por filmes como "Tropa de elite" e "Cidade de Deus". Seu mérito, idolatrado por alguns, criticado por outros, é fazer com que os atores se entreguem ao papel a que se prestam e, graças a um elaborado processo estimulado por ela, consigam dar verdade à interpretação.

Estreante atrás das câmeras, Fátima conversou com o site do GLOBO sobre as diferenças entre treinar e dirigir e explicou por que ainda se considera mais "uma preparadora de elenco".

Assista a um trecho do curta de Fátima Toledo e Sergio Machado

- Ainda estou me introduzindo no universo de direção. Antes do meu longa, estou fazendo curtas e aprendendo muito. Como preparadora, olho muito os atores, mas na direção tenho que ver o todo. Estou tendo dificuldade.

A principal delas é se desapegar da função até então exercida. No novo curta - que será exibido até segunda-feira dentro da Première Brasil (veja horários abaixo) -, ela e Machado convidaram outro preparador de elenco - o ex-assistente de Fátima, Michel Dubret - para a tarefa de preparar os atores. No início, ela ficou "divididinha" em aceitar a ideia de outra pessoa fazendo seu trabalho

Misturando atores com níveis diferentes de experiência, o curta tem um personagem feito por um não-ator. Além disso, aparecem prostitutas que trabalhavam na casa usada como locação. E quem a preparadora/diretora prefere em seus filmes: os profissionais ou os que nunca trabalharam com interpretação?

- Quero dirigir quem se entrega de verdade, sem distinção da experiência da pessoa. Alguns atores têm um tempo de resistência maior para entrar no personagem, o que faz a gente perder um tempo enorme para quebrar essa resistência.

Atores ou não, aqueles que passam pela mão de Fátima, seja nos elencos em que ela prepara, ou nos cursos que ela dá em sua escola na Vila Mariana, em São Paulo, são submetidos a experiências limites, fundamentais, segundo ela, para que se chegue à verdade do que está vivendo, e não a uma "mera" atuação. Criticado por alguns diretores e atores, seu método teve início em 1980 com "Pixote, a lei do mais fraco", de Hector Babenco. De lá até "Quincas Berro D'água", o último filme, também de Sérgio Machado, cujo elenco treinou, Fátima teve parcerias com grandes nomes, como Fernando Meirelles ("Cidade de Deus") e Walter Salles ("Central do Brasil" e "Linha de passe").

O exemplo do personagem Capitão Nascimento em "Tropa..." é clássico da dureza de seu trabalho. Wagner Moura protagonizou uma dessas "situações limite". Em uma das sessões de preparação, Fátima pediu ao capitão do Bope Paulo Storani que falasse mal da família de Wagner. Ao ver seus parentes serem atacados, o ator acabou partindo para cima do policial e quebrou seu nariz.

Com "Quincas...", pôde levar seus exercícios à comédia, gênero com que até então não havia trabalhado. Para alguém acostumado a buscar as "angústias, abismos e lados sombrios" das pessoas, material rico para intrepretações em dramas, achar o ritmo e o tempo do humor foi desafiador:

- É um filme diferente da linha em que estou acostumada a desenvolver. Foi maravilhoso. Descobri coisas incríveis trabalhando nesse último filme do Sérgio. A verdade que busco pode estar em qualquer gênero e eu trabalho para vestir essa verdade no personagem.

A primeira experiência, que em breve será ampliada para um longa, foi enriquecedora também para o olhar de Fátima como preparadora. Agora, ela acredita estar apta para trabalhar com mais rapidez, inclusive em filmes de baixo orçamento, quando o prazo que tempara afiar o elenco é reduzido. A objetividade e o "saber ir ao ponto", por exemplo, características essenciais ao diretor quando reúne toda a equipe e liga a câmera, foram duas aptidões conquistadas com o curta.

O nome provisório do longa é "Sobre a verdade". Em fase de captação e programado para começar a ser rodado no segundo semestre de 2010, o filme discutirá o absurdo da acusação irresponsável.

- Hoje, quando há uma acusação, logo outras 10 mil pessoas estão em cima do acusado, sem noção do que estão fazendo. A dor de cada um é projetada para arrebentar com o outro.

Fora a direção (a cena ao lado é de divulgação do curta), Fátima não faz planos para se espraiar por outras funções no set. Roteiro, por exemplo, ela acha que não conseguiria escrever, por só se considerar capaz de "sentir o filme" quando ele já está em execução:

- Eu vejo os atores e começo a ver o filme, começo a descobrir e a me identificar. No papel, consigo ver a história, a dramaturgia, mas o personagem só me comove no papel. Quando vejo os olhos do ator, isso me dá mais direções.

* Publicado originalmente no site do Globo.

2.10.09

Artes plásticas ganham a tela do Festival

Da arquitetura moderna à arte contemporânea, passando pelo Naif: diferentes mostras do Festival do Rio oferecem um variado cardápio de filmes com temática ligada às artes plásticas. "Reidy: a construção da utopia" e "Cildo", ambos documentários brasileiros, e o longa de ficção "Seraphine", parceria entre França e Bélgica, são as três obras responsáveis por, a reboque dos tradicionais filmes sobre música sempre presentes no evento, ampliar o leque metalinguístico da programação.

O primeiro a estrear foi "Cildo" (ao lado, cena de divulgação), documentário dirigido por Gustavo Rosa de Moura que faz um mergulho sensorial na obra de Cildo Meireles, um dos artistas brasileiros com maior prestígio no exterior. Fundamental para a cena artística contemporânea do país desde os anos 70, Meireles já foi exposto na Tate Modern e sempre é lembrado como dono de um universo criativo que consegue unir política e discussão estética com grande habilidade. O filme é conduzido por entrevistas do próprio artista, que fala e reflete sobre suas obras e ideias.

Nesta quinta-feira, o segundo da lista chegou às telas do Festival: "Reidy - A construção da Utopia" (ao lado, em cena de divulgação), sobre o arquiteto Afonso Reidy. Pioneiro da introdução da arquitetura moderna no Brasil, Reidy teve sua vida a obra transformada em documentário pelas mãos de Ana Maria Magalhães, sobrinha de sua mulher, a intelectual Carmem Pontinho. Defensor de uma arquitetura de traços simples e puros, evidenciados hoje no Aterro do Flamengo, projeto em que teve participação, e no Museu de Arte Moderna, que desenhou em 1954, Reidy tem uma concepção humanista sobre sua arte, perspectiva que a diretora procurou retratar no longa:

"Poucas profissões exercem igual fascínio. Reúnem em si duas atividades aparentemente antagônicas, mas que se completam: a poesia e a construção", diz o narrador do vídeo promocional do documentário.

A mistura de depoimentos do urbanista Lúcio Costa e de diversos outros grandes nomes da arquitetura brasileira, como Paulo Mendes da Rocha, com imagens das criações de Reidy foram os pontos altos da primeira exibição do documentário, nesta quinta-feira, na Première Brasil Retratos, no Cine Odeon.


Já o drama franco-belga "Séraphine" (acima, em cena de divulgação), de Martin Provost, chega com a pompa de ter faturado este ano sete César (o Oscar francês), incluindo o de Melhor Filme. O longa narra a extraordinária vida da francesa Seraphine de Senlis, mulher nascida em 1864 que foi pastora e dona de casa antes de se transformar em pintora e submergir-se na loucura. A produção, parte da mostra Expectativa, tem sua primeira sessão marcada para segunda-feira (05/10), no Estação Vivo Gávea.

* Publicado originalmente no site do Globo.

1.10.09

Todos falam sobre Chico

"O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando."

O trecho é a abertura de uma crônica sobre Chico Buarque, de outubro de 1966, escrita por Carlos Drummond de Andrade e publicada no extinto jornal carioca "Correio da Manhã". Encontrei a preciosidade por acaso, no fim desta manhã de quinta-feira, 1 de outubro de 2009. Tento me lembrar agora como cheguei ao texto, mas os neurônios desapareceram e não consigo saber. Bom, o fato é que descobri essa página do site oficial do Chico, que condensa diversos textos publicados sobre ele, sendo o primeiro este de Drummond e o último um da "Folha de S. Paulo", de julho deste ano.

Entre um e outro, ainda há outras maravilhas para buarquemaníacos como eu. Que tal um texto de Clarice Lispector? Ou Sergio Buarque de Hollanda falando do filho? Tem ainda Mário Prata decifrando o personagem Julinho de Adelaide, criado por Chico para driblar a ditadura, e diversos textos especiais feitos para comemorar seus 60 anos em 2004 (inclusive os de um maravilhoso especial que o JB fez, no Caderno B).

Dê um pulo lá, nem que seja para passar outubro inteiro lendo sobre Chico Buarque. "Pois de amor andamos todos precisados".

30.9.09

Chacretes e calouros transformam Festival do Rio numa imensa 'Discoteca do Chacrinha'*

Esqueça os cinéfilos e suas roupas moderninhas, os diretores e suas discussões cult, os atores e seus deslumbres com fotógrafos e fãs. Nesta quarta-feira, a Première Brasil do Festival do Rio só teve um dono, ou melhor, algumas donas. Rita Cadillac, Fátima Boa Viagem, Vera Furacão, Cabocla Jurema, Regina Polivalente e outras ex-chacretes desapropriaram o tapete vermelho do Cine Odeon para assistir à primeira exibição em terra carioca de "Alô, alô, Terezinha", documentário de Nelson Hoineff sobre o apresentador Chacrinha.

Numa noite de lágrimas, críticas e risos, muitos risos, Cadillac e sua turma transformaram os dois andares do Odeon em um auditório chacrinesco, tão divertido quanto as quartas-feiras de quase quarenta anos atrás, quando a tradicional "Discoteca do Chacrinha" plugava os brasileiros nos lançamentos do showbizz da música e tornava mais palatável a semana dos milhões grudados em frente à TV.

- Tá-tá-tá-Ritááá Cadillac! - berrou Fátima Boa Viagem ao descobrir que a enorme loura ao seu lado era a ex-colega.

- Querida! Que bom te ver! Ah, se você soubesse como é bom - sussurrou Rita, lembrando que as duas não se viam desde 1983.

Roda, roda, roda e avisa que, fora os sorrisos, beijinhos e abraços, nenhuma quis comentar, pelo menos antes do filme, os polêmicos e debatidos trechos em que as ex-chacretes Índia Potira e Loira Sinistra dizem já ter feito programa:

- Prefiro não comentar - brincavam, saindo pela tangente.

Cadillac (ao lado, em cena de divulgação do filme), todo-poderosa, prometia fazer um comentário no fim da sessão. Depois de gastar litros de lágrimas durante a exibição, preferiu economia nas palavras:
- Gostei.

Já Regina Polivalente, embora com olhar sério e cuidado ao escolher cada palavra, foi um pouco além na avaliação sobre a polêmica:

- Acho que cada uma seguiu o seu caminho. O filme mostrou isso. Foram escolhas diferentes e hoje, anos depois, cada uma sabe de si.

Com preocupações mais amenas, Lílian Martins, caloura que venceu uma das tardes de sábado do "Cassino do Chacrinha", em 1987, lembrou que a única crítica que recebeu foi do mítico jurado mal-humorado Edson Santana, que desancava os competidores:

- Ele disse que eu era muito bonitinha, mas tinha desafinado. Mas que fique bem claro: eu nunca recebi buzina! - disse, ao lado de outro calouro, Manoel de Jesus, este buzinado em vários sábados.

Quem não chegou despercebida, é claro, foi Elke Maravilha, outra jurada de carteirinha dos sábados do apresentador. Em um exuberante vestido de lã roxa e com os cachos louros e grossos de sempre, Elke salpicava beijos de batom vermelho e cumprimentos carinhosos ("Oi, criança, tudo bem?"):

- Quando penso no Chacrinha, o que vem à minha cabeça é a sua brasilidade. Aquele sim era um brasileiro! - derramava-se.

No segundo andar do Odeon, tomando uma água mineral no restaurante, o cantor Byafra (desde 1998, ele trocou o "i" pelo "y" para evitar aparecer na mesma página da guerra civil nigeriana nos sites de busca) preferia o recolhimento à confusão do tapete vermelho.

Sobre o trecho de "Alô, alô, Terezinha" que virou febre na internet - a cena mostra o cantor sendo atingido por um parapente enquanto cantava seu sucesso "Sonho de Ícaro" , próximo ao Museu de Arte Contemporânea, em Niterói -, ele manteve o humor:

- Teve mão do Chacrinha naquilo ali. Tenho certeza que foi ele quem empurrou o parapente em mim (risos).

Emocionado no fim da sessão, a quarta a que assistiu, Leleco Barbosa, filho de Chacrinha e diretor do programa do pai durante anos, misturava choro e riso no esforço para defini-lo:

- Ele era indirigível. Eu dirigia o programa, pois fazer isso com ele era impossível. Mas, lá em casa, Dona Florinda (mulher do apresentador e mãe de Leleco) conseguia.

Calouros, jurados, chacretes, filhos e pessoas da produção do documentário atravessaram a rua, depois da exibição, para, ao som do "Terezinhaaaa!" e de outros bordões de Chacrinha, lembrar no Passeio Público Café o aniversário do apresentador, que seria comemorado neste 30 de setembro.

*Publicado originalmente no site do Globo.

28.9.09

A cena experimental de Jorgen Leth*


Um nome com o mesmo peso para o cinedocumentário que o do russo Dziga Vertov. É assim que Amir Labaki, crítico de cinema e diretor do festival É Tudo Verdade, define o dinamarquês Jorgen Leth (na foto acima, à esquerda, com Amir Labaki), cuja obra e pensamento são protagonistas de seu "27 cenas sobre Jorgen Leth", que estreia neste domingo no Festival do Rio. Em 45 anos de atividade, realizando seu 45º filme, Leth é respeitado pelos curtas conceituais, ensaios antropológicos, filmes de esporte, retrato e diários de viagem que rodou, procurando sempre experimentar a linguagem, ousando tanto do ponto de vista estrutural quanto da concepção sobre o que é ou não documentário.

Depois de trazer Leth ao Brasil para participar de Master Classes em São Paulo e no Rio de Janeiro, quando colheu um depoimento biográfico do diretor, Labaki ouviu do próprio que poucos tinham entendido sua obra como ele:

- Quando pensei em fazer o filme, decidi que não queria uma simples biografia, pois empobreceria o cineasta experimental que ele é. Foi aí que veio à minha cabeça o "66 cenas sobre a América", um filme dele, fragmentado e assindético, que buscou retratar a alma americana no começo dos anos 80. Decidi intercalar trechos de curtas e longas do Jorgen com imagens do depoimento - explica Labaki, cuja primeira experiência como diretor foi o curta "Um intelectual no cinema - Eduardo Escorel" e faz sua estreia em longas-metragens com o novo filme.

A paixão de Labaki pelo cinema de Leth começou cerca de 15 anos atrás, quando assistiu justamente a "66 cenas sobre a América" e percebeu que estava diante de um excepcional cineasta. A certeza de que estava perante um mestre veio quando o crítico viu "The perfect human" (clique aqui para assistir ao filme) , o badalado curta conceitual que o dinamarquês concebeu nos anos 60, como contraponto ao cinema-verdade de Jean Rouch e outros. Em 12 minutos, o curta descreve de forma irônica seres humanos, debochando da pretensa possibilidade de se fazer um retrato da realidade ao calor da hora, o que Rouch tentava em filmes como "Crônica de um verão".

- Dentro de toda a obra de Leth, sem dúvida essa é a parte mais importante. Filmes como "The perfect human" e "Good and evil" mostram o grande homem de ruptura que ele é, um importante criador de linguagem, que entende ser possível retratar um mundo criado por você mesmo e chamar isso de documentário. Ele supera o limite entre ficção e realidade, ficção e documentário - ensina Labaki.

Do ponto de vista estrutural, Leth também é muito inovador, com filmes que pouco se parecem entre si - apesar de serem quase 45. Segundo Labaki, ele rompe com o encadeamento lógico e dramático, uma herança, na opinião do crítico, da poesia contemporânea:

- Por também ser poeta, ele consegue transpor para o cinema a imensa liberdade formal que o poema dá. Consegue dar saltos, fazer com que o fim não seja previsível no início.

Tantos experimentos não afetam de forma alguma o lado humanista do cinema de Leth. Labaki vê no dinamarquês um grande carinho pelos sentimentos humanos. Isso ficaria claro quando Leth corre o mundo filmando pessoas em seus diários de viagem ou ensaios antropológicos e mostra a relação entre essas pessoas e a relação delas pessoas com ele próprio.

- A presença dele nos filmes é sempre avassaladora. Está pessoalmente em corpo, carne e voz e não tem o menor pudor de assinar o discurso do documentário em primeira pessoa. A utopia desse gênero como pretensamente neutro é metralhada por ele. Leth chega e diz que o documentário é subjetivo e essa subjetividade é a dele - diz Labaki, que "fará de tudo" para estar em todas as sessões de exibição do filme no FestRio.

* Matéria publicada originalmente no site do Globo.

27.9.09

Documentários no FestRio desvendam as várias facetas da crise econômica mundial*

Se o cinema não voltou as costas para a crise financeira, não seria a programação do Festival do Rio que o faria. Cinco documentários que estrearam a partir desta sexta-feira mostram diversas facetas do sistema que gerou a maior catástrofe econômica desde 1929. Sérios, divertidos, intelectualizados: há docs sobre a crise para todos os gostos.

O mais engraçado deles é "Os yes men consertam o mundo" (cartaz ao lado), com as performances satíricas de Andy Bichlbaum e Mike Bonanno, dois atores ativistas conhecidos como os "Yes men". A dupla ficou famosa por se fazer passar por empresários poderosos e criar situações ridicularizantes.

Em 2008, por exemplo, distribuíram em Nova York um milhão de exemplares falsos do New York Times, com a manchete "Guerra do Iraque termina". No filme, presente na mostra Midnight Movies, eles mergulham fundo, de forma hilária, no debate sobre por que a sociedade delegou ao mercado a força para determinar os destinos do mundo. O filme recebeu o prêmio de público no Festival de Berlim.

O segundo da lista é o badalado "American casino", que será exibido na mostra Dox e mostra por que pessoas comuns foram as mais prejudicadas com a crise. Focando em um professor de colégio, um terapeuta e um pastor, o filme faz uma metáfora com a situação americana e a de um cassino. Os enganados seriam as fichas de aposta e os jogadores, as poderosas firmas de investimento. Com um olhar de jornalista investigativa, a diretora Leslie Cockburn e seu marido, Andrew Cockburn, parceiros também no projeto, intercalam imagens de vizinhanças inteiras sendo despejadas com incômodas confissões do outro lado da banca, como a do ex-presidente do Federal Reserve Alan Greespan.

Além de ótimas críticas nos Estados Unidos, o documentário também recebeu o aval de quem conhece a fundo o assunto:

"'American Casino' é um forte e chocante olhar para o escândalo dos empréstimos subprime. Se você quer entender como o sistema financeiro americano falhou e como as companhias de hipoteca roubaram os pobres, veja esse filme", recomendou o vencedor do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz.

Mais teórico, o documentáro "O cerco neoliberal", em cartaz na mostra Dox, convida intelectuais como Noam Chomsky e Ignacio Romanet para discutir como os dogmas do neoliberalismo são fruto de uma intensa propaganda ideológica. Privatização, redução do papel do Estado, desregulamentação do mercado e outros conceitos defendidos por neoliberais são destrinchados pelo grupo, que defende a tese de que o "livre mercado" só serve para pôr a economia nas mãos da classe financeira.

Outro documentário de tese sobre a crise é "A doutrina de choque", adaptação do livro homônimo da ativista canadense Naomi Klein que faz parte da mostra Panorama do cinema mundial. Autora de outra obra queridinha dos movimentos antiglobalização, "Sem logo - a tirania das marcas em um planeta vendido", Naomi explica nesse trabalho o que entende como capitalismo-catástrofe, uma doutrina que demonstraria como governos e grandes empresas exploram a economia de países afetados por guerras ou desastres naturais. Para comprovar a teoria, Klein recorre no filme a materiais de arquivo e a entrevistas. O diretor é o prolífico Michael Winterbottom, de "Caminho para Guantánamo" e diversos outros títulos.

Mais uma pancada no capitalismo desenfreado vem pelas lentes do austríaco Erwin Wagenhofer, diretor de "Vamos ganhar dinheiro" (cena ao lado), que integra a novíssima mostra Meio ambiente. O documentário mostra como se dá a exploração de países subdesenvolvidos no mercado financeiro global, que corrompe o sistema financeiro. Outro ponto de vista do filme é o de que o

neoliberalismo contribui para a manipulação política do livre comércio e do livre mercado, transferindo o controle da economia das mãos dos governos para investidores privados. Campos de algodão que se tornam desertos na África, fome na Ásia, América do Sul e África, o boom imobiliário na Espanha: o filme defende que o fluxo monetário global e a desregulamentação financeira criaram uma ameaça aos países em desenvolvimento.

AMERICAN CASINO: SEX (25/9) 22h15 Estação Barra Point 2. SÁB (26/9) 20h Cine Glória. TER (29/9) 15h30 Espaço de Cinema 3. TER (29/9) 23h45 Espaço de Cinema 3. QUA (30/9) 13h10 Estação Vivo Gávea 5. QUA (30/9) 19h40 Estação Vivo Gávea 5. QUA (07/10) 14h30 Centro Cultural Justiça Federal.

O CERCO NEOLIBERAL: TER (06/10) 15h Instituto Moreira Salles. QUI (08/10) 19h Centro Cultural Justiça Federal.

A DOUTRINA DE CHOQUE: SEG (05/10) 14h Estação Botafogo 1. SEG (05/10) 20h Estação Botafogo 1. TER (06/10) 22h30 Estação Barra Point 2. QUA (07/10) 15h45 Estação Ipanema 2. QUA (07/10) 20h15 Estação Ipanema 2.

VAMOS GANHAR DINHEIRO: SEG (05/10) 15h45 Espaço de Cinema 3. SEG (05/10) 23h59 Espaço de Cinema 3. SEG (05/10) 15h45 Espaço de Cinema 3. QUA (07/10) 18h10 Estação Vivo Gávea 1. QUA (07/10) 22h30 Estação Vivo Gávea 1. QUI (08/10) 14h Estação Barra Point 1.

THE YES MEN CONSERTAM O MUNDO: SEX (25/09) 17h Espaço de Cinema 2. SEX (25/09) 23h45 Espaço de Cinema 2. SÁB (26/09) 17h50 Estação Vivo Gávea 5. DOM (27/09) 16h15 Cine Glória. DOM (27/09) 20h Cine Glória. SEG (28/09) 22h30 Estação Barra Point 2.


* Matéria publicada originalmente no site do Globo.

25.9.09

Não se afobe: os filmes do Festival que em breve vão estrear*

Não se afobe, não, você que está desesperado atrás dos concorridos ingressos do Festival do Rio. Logo no primeiro fim de semana depois do evento já começarão a estrear muitos dos ora disputados longas. As estreias com data marcada estão em várias das mostras e já poderão ser vistas a partir do dia 9 de outubro no circuito exibidor normal.

É nesse dia que chegará às telas brasileiras "Bastardos inglórios" (cena do filme acima), de Quentin Tarantino, com Brad Pitt à frente de um grupo de soldados judeus americanos que tem a missão de espalhar o terror pelo Terceiro Reich, em plena Segunda Guerra Mundial. No mesmo fim de semana, outro filme histórico estreia. É "Che 2 - A guerrilha", o segundo de Steven Soderbergh sobre o revolucionário argentino. O terceiro do Festival do Rio a estrear é o documentário "Hebert de perto", dos brasileiros Roberto Berliner e Pedro Bronz, sobre o líder do Paralamas do Sucesso, Herbert Viana. Na mesma sexta, ainda chega às telas

Na sexta-feira seguinte, 16 de outubro, outro filme de Soderbergh será lançado. É "O desinformante", com Matt Damon estrelando uma trama que mistura política e espionagem. O mexicano "Arranca-me a vida" também chegará às salas de cinema nesse fim semana.

No dia 23 de outubro, é a vez do badalado "Distrito 9", em que um agente do governo americano se empenha em ajudar uma raça de extraterrestres forçada a viver em áreas isoladas na Terra. Sucesso nos Estados Unidos, o longa de ficção científica está na mostra Panorama do cinema mundial.

Cereja do bolo de filmes sobre moda no Festival do Rio 2009, "Coco antes de Chanel" estreia no dia 30, última sexta-feira de outubro. Dirigido por Anne Fontaine, a obra é uma cinebiografia da estilista francesa Coco Chanel. O também esperado "Alô, alô, Terezinha", de Nelson Hoineff, documentário sobre a vida de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, estreia no mesmo dia. No mesmo fim de semana, chegam ao circuito comercial "Um namorado para minha esposa" e o trash "Matadores de vampiras lésbicas", em cartaz na mostra Midnight movies.

Veja outros filmes do Festival que também estão com estreia prevista no Brasil:

- "Os vigaristas" - 09/10
- "Flordelis - basta uma palavra pra mudar" - 09/10
- "O caçador - 16/10
- "Os famosos e os duendes da morte", de Esmir filho - 06/11
- "Maradona", de Emir Kusturica - 06/11
- "Panique au village" - 06/11
- "Aconteceu em Woodstotck" - 13/11
- "500 dias com ela" - 13/11
- "Abraços partidos" - 20/11
- "Cidadão Boilesen" - 27/11
- "Julie & Julia" - 27/11
- "Coco" - novembro, sem data marcada
- "London River" - novembro, sem data marcada
- "Human Zoo" - novembro, sem data marcada
- "Black Dynamite" - novembro, sem data marcada
- "Nova York, eu te amo" - novembro, sem data marcada
- "Hotel Atlântico" - 11/12
- "Soul Power" - 11/12
- "Embarque imediato" - 11/12
- "Distante, nós vamos" - 18/12
- "Olhos azuis" - 12/03
- "Histórias de amor duram apenas 90 minutos" - março, sem data marcada
- "Sonhos roubados" - 07/05
- "A batalha dos três reinos" - maio, sem data marcada
- "Corações em conflito" - comprado, mas sem data marcada
- "Inversão" - comprado, mas sem data marcada
- "Ricky" - comprado, mas sem data marcada
- "Tokyo!" - comprado, mas sem data marcada
- "Tyson" - comprado, mas sem data marcada
- "The burning plain" - comprado, mas sem data marcada
- "The messenger" - comprado, mas sem data marcada
- "A pequenina" - comprado, mas sem data marcada
- "Fas-moi plaisir" - comprado, mas sem data marcada
- "Corações em conflito" - comprado, mas sem data marcada
- "A fita branca" - comprado, mas sem data marcada
- "Les herbes folles" - comprado, mas sem data marcada
- "Partir" - comprado, mas sem data marcada
- "Politist, adjectiv" - comprado, mas sem data marcada
- "The time that remains" - comprado, mas sem data marcada
- "About Elly" - comprado, mas sem data marcada
- "Polytechnique" - comprado, mas sem data marcada
- "Caro Francis" - comprado, mas sem data marcada
- "Insolação" - comprado, mas sem data marcada
- "Aquario - fish tank" - comprado, mas sem data marcada
- "Amreeka" - comprado, mas sem data marcada
- "Amor extremo" - comprado, mas sem data marcada
- "Antes que o mundo acabe" - comprado, mas sem data marcada
- "Bad lieutenant: Port of Call New Orleans" - comprado, mas sem data marcada
- "Bellini e o demônio" - comprado, mas sem data marcada
- "Confusões em família" - comprado, mas sem data marcada
- "Five minutes of heaven" - comprado, mas sem data marcada
- "Hachi" - comprado, mas sem data marcada

* Matéria publicada originalmente no site do Globo.

18.9.09

De Stratford-upon-Avon para o Morumbi*

Nunca antes na história deste país, Stratford-upon-Avon e o Morumbi estiveram tão próximos. A aproximação entre a cidade natal de Shakespeare e o bairro paulistano onde mora o dramaturgo e autor de novelas Walcyr Carrasco teve seu ponto alto nesta semana, com o lançamento na Bienal da nova tradução, feita por Walcyr, de uma das mais conhecidas comédias do Bardo, a divertida “A megera domada”. Voltado para o público infanto-juvenil, o título, da Editora FTD, tem caprichadas ilustrações de Anna Anjos e mantém na íntegra a trama original, preservando a coloquialidade do texto shakespeariano, menos presente, na opinião do escritor, em traduções anteriores. A trama gira em torno da guerra dos sexos, personificada pelas divertidas brigas da irascível Catarina, a megera, com o nobre falido Petrúquio. O ponto de partida é a exigência do pai da moça de que, para ceder a mão de sua filha mais jovem, a doce Bianca, a algum pretendente, tem que casar primeiro sua filha mais velha, Catarina. Ao saber da procura do rico pai por um noivo para a megera, Petrúquio se candidata ao posto, recusado por diversos candidatos, devido ao temperamento da megera. Apaixonado pela obra, que já lhe serviu de inspiração para escrever a novela “O cravo e a rosa”, em 1997, Walcyr (acima, durante lançamento na Bienal/foto de divulgação) conversou com o blog sobre o lançamento e a importância da tradução para sua formação como escritor.


Você tem ideia de quantas vezes já leu “A megera domada”?
Ih, já perdi a conta há muito tempo. Na época da novela, tinha que ler muito, até porque adaptei cenas inteiras da Catarina e do Petrúquio. O livro é decorrência do meu amor pela peça. O que eu tirei foram algumas referências históricas difíceis de serem entendidas num primeiro momento.

Como o quê?
Em um trecho, por exemplo, a tradução literal ficaria em algo como “Catarina deveria ir para a carroça”. Quando fui estudar, vi que, naquela época, a mulher que ia ser castigada com chicotadas era colocada numa carroça para ser levada ao lugar do castigo. Traduzi simplesmente que Catarina deveria ser castigada. Também tirei duas piadas um pouco mais pesadas. Numa das últimas cenas, a Catarina conversa com a viúva (personagem da peça) e seu marido. É dito algo como: “Cuidado que a Catarina vai ficar por cima da viúva”. O marido, então, responde: “Quem tinha de ficar por cima dela sou eu e hoje à noite”. Isso é um pouco pesado para o público infanto-juvenil.

Se fosse para o público adulto, você faria a tradução muito diferente?
Não, pelo menos na linguagem. Tirando esse corte de piada mais pesada, ficaria quase tudo igual. O que foi pensado especialmente para esse livro foi o esforço, que até pedi que ficasse sugerido nas ilustrações, para que a criança ou o jovem não se prendam a nenhuma dificuldade para montar o texto. Ele pode ser montado em casa ou na sala de aula. Em teatro, o que vale é estimular a imaginação. E é um texto que dá para o jovem entender perfeitamente e montar de diferentes maneiras. Não precisa enlouquecer. Para o público adulto, aí sim, seria uma montagem mais densa, com um palco rodando...

Você gosta de lidar com arquétipos, não é? Uma de suas últimas novelas, “Sete pecados”, se inspirou no Dante de “A divina comédia”, não foi?
Acho que todo autor se inspira em arquétipos, mas a diferença é que eu assumo. Eles fazem parte da cultura universal, são histórias clássicas. A Catarina e o Petrúquio são um casal assim. O autor cria, mas está sempre conversando com a cultura clássica. Você estará sempre conversando com os contos de fada, por exemplo. As estruturas dos personagens da Catarina e do Petrúquio são fantásticas. Em “O cravo e a rosa”, a adaptação ficou ótima. Ele é o herói que chega e diz que casa com ela por interesse. Joga limpo, fala que quer mesmo é casar bem. E ela também joga limpo em relação aos interesses dela. Só depois se tornam um casal.

Traduzir ajuda você a escrever melhor?
Sem dúvida. Com a tradução, aprendo uma barbaridade. Ao ter que traduzir Shakespeare, é como se tivesse que entender a forma como ele pensou. É como se tivesse que pensar do mesmo jeito que ele pensaria

* Texto publicado originalmente no jornal O Globo.

Silviano Santiago e a vida literária*

"Deus não quer que eu escreva, mas eu sei que devo escrever". A frase de Kafka, epígrafe de “Stella Manhattan”, um dos mais conhecidos e elogiados romances de Silviano Santiago, talvez seja a que ilustre com perfeição o comprometimento do escritor com a literatura. Professor, crítico, ensaísta, romancista, poeta e contista, a multiplicidade de Silviano (ao lado, em foto de Marco Antônio Teixeira) está não só nos ofícios que exerce, como também em sua literatura e nas opiniões que generosamente oferece a seus alunos e leitores.

À espera da hora certa para se dirigir ao Café Literário, onde participaria na quinta-feira passada da mesa “Dialogando gerações: vida literária ontem e hoje”, ao lado dos jovens escritores João Paulo Cuenca e Tatiana Salem-Levy, Silviano compartilhou comigo parte de suas crenças sobre as diferenças entre passado e presente no que se convencionou chamar de “vida literária”. Finalista da categoria Romance do Prêmio Jabuti 2009, ao lado de jovens como Carola Saavedra e Daniel Galera, ele prefere não citar nenhum nome, mas garante que tem muita gente boa na cena atual. Mas também muita gente perdida.

A resistência em citar nomes tem outra explicação além de sua natural polidez. Aos 72 anos, ele chama a atenção sobre a importância de escritores mais velhos não terem a ilusão que vão influenciar a próxima geração:

- As regras do jogo são outras e os escritores mais antigos, como eu, devem entender que os sucessores não serão necessariamente melhores ou piores que nós. O que eles terão que fazer, isso sim, é, dentro desse novo código, fazer textos com força e beleza. Eu, por exemplo, estou aprendendo essas novas regras, porque sou um escritor que, como o Drummond, gosto de aprender e de me adaptar a diferentes gerações. Cada livro que escrevo é diferente do anterior.

Para Silviano, a principal mudança foi justamente nessa "tal vida literária". A começar pela própria definição sobre o que ela seria. Os escritores tinham, segundo ele, uma vida artística, o que significa algo muito mais amplo. Ao chegar em Belo Horizonte, em 1948, depois que saiu de Formiga, onde nasceu, o escritor convivia na escola com gente de diversos campos, como Ezequiel Neves, que mais tarde se tornaria um produtor musical chave da cena artística brasileira.

- Tive ligações com diversos campos artísticos. Por volta dos meus 18 anos, comecei a participar do clube de cinema, o Centro de Estudos Cinematográficos, da famosa “Revista de cinema”, influenciadora da obra do Glauber, e também passei a escrever crítica em “O Diário Católico” e no “Estado de Minas”. Também traduzi Beckett em 1957 e sempre gostei de artes plásticas. Ou seja: tinha uma vivência em outros campos, o que, é importante dizer, não é melhor nem pior. Só é diferente do que ocorre atualmente.

Cauteloso em qualquer julgamento, Silviano acredita que os jovens escritores vivem mais isolados, “perdidos com os próprios umbigos”. Para ele, a vida de um novato de sua época era muito mais estimulante do que a atual. Esse convívio com artistas de áreas diversas, explica, estimulava a construção de um pensamento artístico comum:

- Quem vai compor com o João Gilberto Noll uma mesma cena literária nos anos 80? Ninguém, pois essa cena comum não existe, não havia nada que agregasse. Nos anos 60 e 70, o espaço literário havia crescido, mas não estimulado pela própria literatura, mas sim pela necessidade política. Quando conquistamos a liberdade, descobre-se que há um vazio. Não há nada em comum.

Hoje, como reflexo das mudanças na própria sociedade, ele acredita que outra grande característica de quem está começando é a permanente busca por se tornar um profissional, por aparecer e ter a certeza de que poderá “sobreviver de literatura”, o que, para ele, leva obrigatoriamente à busca pelo sucesso comercial. Exemplo? O zelo excessivo que essa nova geração tem em formar uma imagem. Trabalhar essa imagem profissional se torna, para Silviano, cada vez mais imperativo aos jovens.

Ao longo da conversa, sem resvalar no maniqueísmo, outras comparações vão surgindo. Entre os escritores novos e os da sua geração, qual deles eram/são mais românticos? Silviano aposta que hoje se é mais romântico.

- Éramos diletantes. Não acreditávamos na possibilidade de se alcançar esse sucesso, éramos mais realistas. Quando você é diletante, você pode se dar ao luxo de ser debochado. O que é o Ezequiel Neves? Ele não se leva a sério. É o deboche em pessoa.

Quem era mais livre na forma? “Depende”, explica. Hoje, ele enxerga pouca aventura na frase, pouca liberdade no parágrafo, muito gesso nesse tempero. Já na estrutura do texto como um todo, ele acha que a geração atual está dando conta do recado. Há inovação sim, garante, mas também há perigo:

- O risco disso é termos, a longo prazo, uma literatura pasteurizada, como acabou acontecendo com a francesa. O texto francês hoje não tem mais o glissement (deslize) tão necessário para a renovação.

*Publicado originalmente no jornal O Globo.

16.9.09

Fala sério, princesa!*

Pouco antes da conversa comigo, no domingo retrasado, as duas sensações do primeiro fim de semana da Bienal do Livro pediram um tempinho. Meg Cabot precisava descansar as madeixas ruivas da tiara de princesa que usa nas fotos com os fãs. Thalita Rebouças perguntou se podia correr ao banheiro para retocar o batom, já gasto de tantas bitocas nos livros que autografa. Do lado de fora da área VIP, centenas de pré-adolescentes, meninas na maioria, esperneavam por um breve tchauzinho.

Nem tão breve assim tem sido o sucesso da dupla com essa faixa etária. Meg, autora da série best-seller “O diário da princesa”, já lançou 32 livros no Brasil (pela Record) e reina sobre a poderosa marca de 15 milhões de exemplares vendidos, 800 mil só aqui. Na Bienal, autografou 600 e vendeu até domingo “apenas” 2.500. Thalita, com dez títulos no currículo (lançados pela Rocco), não fica atrás. Os mais populares entre os seus são os da série “Fala sério!”, cujas histórias dão dicas de como as adolescentes podem lidar com mãe, pai, professor e a melhor amiga. Acumula 400 mil exemplares vendidos — 6.500 de quinta a domingo na Bienal — e já vende em Portugal.

Simpáticas, falantes, com um quê das garotas para quem escrevem, as duas apontaram suas preferências literárias, reclamaram do preconceito que sofrem de autores supostamente mais sérios e, é claro, ficaram amigas. Certo, baby?



Foto de Fábio Rossi, do Globo



Sempre dando autógrafos, sendo entrevistadas, tirando fotos com fãs/leitores. Todo esse trabalho é recompensador?

MEG CABOT: Acho que tudo faz parte do trabalho. Tirar fotos, autografar livros, tudo isso faz parte, até dar entrevista, o que não é tão prazeroso quanto o assédio dos fãs (risos). Eu amo esse trabalho, nunca pensei que um dia o que eu escrevesse fosse ser publicado. Nunca imaginei que tudo isso fosse fazer parte da minha rotina. E ainda sou paga por isso!

THALITA REBOUÇAS: Eu concordo. Acho que tenho o trabalho mais maravilhoso do mundo, porque eu amo escrever, amo crianças, amo pessoas. E adolescentes são tão amáveis! Quando eu tenho a chance de vir aqui, ver os olhos dos meus leitores e ouvir as coisas tão bonitas que eles me dizem, é incrível. Eu chego em casa e choro. Choro muito, porque as pessoas choram durante o dia, e eu não sei o que fazer. É estranho, não é, Meg? Fico com vontade de chorar também, mas não posso por causa da maquiagem (risos). Aí choro em casa.


Outro aspecto em comum entre vocês duas é a forma carinhosa com que lidam com os leitores. Meg os compara a seus filhos, e Thalita sempre beija os livros que autografa. Alguma vez um deles já foi mal-educado ou passou dos limites no excesso de beijos e abraços?

MEG: Nunca aconteceu. O que já houve foram autores serem grossos comigo, principalmente mulheres. Fico tão chocada! Imagino que seja porque sou best-seller, e eles lidam de um jeito como se, por isso, fossem melhores do que eu. Isso é muito louco. Você já viveu isso, Thalita?

THALITA: Sim, já vivi. Há muitos autores que se sentem melhores que você, como se fossem deuses.

Vocês sofrem preconceito por serem autoras de livros para adolescentes?


MEG: Sim, principalmente por parte dos autores de livros para adultos. Eu não sei o que eles pensam sobre o que eu escrevo. Talvez seja o tema. Para mim, o mais importante é o amor, a família, e esses autores escrevem sobre temas como guerras...

THALITA: Temas que são tidos como mais “sérios”. Como se nosso trabalho não fosse sério. E é claro que é. Nós fazemos adolescentes lerem, e isso é muito importante.

Meg escreve também para adultos. E você, Thalita, já pensou em escrever para esse público?

THALITA: Nunca.

MEG: Sério, baby? Talvez, quando seus leitores adolescentes crescerem, você possa escrever para eles.

THALITA: Sim, eu sei disso, mas é que acho adulto muito chato! (risos) Sou como o Ziraldo ou a Ruth Rocha, que só escrevem para um único público. Realmente vejo meus fãs crescendo e penso nisso. Quem sabe um dia...

Meg é publicada em vários países, e Thalita também lançou livros em Portugal. Vocês acham que toda garota, qualquer que seja seu país, tem os mesmos sonhos?

MEG: Eu acho que o meu sonho e o da maioria das meninas que me leem é encontrar uma coisa especial dentro de si. Uma característica única que você tenha para dar ao mundo e na qual deve focar. Esse é o caminho para a felicidade e talvez também para se encontrar o amor verdadeiro. Os meus livros são voltados para isso, para ajudá-las a descobrir quem elas são.

THALITA: Eu concordo. Elas têm os mesmos sonhos, os mesmos objetivos. Vivem as mesmas transformações, com a voz ficando estranha, o corpo sofrendo mudanças. Tudo é muito estranho, e eu gosto de saber que meus livros as ajudam a rir e a pensar sobre elas mesmas.

O que vocês gostam de ler?

MEG: Gosto de quase todo tipo de livro, com exceção de ficção científica. Gosto especialmente de histórias de mistério, ficção para mulheres, com romance e humor.

THALITA: Gosto muito de Saramago, de contos, de autores que conheci na minha adolescência, como Luis Fernando Verissimo, João Ubaldo Ribeiro e Fernando Sabino. Também gosto muito da Clarice Lispector, de quem já soube que você é fã, né, Meg?

Quando vocês terminam de escrever um livro, o que sentem?

MEG: Eu fico muito feliz e sei que já posso passar para o próximo (risos).

THALITA: Não, eu fico muito triste! Choro o tempo todo, porque sinto que aquele livro não é mais meu. É claro que eu gosto de todos virem falar comigo, me beijar... Mas é estranho ver que acabou. Depois do lançamento, aí sim fico pensando em como vai ser o próximo.

MEG: Eu choro enquanto estou escrevendo. Choro muito! Penso: “Estou odiando esse livro”. É terrível! Tenho que comer. (risos) Como batata chips, chocolate... (risos) Depois, tenho que fazer muito exercício para manter a forma.


Thalita, queria que você fizesse alguma pergunta para a Meg.


THALITA: Meg, realmente tenho uma pergunta para você! Eu sempre participo de feiras aqui no Brasil e estou adorando ver como uma autora estrangeira reage aos leitores, sempre feliz. Gostaria de saber se você estava esperando esse tipo de recepção. Você está acostumada com isso?

MEG: Não, eu nunca vivi nada parecido na minha vida. Nos Estados Unidos, esse tipo de evento é restrito aos editores, livreiros, não é aberto ao público ou, quando é, não é para tanta gente. Achei uma ideia ótima, e isso ainda não acontece plenamente lá. Há tentativas em Los Angeles e em Washington... Eu adoraria estar com Thalita em uma feira dessas lá nos Estados Unidos.

THALITA: O bom é que na Bienal os autores se sentem como popstars. Isso é incrível! Ver as pessoas gritando por você.

MEG: Eu acho que a geração atual de adolescentes está ajudando a promover isso.

*Publicado originalmente no jornal O Globo.

12.9.09

De Ziraldo a livros de arte, Bienal oferece bons preços*

Reza a lenda que só nos últimos dias de Bienal há promoções e bons preços nos estandes. Ledo engano. Um simples passeio mostra que há sim descontos, principalmente em editoras menos concorridas (abaixo, um dos estandes com promoções, na foto de Michel Filho, do Globo). Grifes como Ediouro e Record, por exemplo, esqueceram do bolso do leitor.


Quem é aficionado pelos livros de arte da alemã Taschen deve aproveitar os concorridos livros quadrados de capa dura, cujos preços baixaram de R$ 39,90 para R$ 19,90. Representante da editora no Brasil, Marco Paes explica que a Bienal é a única oportunidade que eles têm para vender direto ao leitor:

- Por isso podemos fazer preços tão menores. Não há o acréscimo das livrarias.

Na Moderna, especializada em livros infantis e infanto-juvenis, todos os títulos estão com abatimento de 25 a 30% e alguns outros têm preços ainda mais reduzidos. O “Almanaque das bandeiras”, de Marcelo Duarte, por exemplo, sai por apenas R$ 4,50, enquanto o preço normal seria R$ 26.

A Editora Senac está com promoções programadas para cada dia, quando quatro livros são escolhidos para entrar no rol do preço baixo. Neste domingo, a edição ampliada de “Chic – um guia básico de estilo”, da consultora de moda Glória Kalil, estará por R$ 61,60, quando o preço normal é R$ 80.

Os preços também estão très économiques no estande da Livraria Francesa, que só comercializa títulos em francês ou voltados para o ensino da língua. A edição ilustrada de “Vingt mille lieues sous les mers”, de Julio Verne, por exemplo, caiu de R$ 110 para R$ 69. Outros livros de literatura universal em francês saem por R$ 10.

A Livraria Saraiva também preparou descontos especiais para a Bienal. “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel Garcia Márquez, está custando R$ 26,90, enquanto o preço anterior era R$ 52,90. “O menino maluquinho”, de Ziraldo, caiu de R$ 27 para R$ 13,90.

* Texto publicado originalmente no site do jornal O Globo.

11.9.09

Bienal: Marília Pêra lê Machado de Assis

Novidade desta edição da Bienal, o "Livro em cena" convida atores para ler trechos de obras de cânones brasileiros, como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Gonçalves Dias e Jorge Amado. Escalada pelo ator e diretor Paulo José, que comanda o espaço, a atriz Marília Pêra foi a primeira a participar da atração, e leu capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas (abaixo, você assiste a Marília lendo o famoso capítulo só de negativas) e o conto Teoria do medalhão, tendo a companhia de Paulo.

O risco e o suor de ser curador*

A primeira proposta de nomes para a programação do Café Literário, espaço do bate papo cult entre escritores na Bienal, foi entregue apenas em junho passado à organização do evento, pelo novo curador do espaço, o poeta, professor e crítico literário Ítalo Moriconi (ao lado, na foto de André Coelho). Habituado a tarefas árduas – ele foi o antologista dos elogiados Os cem melhores contos brasileiros do século e Os cem melhores poemas brasileiros do século –, Moriconi teve pouco tempo para montar a grade de nomes que estarão juntos até o dia 20 de setembro no Riocentro, mas conseguiu reunir escritores como Andrew Keen, David Graan, Tim Winton, Thrity Umrigar, Joseph O'Neill e Miguel Sousa Tavares, entre outros grandes nomes brasileiros.

– Eu assumo riscos. Nunca tive medo. O trabalho nas antologias é semelhante ao trabalho de curadoria de um espaço como o Café Literário. O que não pode é acharmos que as pessoas que não estão aqui não são boas o suficiente. Toda seleção é um risco e é claro que não contempla a todos – explicou.

Ele diz que o suor investido na seleção dos cem contos e das cem poesias treinou seu critério, tornando-o mais aberto e menos tendencioso a só selecionar o que conhecia ou o que correspondia ao seu gosto pessoal:

- O importante, tanto nas coletâneas quanto aqui no Café Literário, é contemplar a diversidade de registros e propostas, criando um equilíbrio entre isso tudo.

O convite feito ao crítico para que comandasse a escolha dos escritores e formulasse os temas das mesas literárias faz parte de uma intenção clara da Bienal: garantir seu espaço como principal evento literário brasileiro, referência tanto do ponto de vista comercial quanto para o debate literário. Desde a criação de outros eventos, como a Primavera dos Livros e a Festa Literária Internacional (Flip), a posição tradicionalmente pertencente à Bienal havia sido colocada em xeque.

– Busquei convidar para esse espaço nomes que reúnem três características: atraem bom público, têm recebido boas críticas e estão em um momento de ascensão profissional – disse, lembrando que os três traços se aplicam ao trio que abriu o primeiro encontro do Café Literário, André Sant’Anna, Lourenço Mutarelli e Ana Paula Maia.

Veja a programação completa do Café Literário.

* Texto publicado originalmente no jornal O Globo.

Sangue e beleza na estreia do Café Literário da Bienal*

Sangue, violência e um quê de perversão são os ingredientes que formam na literatura o conceito de abjeto, mas que podem também refletir uma beleza própria, revelada em outras camadas do texto ou pela articulação desses elementos. Para discutir a ponte entre esses dois polos, o belo e a abjeção, os escritores Lourenço Mutarelli (ao fundo, na foto de André Coelho, do Globo), André Sant’Anna (no primeiro plano) e Ana Paula Maia se reuniram nesta quinta-feira, sob mediação da jornalista Rachel Bertol, no primeiro encontro do Café Literário, espaço da Bienal do Livro que reúne escritores, críticos e personalidades das Letras.

Conhecidos por essa estética do nojo, os três tentaram chegar a uma explicação do que seria essa linguagem, embora reconheçam que ela é consequência natural do trabalho criativo:

- Tenho atração pelo abjeto, dediquei minha existência a olhar e entender o abjeto. Mas o estilo, no meu caso, é muito mais uma deficiência. Eu não faço como quero, faço como posso – arriscou Mutarelli, cujo filme baseado em seu romance “O natimorto” participará da Première Brasil, no Festival do Rio de 2009.

Para André Sant’Anna, que lançou recentemente “Inverdades”, livro de contos em que os personagens são celebridades como Sandy, Lula, Ronaldo, Nelson Rodrigues e Roberto Justus, entre outras, o tema da abjeção é reflexo de sua relação com o mundo:

- É punk devolver para o mundo o nojo que ele me causa. Eu não escrevo para chocar as pessoas. Escrevo para mostrar o quanto eu estou chocado com o fato de ninguém respeitar uma faixa de pedestres, escrevo por 90% do parlamento brasileiro ser formado por bandidos

Ana Paula Maia, autora de “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”, citou o protagonista de seu livro, o abatedor de porcos Edgar Wilson, para explicar sua crença de que o trabalho influi de alguma forma no caráter da pessoa, na sua visão de mundo.

- Ele precisa ter uma frieza para abater porcos. Ele mora num lugar ermo, abafado, afastado de tudo, e se diverte numa rinha de cachorros que frequenta uma vez por semana.

O livro mostra um Edgar que, apesar de viver nesse ambiente conflituoso, enxerga a vida de forma positiva. É um homem que gosta de contemplar o céu, por exemplo. Ana Paula avalia que o belo, ponto oposto ao conceito de abjeto, está presente em outra camada de sua obra, nas várias subtramas que se entrelaçam à história principal.

- A minha literatura está muito permeada de violência, mas também de bons sentimentos, como a lealdade, a fidelidade, o companheirismo.

* Texto publicado originalmente no site do Globo.

2.9.09

Os onipotentes: Deus será personagem de Saramago

Deus será um dos personagens principais de Caim, o próximo romance de José Saramago cujo título foi adiantado no blog do autor por sua mulher, Pilar del Río. A obra deverá ser lançada em outubro simultaneamente em Portugal e no Brasil e poderá deixar os leitores se perguntando quem é mais onipotente. O personagem Deus ou o próprio Saramago, que, mesmo aos 86 anos e pouco mais de um ano depois de passar meses internado vítima de doenças respiratórias, vai lançar o terceiro livro em menos de um ano (também publicou O caderno e A viagem do elefante), além de atualizar o blog e conciliar frequentes compromissos de trabalho?

Apesar do personagem e da temática bíblica, a discussão do próximo livro deverá ser, segundo Pilar, mais um mergulho na humanidade, "nas suas diferentes expressões", como é de costume em sua obra:

"José Saramago escreveu um livro que não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga", escreveu.

Outro livro com temática bíblica, O evangelho segundo Jesus Cristo causou polêmica em 1991 ao contar a história de Cristo de um ponto de vista antirreligioso, reforçando sua humanidade e aludindo à sua suposta relação com Maria Madalena.

Foi no blog O caderno de Saramago que o autor português escreveu os textos selecionados mais tarde para o livro O caderno, o último que lançou.

1.9.09

O clube de Hatoum

Embora o site O Livreiro seja um projeto da empresa em que trabalho, tenho um punhado de restrições a ele, desde julho passado, quando foi lançado na Flip. Mas uma iniciativa que acaba de sair do forno me fez realmente ter vontade de participar da "comunidade para quem gosta de livro". O nome da novidade é o Clube do Livro, em que Milton Hatoum conduz uma discussão sobre determinado livro com leitores. O primeiro debate foi em cima de Leite derramado, de Chico Buarque, e o atual é sobre Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez.

Nunca disse aqui, mas mantenho há uns três ou quatro meses um cineclube semanal com dois amigos, em que assistismos a um longa e o discutimos em seguida. É muito gostoso e enriquecedor conversar sobre bons filmes sem aquela frequente pretensão acadêmica que permeia muitas aulas de universidade ou a compreensível superficialidade da saída de cinema. Sempre quis fazer o mesmo com livros, que são a minha verdadeira paixão e meu principal foco de interesse no mundo, vasto mundo, das artes. Agora, talvez consiga. E dele fará parte ninguém mais, ninguém menos, que Milton Hatoum. No vídeo abaixo, ele explica a ideia.

22.8.09

Último dia da Virada Russa

Sai de cartaz neste domingo a melhor exposição de artes plásticas atualmente no Rio, a Virada Russa, com pinturas, esculturas e outras peças da Vanguarda Russa, todas vindas do Museu Estatal de São Petesburgo. Exposta no Centro Cultural Banco do Brasil, a mostra expõe diversas diretrizes de renovação que surgiram no início no século XX na Rússia, país que, além do desejo de transformação artístico, comum a outros estados europeus, vivia também uma intensa trasnformação política e social, por conta da Revolução.

O ímpeto de renovação bebe às vezes na rica tradição folclórica russa, às vezes em temas úteis ao regime soviético, aproximando-se de um caráter propagandístico. Mas fique tranquilo que você não verá apenas aqueles (lindos) cartazes de homens com braços esticados e camponeses com enxadas à la MST, pois as obras da exposição passam por diversos movimentos da época, como o futurismo, neoprivimitismo, cubo-futurismo, sim bolismo e construtivismo.

Estudar a produção daquela época, exposta no CCBB do Rio e em breve no de São Paulo, ainda é uma tarefa importante, já que o acesso às obras foi dificultado pelo stalinismo, que impôs o realismo socialista como estética oficial do regime soviético.

São 123 obras, entre telas, cartazes, esculturas e figurinos, que fundam de certa forma a arte moderna. Destaque, na minha opinião, para as obras de Vassilir Kandinski (na foto ao lado, você vê São George), um dos meus pintores abstratos favoritos, que está representado na exposição, porém, por obras que foram ponto de partida para o que ele desenvolverá mais tarde.

20.8.09

Kurosawa e as versões de Dilma e Lina

No momento em que a guerra de versões entre a ministra Dilma e a ex-secretária da Receita Lina Vieira está no auge, nada melhor do que o cinema para acenar com a bandeira branca da paz. Mas como nem só de blockbuster se vive, é a um autêntico Kurosawa, para alguns o mais ocidental dos cineastas japoneses, que recorro para jogar luz sobre o conflito de relatos que ora vivemos na política e principalmente na mídia.

Rashomon (Japão, 1950), considerado por muita gente boa a obra-prima de Akira Kurosawa, é um filme que não discute de forma direta o jornalismo, mas é perfeito para discutirmos como a atividade é uma guerra de versões, um conflito de várias "verdades". Ele destrincha o estupro de uma mulher e o aparente assassinato de seu marido através dos relatos de quatro testemunhas, incluindo o estuprador e, por meio de um médium, o marido morto. As versões são contraditórias, deixando o espectador escolher qual é a verdadeira.

São, portanto, quatro histórias diferentes e excludentes. Se a história do estuprador for verdadeira, a da mulher não é, a de seu marido tampouco e a de um lenhador que passava pelo local idem. Quem começa a narrativa é o lenhador, que também é o primeiro a admitir que é mentira o que contara. Ele confirma a versão de um dos outros três - assista ao filme para saber de quem - sem, no entanto, convencer o espectador sobre a verdade daquilo. Afinal, quem mente uma vez perde a credibilidade sempre.

A discussão sobre o que é verdade - se é que ela existe - é o que faz de "Rashomon" um filme importante para jornalistas. Às vezes, para não dizer quase sempre, nos deparamos com uma guerra de relatos. Invariavelmente, escolhemos um deles. A escolha foi certa? Não sei. Existe uma escolha certa? Não sei.

19.8.09

Euclides da Cunha na Globonews foi ótimo

Assista ao ótimo especial que a Globo News está fazendo pelo centenário de morte de Euclides da Cunha.

9.8.09

Por dentro da democracia nas favelas

Ao longo de julho e dos primeiros dias de agosto, acompanhei lá no Globo a produção de uma série de reportagens, chamada "Democracia nas favelas", que vinha sendo preparada há quatro meses e começou a ser publicada a partir de hoje. Mais recente de uma trilogia que começou em 2007 (com "A ditadura nas favelas" e, em 2008, com "Favela S/A"), a série compara o momento que cinco favelas cariocas vivem - a retomada de alguns direitos, devido à ocupação dos morros por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) - com a redemocratização brasileira nos anos 1980.

Fiquei impressionado como os repórteres Carla Rocha, Fábio Vasconcellos, Selma Schmidt e Vera Araújo se entregaram à missão de acompanhar suas favelas (Cidade de Deus, Chapéu Mangueira, Santa Marta, Jardim Batam e Tavares Bastos), entrando nelas em dois momentos distintos. No início, foram às comunidades com o simples objetivo de observar. Olharam, conversaram com moradores, sentiram, para usar uma expressão da repórter Eliane Brum, da revista Época, o "cheiro" do lugar. Nessa primeira etapa, levaram suas próprias câmeras e fizeram fotos sobre o que viam. Depois, já com gravador, blocos e às vezes acompanhados dos fotógrafos, os quatro foram a campo descobrir histórias e realidades que dessem um retrato sobre o momento que vivem essas favelas.

Descobriram muita história boa. Tiveram, então, que enfrentar uma segunda etapa do trabalho, que foi juntar aquele monte de material e ver o que havia em comum entre as realidades vividas pelas cinco favelas. Os recortes foram definindo como seria cada dia da série, que se estende até o próximo sábado. Sugiro que todos se debrucem sobre as três páginas publicadas hoje na editoria Rio e vejam também o bonito ambiente online criado especialmente para a série. Para ficar com o gostinho, espie aí embaixo o lide da reportagem que abre o especial.

"O dia era 5 de outubro de 1988. Embalada por discursos emocionados - Ulysses Guimarães foi 54 vezes interrompido por aplausos -, nascia a nova Constituição brasileira. Mais um importante passo para a redemocratização, que começara a engatinhar três anos antes, com a saída do último general do poder. O país fez festa. Mas nem todos foram convidados. Somente no Rio, 1,5 milhão de habitantes de áreas dominadas pelo tráfico ou por milícias permaneceram excluídos dos seus direitos fundamentais. Agora, com 24 anos de atraso, moradores de cinco favelas vivem uma experiência histórica, que pode mudar o Rio. São as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que prometem expulsar o tráfico, resgatar o papel do Estado e garantir segurança 24h. O desafio é tão grande quanto foi o dos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar instituída em 64."

29.7.09

Relíquias - Mussum Day

Hoje faz 15 anos que morreu Mussum, o Trapalhão que disputava pau a pau com Zacarias o título de mais engraçado. No Twitter, foi criado a tag #mussumday (quando alguém posta alguma coisa sobre esse assunto, é só colocar #mussumday que os posts podem ficar reunidos num mesmo lugar), que logo se tornou um dos Trending Topics (tags mais usadas no dia) do microblog.

Para entrar na onda, aí vai uma seção Relíquias em homenagem a ele.

23.7.09

Diretor, se não há fantasia, o que é Harry Potter?

No domingo passado, foi publicada pela Folha uma entrevista com o diretor de TV Roberto Talma (exclusiva para assinantes), que tem nas costas 40 anos de Globo, e que agora comanda o núcleo infantil da emissora. Talma, que lançou na segunda-feira a série Ger@al.com, disse não ver mais espaço para a fantasia na televisão, pois seria impossível concorrer com "emissoras de merda que só mostram desgraça". Leia um trecho de uma de suas respostas:

"O que acontece é o seguinte: que novela você tem que fazer para suplantar aquele menino que sequestra a namorada, a amiga da namorada, fica durante uma semana cercado de policiais com 500 mil pessoas, dão um microfone para esse analfabeto de merda e ele se torna ídolo? O que você tem que colocar para brigar contra isso? Com essa realidade dura, crua e nojenta que nós temos no Brasil? Quer dizer, no mundo inteiro é assim. Torna-se inviável!"

Deixa eu ver se entendi. Quer dizer que a realidade está vencendo a fantasia? Para captar a audiência das crianças seriam necessários desenhos com chacinas, sequestros e traficantes atirando?

Ok. Então Talma poderia responder por que a série de livros e filmes do Harry Potter fazem tanto sucesso com crianças. Ou dizer por que Ziraldo ainda é um dos principais sucessos das bienais de livros e Mauricio de Sousa é o ás dos quadrinhos infantis. Ou, para ficar no assunto TV, Talma poderia explicar por que, na programação do Cartoon Network, ainda fazem sucessos desenhos simples como Tom e Jerry, Scooby Doo e Bob Esponja.

Eu poderia ficar horas enumerando produtos culturais cheios de fantasia feitos para crianças e que dão muita audiência. Já a programação infantil da Globo, com seus terríveis Turma do Didi, TV Globinho e afins, poderia admitir que perdeu a mão.

16.7.09

Três motivos para se orgulhar de Besouro

Ver o trailer de Besouro, filme sobre o capoeirista que virou mito no sertão baino, e que será lançado em outubro, me deixou feliz por três motivos. Primeiro, por ver como estamos fazendo bons trailers no Brasil. Segundo, por ver como estamos variando na temática de nossos filmes e, ao mesmo tempo, contando partes da nossa história - a escravidão - e divulgando a nossa cultura - a capoeira. Terceiro, pelo filme ser de um gênero quase inédito no nosso país, o cinema de ação.

Assista ao trailer e regozije-se você também do filme de João Daniel Tikhomiroff.



Leia sobre os urubus-malandros

15.7.09

Contando histórias de guerra

Um dia, mexendo em caixotes no escritório do pai, o filho caçula de Lourival Sant'Anna, repórter do Estadão que falou sobre cobertura de guerra no IV Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), encontrou um capacete do Exército americano. A peça foi trazida como lembrança da Guerra contra o Iraque, coberta por Lourival. Curiosa, a criança perguntou: "Você vai para as guerras, né? Isso é para te proteger, para você não levar tiro?". Ele, então, tentou explicar ao filho a natureza da profissão: "Não, filho, eu não sou soldado. O papai está lá para contar histórias. Ninguém atira em mim".

Em 23 anos de jornalismo, ele contou histórias de conflitos na Irlanda do Norte, Colômbia, Palestina, Afeganistão, Iraque, Líbano, Kosovo e Geórgia, todas pelo Estado de S. Paulo. As reportagens podem ser lidas no ótimo site www.lourivalsantanna.com, em que ele compila todo o material que produziu como correspondente. No congresso, ele comentou a cobertura da Guerra da Geórgia, usando-a como exemplo para enfatizar quão importante é para o jornalista estar no lugar para entender o que separa dois povos:

"É importante até viver na pele o ódio para entender melhor aquilo".

Lourival em tanque na Guerra da Geórgia (Foto do acervo pessoal de Lourival)







O "viver na pele" a que se refere teve seu ponto alto quando ele quase foi morto três vezes, num mesmo dia. Ao ser abordado por milicianos ossétios, ouviu a frase que, para ele, mostrou como aquela experiência que vivia tinha valor jornalístico: "Pensaram que você era georgiano."

O texto, próximo em muitos momentos do jornalismo literário, é fruto do que Lourival chama de "anotação fotográfica". Tira fotos e anota detalhes diversos para conseguir, depois, transpor o leitor para aquele lugar por meio da descrição hiperdetalhada. Foi assim que fez uma espécie de arqueologia da vida cotidiana do Líbano, depois da destruição de várias cidades do país, na guerra de 2006. Fotografava vestígios das vidas que existiam ali, como um óculos que permanece intacto, apesar de prédios inteiros terem sido destruídos.

Ver de perto a destruição não o impediu de perseguir a isenção.

"Nesse tipo de cobertura, você está focado no esforço de ver. É como a abertura deum texto que fiz na cobertura da Guerra do Líbano, em que escrevi que você deve aguçar a visão e a audição, e esconder o olfato. Só assim você não faz um texto tendencioso."

12.7.09

Todas as emoções

Para dar ainda mais intensidade à overdose de comemoração dos 50 anos de carreira de Roberto Carlos, aí vai a singela contribuição do Textos etc. Minha amiga Nathalia Fernandes, jornalista da Globo.com, fez uma edição de todos os especiais em que o Rei canta Emoções. Muito interessante ver a idade passando e a essência da voz de Roberto lá, intacta e ainda emocionando.

9.7.09

Relíquias: as notas e comentários de E.B. White

E.B. White foi um dos principais colaboradores da revista americana New Yorker ao longo do século XX. Era numa das mais famosas seções da publicação, “Notas e comentários”, que o jornalista (também autor de Stuart Little) criava seus textos mais interessantes. Curtos, mas muito bons. Uma edição especial para a Flip da excelente revista Serrote, do Instituto Moreira Salles, trouxe alguns desses textos traduzidos, e eu escolhi um para dividir com os leitores do Textos etc. Delicie-se.

Alma americana

Quando soube que o prêmio do National Arts Club seria destinado a um livro que “revelasse a alma da América”, um de nossos amigos mais queridos se sentou e começou a trabalhar. Ele tinha um bom enredo e parecia, pelo menos quando nos despedimos, muito interessado em passá-lo para o papel. Quando o reencontramos, um ou dois dias depois, ficamos surpresos ao saber que ele havia desistido do projeto. Aparentemente, ao ler no jornal pela primeira vez sobre o prêmio, achou que tinha visto 30 mil dólares; mais tarde, ele olhou de novo e descobriu que dizia 3 mil dólares. Fiel à alma da América, ele desistiu imediatamente.

6.7.09

Guimarães Rosa ou João Gilberto

Nada melhor para uma segunda-feira de ressaca pós-Flip do que as reminiscências desses últimos dias em Paraty. Primeiro, quero lembrar alguns pontos abordados por Chico Buarque e Milton Hatoum na mesa “Sequências brasileiras”, uma das melhores dos cinco dias do evento.

Chico acha que histórias e personagens literários podem ter uma força tamanha que os tornam capazes de se impregnar na vida pessoal do autor. Como exemplo, contou uma história vivida por Guimarães Rosa. Certo dia, andando na rua, veio à cabeça de Guimarães a ideia completa de um conto. Chegou em casa e viu que o conto certamente se tornaria um romance. Escreveu, escreveu, até que se viu a tal ponto absorto naquela história, cada vez mais intensa, que preferiu guardar na gaveta o que já havia escrito e deixar de lado o novo livro que começava. Semanas depois, foi acometido pela mesma doença que criara para o personagem de seu livro. Os mesmos sintomas, tudo igual. Depois de curado, passaram-se alguns meses e o romancista, passeando pelo interior de Minas Gerais, deu com um casarão idêntico ao que havia descrito no tal conto/romance.

Chico acha que sua perna quebrada no início do ano foi a herança que recebeu de Eulálio, personagem principal de Leite derramado que também quebra a perna.

Outro momento que vale lembrar foi quando Chico falou da influência de sua música em sua literatura. “Se a frase ou o parágrafo inteiro não estiver cantável, eu recuso”, disse. Depois, ainda sobre a relação entre música e literatura, e sobre o preconceito que as canções sofrem em relação a outros gêneros, Chico disse uma das frases com mais efeito da Flip: “Não sei se Guimarães Rosa teve mais importância do que João Gilberto”.

Também não sei, Chico.

5.7.09

Oficinas literárias em xeque*

Um artigo recente da revista americana New Yorker alfinetou os badalados cursos de creative writting, que se proliferam em progressão geométrica nos Estados Unidos, atraindo pessoas que vêem ali a oportunidade de se tornarem escritores. Hoje, terminou na Flip mais uma oficina literária, formato brasileiro que mais se assemelha aos cursos de escrita criativa americanos. Comandada pelo poeta Carlito Azevedo, a oficina de poesia desta edição da Flip atraiu 30 pessoas, selecionadas por currículo, que viram ali a chance de aprimorar técnicas ou mesmo aprendê-las do zero. Embora vejam virtudes nas oficinas, escritores mais experientes e até principiantes admitem que elas estão longe de conseguir transformar um não-escritor em escritor.

Professora aposentada, Maria de Lourdes Oliveira veio de Uberlândia para participar da oficina de Carlito. Autora do livro de poesia “50 gotas de óleo para minha Candeia”, lançado em 2002, Maria de Lourdes aprendeu na oficina da Flip, entre outros pontos, a importância de não se limitar na poesia contemporânea.

"Também reafirmei convicções que já tinha, como a importância de limpar o texto, da pontuação correta", diz, afirmando ser esta sua quarta experiência em oficinas, que considera extremamente úteis a quem está começando.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, o escritor catarinense Cristóvão Tezza, autor de O filho eterno, vê nas oficinas literárias uma chance para talentos começarem a ser lapidados. Professor de uma oficina de produção de texto técnico em Curitiba, Tezza as encara como uma porta para que novos escritores enxerguem dimensões até então desconhecidas da literatura:

"É impossível, no entanto, formar um escritor ali, até porque ele se faz sozinho, independe de aulas ou desse tipo de exercício".

Tatiana Salem Levy, autora de A chave de casa, concorda que oficinas literárias não formam ninguém. Acha, porém, que a participação é válida, por ensinar algumas técnicas, como a variação de pontos de vista numa mesma narrativa, e por permitir que sejam lançados olhares diversos sobre o seu texto:

"Submeter o que você está escrevendo a outras pessoas é muito importante, essa criação em grupo que a oficina permite é legal".

Quanto a eventuais vícios que uma oficina possa impregnar em um principiante, a melhor vacina, recomenda, é o tempo, que fará o verdadeiro escritor quebrá-los.

Proposta diferente bastante divulgada na Flip deste ano é a do escritor mexicano Mario Bellatin, que coordena a Escola Dinâmica de Escritores, no México. Lá, segundo Bellatin, ele estimula diversas formas de expressão artística, exceto por meio da escrita:

"Não se aprende a escrever dentro de uma escola, até porque isso pode padronizar os textos. O que eu proponho lá é que as pessoas tenham contato com formas diversas de arte para que só escrevam quando a inspiração realmente vier. É muito mais benéfico".

* Publicado originalmente em www.oglobo.com.br

4.7.09

Conti e os dez anos de "Notícias do Planalto"

Gay Talese talvez não saiba, mas hoje terá ao seu lado o autor de um livro com o mesmo peso para a imprensa brasileira que o seu “O reino e o poder”, sobre a história do “New York Times”, teve para a americana. Atual diretor de redação da revista “Piauí”, Mario Sergio Conti (ao lado, na foto de André Teixeira) escreveu há exatos dez anos “Notícias do Planalto”, livro em que destrincha, também com recursos do jornalismo literário, a relação de Fernando Collor com a imprensa, em sua eleição e no impeachment. Com 70 mil exemplares vendidos, a obra despertou mais iras do que amores, ao dar nomes e detalhar situações que contribuíram para que houvesse na imprensa brasileira um ambiente claramente favorável ao ex-presidente.

Para comemorar a data, a Companhia das Letras lançará uma nova edição, de bolso, acompanhada de um posfácio, em que Conti rebaterá críticas feitas ao livro, além de contar em que redações – ou comissões do Senado – estão alguns dos personagens principais daquela história. Em entrevista para mim, ele analisa o que mudou na relação entre imprensa e poder ao longo da década, conta por que saiu da revista “Veja”, publicação que dirigiu durante anos, e dá sua visão sobre a nova escalada do sorridente e outrora carismático Fernando Collor.

Leia a entrevista completa no site do Globo.

Tudo por Chico


Ontem, durante a mesa "Sequências brasileiras", que juntou Chico Buarque e Milton Hatoum, uma cena absurda deixou os seguranças da Tenda do Telão sem saber o que fazer, mas foi a imagem que melhor traduziu o sucesso que a dupla fez. Um homem, embriagado não se sabe se pela bebida ou se pelo afã de ver Chico, escalou a estrutura metálica da tenda e se postou cerca de três metros acima do público. Teve, sem dúvida, visão privilegiada. Ao fim da mesa, porém, foi levado pelos seguranças para o posto policial montado próximo às tendas.