29.3.09

Nem mocinhos nem vilões

Passadas quatro décadas e meia do Golpe Militar de 1964, ainda há material histórico a ser descoberto, situações a ser esclarecidas e muitas experiências esmiuçadas em relação aos 21 anos do período militar. Isso ficou provado nos últimos dias com a série de revelações feitas pelos repórteres Bernardo Mello Franco e Evandro Éboli, da sucursal do jornal O Globo em Brasília. A dupla se debruçou sobre as atas das reuniões do Conselho de Segurança Nacional, liberadas quase na íntegra pelo governo, e, entre outras coisas, descobriram como o ditador Costa e Silva se opôs momentaneamente ao endurecimento do regime, pleiteado pelos oficiais da chamada linha dura.

Hoje, Bernardo Mello Franco faz, na matéria de capa do jornal, outra revelação que, se confirmada, pode manchar a biografia de um dos mais importantes homens públicos que o Brasil teve na segunda metade do século passado. Leonel Brizola, segundo arquivos secretos do extinto Serviço Nacional de Informação (SNI), teria recebido propina de empresas de ônibus e bicheiros.

Há que se usar o bom senso na análise dessas novidades históricas e evitar a compreensiva e maniqueísta tendência que todos nós temos de julgar como mocinhos ou vilões personagens históricos. Nem Brizola nem Costa e Silva têm biografias que possam vestir essa carapuça.

26.3.09

Cinema é a melhor parte do noticiário

O noticiário de cinema é um dos mais surpreendentes atualmente, já que a política não desempenha mais essa tarefa com talento (pensando bem, é até arriscado dizer isso com os políticos que temos). Mas veja se não concorda: acabei de chegar em casa, cansado, e, como forma de relaxar, fui dar uma olhada no Google Reader (para quem ainda não conhece, clique aqui), e me deparo com as seguintes manchetes, publicadas hoje na seção de Cinema do G1:

1) Nicole Kidman, Antonio Banderas e Freda Pinto (protagonista do ótimo Quem quer ser um milionário?) vão estrelar filme de Woody Allen
2) Jim Carrey, Sean Penn e Benicio Del Toro serão Os Três Patetas em nova versão
3) Titanic vai voltar aos cinemas em versão 3D digital

Comentando rapidamente cada uma das notícias:

1) Diane Keaton, Mia Farrow, Scarlet Johanson. Acho Nicole Kidman meio estranha no ninho das Woody girls, não acham? // Bela tacada de marketing convidar a linda Freda Pinto.
2) Não há a mínima chance de eu assistir Jim Carrey fazendo comédia. Não vou conseguir prestar atenção no filme, pensando que, a qualquer momento, ele pode imitar um bicho, contar as piores piadas da história do cinema ou fazer uma daquelas caretas detestáveis. Pena gastarem o tempo de um excelente ator como Sean Penn.
3)Titanic foi a maior bilheteria da história do cinema. Foi, pretérito perfeito do indicativo. Já era, já passou. Faz alguma coisa nova - e interessante - aí, James Camerom!

18.3.09

Textosetcetianas homenageia Clodovil

Ok, ok, eu admito que invento umas seções aqui no blog e depois ignoro completamente que elas existem. A pobre da Textosetcetianas, que deveria escolher todo mês um artista plástico cuja obra serviria como layout para o blog, é o maior exemplo. Tentando achar uma desculpa: como em fevereiro estivemos em merecidas férias, este mês ela volta em edição extraordinária, para homenagear o estilista-apresentador-deputador-gay-mor Clodovil Hernandez. Clô, para os íntimos (que eu, graças ao bom Deus, não era). Quem melhor para homenageá-lo do que uma das mais coloridas artistas plásticas contemporâneas?

Beatriz Milhazes, cujos quadros são verdadeiros carnavais caleidoscópicos, explodiu nos anos 90, apesar de ter sido uma das participantes da mítica Como vai você, Geração 80?, exposição da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio) realizada em 1984 e responsável por lançar alguns dos principais artistas plásticos brasileiros dos últimos 25 anos. O auge de Milhazes foi quando uma de suas telas (O Mágico, pintada em 2001) alcançou, em maio do ano passado, num leilão da casa Sotheby’s, em Nova York, US$ 1,049 milhão. Ela bateu o próprio recorde: sua tela Laranjeiras (2002/2003) havia sido vendida por US$ 465 mil em leilão da Christie’s, em Londres, em outubro de 2007.

O quadro escolhido para compor o layout do Textos etc (assinantes, só entrando no site para ver) foi o Noites de verão.

No site da galeria Fortes Vilaça, de São Paulo, encontrei um bom texto, que resume do ponto de vista artístico o trabalho de Milhazes. Reproduzo-o abaixo, aproveitando para indicar o livro Arte brasileira contemporânea - Um prelúdio (Silvia Roesler Edições de Arte), do crítico Paulo Sérgio Duarte, um ótimo guia para quem está perdido nas rápidas (e, muitas vezes, efêmeras) mudanças na arte contemporânea brasileira. Bom, aí vai o texto sobre ela:

A cor é um elemento estrutural na obra de Beatriz Milhazes. Seu repertório inclui questões relativas à abstração geométrica, ao carnaval e ao modernismo, assim como ao concreto e ao neoconcreto brasileiros, à op e pop art. Beatriz pinta flores, arabescos, alvos e quadrados sobre uma superfície de plástico, para depois transferi-los para a tela. Nas colagens, sobrepõe camadas de cor utilizando-se de papéis de bala e sacolas de compras, criando uma harmonia de excessos, cujo impacto pictórico espelha a sua pintura.

14.3.09

P-o-r d-e-n-t-r-o d-o S-o-l-e-t-r-a-n-d-o

Enfileirados como os sete filhos do capitão Von Trapp, do filme A noviça rebelde, os 27 novos participantes do Soletrando, quadro de soletração do programa de Luciano Huck na TV Globo, entraram no estúdio E do Projac, no último dia 6, para uma maratona de gravações que também se estenderia pelo dia seguinte e só hoje, dia 14, reestrearia sua terceira edição. As 18 meninas e os nove garotos ficaram em formação de time de futebol e, conversando com o apresentador, disseram não estar nem um pouco nervosos.

Se eles não estavam nervosos, o mesmo não se pode dizer do estado de espírito do resto da produção, que, pouco antes, preparava tudo para a entrada deles. Luciano reclamava com o DJ My Boy e com a produção, sobre o som que não havia entrado com o vídeo de apresentação dos meninos, enquanto recebia a cantora Sandy, recém-formada em Letras e pronta para ajudar os participantes do quadro a escolher entre o “s” e o “ç” (embora ela admita que não brincou muito de soletração na época do 'abre a porta, Maria Chiquinha'). "Sou amigo de toda a família de Sandy, e com cada um tenho assuntos diferentes. Meus papos com ela são sempre os mais intelectualizados", diz um entusiasmado Luciano Huck.

Outro recebido pelo apresentador foi o encarregado de escolher as palavras que serão soletradas, o professor Sérgio Nogueira, que destacou a inclusão das regras da reforma ortográfica como a grande novidade do Soletrando 2009. Entre as que tiveram a grafia modificada, as únicas das eliminatórias, não estarão aquelas cujas regras de ortografia estão em aberto, como o caso de algumas palavras hifenizadas.

O esquema de superprodução da gravação do Soletrando fez parecer que o quadro é um programa isolado, já que o cenário é especialmente montado, um pouco diferente daquele que, todo sábado, está no Caldeirão do Huck. É claro que muita coisa é parecida. O Russo também é assistente de palco, o Luciano também fala dos patrocinadores e, como todo programa que tem plateia, também agradece aos heróis que se deslocam de lugares como Santíssimo, Olaria e Nilópolis para chegar ao Projaquistão (brincadeira que se costuma fazer com a distância dos estúdios da TV Globo).

Outra curiosidade dos bastidores: esses heróis que partem de todo o Rio são entretidos pelo dançarino Fly, antes de Luciano entrar em cena. O aquecimento do público inclui um concurso entre meninas que se candidatam para dançar funk, e entrar na briga por uma camisa do programa, além de vários ensaios para que todos saibam de cor os gritos de guerra que em breve deveriam entoar.

O grupo de alunos é formado por representantes de seus respectivos estados, escolhidos após seletivas regionais entre 2.189 escolas. Depois das 13 semanas de disputa, haverá uma homenagem a Monteiro Lobato, com a doação da obra completa do escritor para as bibliotecas das escolas dos alunos participantes. O autor de Reinações de Narizinho também emprestará seu nome para um troféu dado ao vencedor. Este aluno levará ainda uma bolsa de R$ 100 mil para ajudar seus estudos.

No lançamento da nova edição do quadro, Luciano Huck aproveita para rebater algumas críticas que recebeu nas edições anteriores, como o risco do programa espalhar a ideia de que soletrar é a melhor forma de se alfabetizar.

"O Soletrando é um jogo que entretém e também ajuda a educar. Existem várias outras formas mais modernas de se alfabetizar, e esta, definitivamente, não é a função do programa", diz.

9.3.09

Estava demorando

Demorou, mas a crise chegou com força total na cultura. Tim Festival periga de acabar, Oi Noites Cariocas em 2010 já era, Orquestra Petrobras Sinfônica está com salários atrasados e assim deverá permanecer até abril, Armazém Companhia de Teatro quase na mesma, Cia. de Dança Deborah Colker também no chá de cadeira à espera da mãe Petrobras.

Os exemplos são vários, país afora, e mostra como a farinha pouca obriga outros departamentos das grandes empresas a roubar o pirão do marketing cultural. Triste é pensar no possível fim de tradicionais e importantes eventos como o Tim Festival, antigo Free Jazz, que, desde 1985, totalizou pelo menos 22 edições (em 2002, durante a transição do patrocínio da Souza Cruz para a Tim, não houve o festival). Sem um festival de rock que lhe substitua, visto que o Claro que é rock não foi pra frente, o Tim Festival vai aprofundar o abismo em que os festivais musicais (festivais?) da cidade se encontram.

Idem para o Oi Noites Cariocas, que, depois de cair do Morro da Urca para o Píer Mauá, deve cair de vez. Sucesso também nos anos 80, comandado pelo multimídia Nelson Motta, quando era simplesmente Noites Cariocas, o festival havia voltado sob a batuta inteligente do marketing cultural da antiga Telemar. Agora, parece que a operadora não vai conseguir manter a ligação. A linha está ocupada.

Se quem canta, os males espanta, o mesmo pode não acontecer com quem dança. Débora Colker, a mais famosa coreógrafa brasileira, que deve estrear em breve a única atração de 2009 do Cirque de Soleil, concebida e dirigida por ela, também está na lista dos que correm o risco de perder o mãetrocínio da estatal. Ainda há esperança no fim do túnel (túnel?), pois só na sexta passada, com a divulgação dos R$ 33,91 bilhões de lucro, a Petrobras começou o cálculo de quanto sobrará para os incentivos.

"Temos 21 anos de parceria com a Petrobras. Entendemos o fato de que ela precisou de mais tempo para elaborar seus contratos, neste cenários de crise mundial", tentou contemporizar o maestro assistente e oboísta da Petrobras Sinfônica, Carlos Prazeres, em entrevista ao Globo hoje.

Com tantas ameaças, dentro e fora da esfera cultural, o jeito, meu caro amigo, é apertar a reza, confiar em Santo Antônio e torcer para que, além da nossa diversão, sejam poupados o meu, o seu, o nosso emprego.

Obs.: Este é o primeiro post do ano sobre política cultural, a nova seção do blog. Sugestões para novos posts são pra lá de bem-vindas.

3.3.09

A sala de aula na sala de cinema

Quase um ano depois de uma Palma de Ouro em Cannes e duas semanas depois de uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Entre os muros da escola chega no próximo dia 13 às telas do Rio. O filme, dirigido por Laurent Cantent, mostra o cotidiano de uma sala de aula do subúrbio francês, marcado pela diversidade étnica e pela tensa relação entre professores e alunos.

Mais que a hetereogeneidade étnica, o tema central da história é a situação limite a que podem ser expostos professores e alunos dentro da sala de aula. A rebeldia dos estudantes, extremamente críticos em relação ao ambiente escolar e ao processo educacional, misturada ao desrespeito recíproco de professores e alunos, cria um barril de pólvora educacional.

Permeado de discussões éticas e pedagógicas, o filme e o diretor também foram premiados com o César 2009, considerado o Oscar francês. O sucesso é um pouco desproporcional, porque o filme não é tudo isso, mas vale a pena ser visto pelas discussões éticas que suscita.