22.8.09

Último dia da Virada Russa

Sai de cartaz neste domingo a melhor exposição de artes plásticas atualmente no Rio, a Virada Russa, com pinturas, esculturas e outras peças da Vanguarda Russa, todas vindas do Museu Estatal de São Petesburgo. Exposta no Centro Cultural Banco do Brasil, a mostra expõe diversas diretrizes de renovação que surgiram no início no século XX na Rússia, país que, além do desejo de transformação artístico, comum a outros estados europeus, vivia também uma intensa trasnformação política e social, por conta da Revolução.

O ímpeto de renovação bebe às vezes na rica tradição folclórica russa, às vezes em temas úteis ao regime soviético, aproximando-se de um caráter propagandístico. Mas fique tranquilo que você não verá apenas aqueles (lindos) cartazes de homens com braços esticados e camponeses com enxadas à la MST, pois as obras da exposição passam por diversos movimentos da época, como o futurismo, neoprivimitismo, cubo-futurismo, sim bolismo e construtivismo.

Estudar a produção daquela época, exposta no CCBB do Rio e em breve no de São Paulo, ainda é uma tarefa importante, já que o acesso às obras foi dificultado pelo stalinismo, que impôs o realismo socialista como estética oficial do regime soviético.

São 123 obras, entre telas, cartazes, esculturas e figurinos, que fundam de certa forma a arte moderna. Destaque, na minha opinião, para as obras de Vassilir Kandinski (na foto ao lado, você vê São George), um dos meus pintores abstratos favoritos, que está representado na exposição, porém, por obras que foram ponto de partida para o que ele desenvolverá mais tarde.

20.8.09

Kurosawa e as versões de Dilma e Lina

No momento em que a guerra de versões entre a ministra Dilma e a ex-secretária da Receita Lina Vieira está no auge, nada melhor do que o cinema para acenar com a bandeira branca da paz. Mas como nem só de blockbuster se vive, é a um autêntico Kurosawa, para alguns o mais ocidental dos cineastas japoneses, que recorro para jogar luz sobre o conflito de relatos que ora vivemos na política e principalmente na mídia.

Rashomon (Japão, 1950), considerado por muita gente boa a obra-prima de Akira Kurosawa, é um filme que não discute de forma direta o jornalismo, mas é perfeito para discutirmos como a atividade é uma guerra de versões, um conflito de várias "verdades". Ele destrincha o estupro de uma mulher e o aparente assassinato de seu marido através dos relatos de quatro testemunhas, incluindo o estuprador e, por meio de um médium, o marido morto. As versões são contraditórias, deixando o espectador escolher qual é a verdadeira.

São, portanto, quatro histórias diferentes e excludentes. Se a história do estuprador for verdadeira, a da mulher não é, a de seu marido tampouco e a de um lenhador que passava pelo local idem. Quem começa a narrativa é o lenhador, que também é o primeiro a admitir que é mentira o que contara. Ele confirma a versão de um dos outros três - assista ao filme para saber de quem - sem, no entanto, convencer o espectador sobre a verdade daquilo. Afinal, quem mente uma vez perde a credibilidade sempre.

A discussão sobre o que é verdade - se é que ela existe - é o que faz de "Rashomon" um filme importante para jornalistas. Às vezes, para não dizer quase sempre, nos deparamos com uma guerra de relatos. Invariavelmente, escolhemos um deles. A escolha foi certa? Não sei. Existe uma escolha certa? Não sei.

19.8.09

Euclides da Cunha na Globonews foi ótimo

Assista ao ótimo especial que a Globo News está fazendo pelo centenário de morte de Euclides da Cunha.

9.8.09

Por dentro da democracia nas favelas

Ao longo de julho e dos primeiros dias de agosto, acompanhei lá no Globo a produção de uma série de reportagens, chamada "Democracia nas favelas", que vinha sendo preparada há quatro meses e começou a ser publicada a partir de hoje. Mais recente de uma trilogia que começou em 2007 (com "A ditadura nas favelas" e, em 2008, com "Favela S/A"), a série compara o momento que cinco favelas cariocas vivem - a retomada de alguns direitos, devido à ocupação dos morros por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) - com a redemocratização brasileira nos anos 1980.

Fiquei impressionado como os repórteres Carla Rocha, Fábio Vasconcellos, Selma Schmidt e Vera Araújo se entregaram à missão de acompanhar suas favelas (Cidade de Deus, Chapéu Mangueira, Santa Marta, Jardim Batam e Tavares Bastos), entrando nelas em dois momentos distintos. No início, foram às comunidades com o simples objetivo de observar. Olharam, conversaram com moradores, sentiram, para usar uma expressão da repórter Eliane Brum, da revista Época, o "cheiro" do lugar. Nessa primeira etapa, levaram suas próprias câmeras e fizeram fotos sobre o que viam. Depois, já com gravador, blocos e às vezes acompanhados dos fotógrafos, os quatro foram a campo descobrir histórias e realidades que dessem um retrato sobre o momento que vivem essas favelas.

Descobriram muita história boa. Tiveram, então, que enfrentar uma segunda etapa do trabalho, que foi juntar aquele monte de material e ver o que havia em comum entre as realidades vividas pelas cinco favelas. Os recortes foram definindo como seria cada dia da série, que se estende até o próximo sábado. Sugiro que todos se debrucem sobre as três páginas publicadas hoje na editoria Rio e vejam também o bonito ambiente online criado especialmente para a série. Para ficar com o gostinho, espie aí embaixo o lide da reportagem que abre o especial.

"O dia era 5 de outubro de 1988. Embalada por discursos emocionados - Ulysses Guimarães foi 54 vezes interrompido por aplausos -, nascia a nova Constituição brasileira. Mais um importante passo para a redemocratização, que começara a engatinhar três anos antes, com a saída do último general do poder. O país fez festa. Mas nem todos foram convidados. Somente no Rio, 1,5 milhão de habitantes de áreas dominadas pelo tráfico ou por milícias permaneceram excluídos dos seus direitos fundamentais. Agora, com 24 anos de atraso, moradores de cinco favelas vivem uma experiência histórica, que pode mudar o Rio. São as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que prometem expulsar o tráfico, resgatar o papel do Estado e garantir segurança 24h. O desafio é tão grande quanto foi o dos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar instituída em 64."