Do texto de Ruy Castro, na Folha desse domingo (íntegra é exclusiva para assinantes), sobre Carmem Miranda, a cantora que faria cem anos hoje e que foi muito mais do que a chica dos turbantes e frutas na cabeça que enlouqueceu Hollywood:
De setembro de 1929 a maio de 1939 (com direito a uma curta prorrogação em setembro de 1940), Carmen Miranda gravou 281 músicas no Brasil, em discos avulsos de 78 rpm -uma música por face, como se dizia. Se na época já existisse o álbum convencional de 12 faixas, isso equivaleria a 23 LPs -mais de dois por ano, durante dez anos. Se se fizer os cálculos baseados nas avaras possibilidades dos 78s, Carmen lançou uma média de 2,5 músicas por mês, todo mês, chovesse ou fizesse sol, durante aqueles dez anos. Nenhuma outra cantora brasileira, antes, durante ou depois, chegou perto de tais números - até hoje.
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Mas, mais do que isto, Carmen levou um jeito novo de cantar -esperto, moleque, malicioso- em oposição ao "sentimento" ou "sinceridade" dos outros cantores. Com um drible de língua, podia-se ouvi-la sublinhar certas palavras ou extrair conteúdos insuspeitos de um verso.
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Mas o poder da máquina é arrasador. Quando Carmen foi trabalhar nos Estados Unidos, teve de deixar para trás seu grande instrumento de trabalho -as sutilezas da língua portuguesa- e trocá-lo por sua graça como dançarina e comediante e limitar seu repertório a músicas mais simples, como "Mamãe Eu Quero" e "Touradas em Madri". Em Hollywood, por imposição da indústria, os turbantes, os balangandãs e as saias só fizeram crescer. Nada de mal nisso -mas esta foi a Carmen que o mundo passou a conhecer e que, ironicamente, o Brasil também pôs no lugar da cantora que tinha quebrado tudo.
Mas a relíquia em questão, garimpada nos porões do Youtube, é o documentário Carmen Miranda, de 1969, dirigido por Jorge Ileli. O anúncio pelo Repórter Esso de sua morte e a comoção gerada pela notícia são o ponto de partida de Ileli. Divirta-se com o filme, dividido em duas partes.
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