"Meus pais e irmãs tinham saído e você estava varrendo a sala quando eu e o Adalberto demos o bote. Não lembro qual foi o nosso papo, mas imagino que tenha sido a coisa mais ridícula do mundo. Pedimos, insistimos sem parar para que você “desse” para nós. (…) Lembro de poucos detalhes. Você não queria, mas por força da nossa insistência acabou cedendo. Sinto ódio do Brasil quando penso que você provavelmente tivesse medo de perder o emprego."
O texto acima faz parte da coluna mensal que o cineasta Henrique Goldman assina para a revista Trip. Em setembro, ele assinou o texto Carta aberta a Luísa, em que confessa e pede desculpas à empregada que estuprou junto com um colega quando tinha 14 anos. Numa espécie de catarse, ele termina o texto da seguinte forma:
"Espero que você esteja bem. Espero que para você a memória daquela tarde não seja tão ruim e que você hoje possa rir do que aconteceu."
Já tinha lido o texto de Goldman antes de ler o comentário indignado de Carla Rodrigues, jornalista bastante engajada na luta pelos direitos humanos e, em especial, das mulheres. Mas o blog de Carla me fez ver o quanto aquilo era ainda mais nojento que parecia, tanto da parte do autor quanto da Trip.
Além da clara escrotidão, a posição da Trip, que após polêmica sobre o texto alegou ser um conteúdo fictício, também foi repugnante. A revista publicou uma nota no site pedindo desculpas por não ter informado o caráter fictício na versão impressa e também pela nota biográfica sobre Henrique (notas biográficas são aquelas duas linhas que vêm depois de artigos, informando quem é o autor, o que ele faz etc.). A nota pela qual a revista pede desculpas diz que Henrique, com o tempo, aprendeu a "ser mais jeitosinho com as mulheres".
Com a hipocrisia de lado, deixemos claro, então, que não há evidências que provem ser o texto fictício. Uma revista experiente como a Trip, editada por jornalistas talentosíssimos, não comete erros primários como esquecer de dizer que um determinado texto é uma ficção. E os leitores que ignoram a internet, que não acessam ou sequer se indignaram com o que leram? Esse "erro" foi reforçado o machismo, a discriminação de classe, e de cor, já que a maioria das empregadas domésticas brasileiras são negras e pobres.
Mesmo que o texto seja realmente fictício, a visão presente nele, de que o estupro teria um lado sociológico, de submissão da mulher, é errada, pois isso vai além de qualquer gilbertofreyrianismo. É falta de caráter.
Para assinar a petição que pede à revista Trip a publicação de carta de protesto contra o texto, clique aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário