1.2.09

Como crianças num carrossel

A metrópole e a vida mental, um ensaio de 1903 do sociólogo alemão Georg Simmel, é perfeito para se ampliar uma das discussões subjacentes ao filme O lutador, que estreia no próximo dia 6 de fevereiro. A história gira em torno de Randy "Carneiro" Robinson (interpretação impecável que rendeu uma indicação ao Oscar e o Globo de Ouro de melhor ator a Mickey Rourke, o galã anos 80 de 9 1/2 semanas de amor), um lutador de meia idade decadente, que já fez muito sucesso, mas agora enfrenta as consequências de uma vida desregrada e é impedido de continuar lutando.

Embora o ingresso valha por diversos outros motivos, como o bom retrato que faz de ex-famosos que não conseguem lidar com a distância dos holofotes, o que mais me impressionou no filme foi a brutalidade das cenas de luta livre, que mostram uma carnificina à la Paixão de Cristo (não o evento religioso, mas o filme de Mel Gibson). E é nesse ponto que me lembrei do ensaio de Simmel, que fala das consequências da vida na metrópole sobre o indivídio, e explica como, para conseguir viver em grandes cidades, o homem vai aos poucos anestesiando-se e incorporando como naturais diversas experiências que vive. Aplicada ao cinema e aos meios audiovisuais em geral, a idéia de Simmel nos faz pensar como sucessivas cenas de violência e carnificina de filmes como Paixão de Cristo, Silêncio dos Inocentes, Tropa de Elite, acabam por acostumar o espectador, que passa a se chocar cada vez menos com esse tipo de imagem.

Nas cenas de briga de O lutador - muito bem filmadas por Darren Aronofsky -, os adversários usam grampeadores uns nos outros, cortam-se com giletes para aumentar a quantidade de machucados no rosto e enfiam arames farpados na pele para rasgar o tecido e fazer jorrar ainda mais sangue. É impossível evitar o desconforto na cadeira do cinema ou deixar de ouvir as expressões de incredulidade da parte da plateia que ainda não se anestesiou e se questiona como pode existir aquilo.

Na verdade, a razão para entender por que dois homens sobem num ringue e perdem litros de sangue enquanto se flagelam, ou ainda para entender como pode existir público que aplaude uma atrocidade dessas, é respondida numa frase de Randy "Carneiro" Robinson. Ao ser alertado pela stripper Cassidy de que poderia infartar caso entrasse novamente numa luta, Randy responde que ele só se machuca de verdade quando sai do ringue.

A beleza do filme está em mostrar como isso, que para muitos é uma selvageria, é tão humano quanto o sobe-e-desce de crianças num carrossel. A barbaridade de grampos pregados na carne e tecidos rasgados é a forma de vida escolhida por esses gladiadores contemporâneos. Às vezes, quem sabe, pode realmente ser menos dolorosa.

2 comentários:

Fernanda Maria disse...

olha...curti muiuto seu blog..adorei o visual as imagens e esse post é muito bom, deu vontade de ver o filme agora hehehe
Legal,gostei mesmo..
Abraço e inte mais

Guilherme Amado disse...

Obrigado pelo elogio, Fernanda. Volte sempre. E veja o filme, que é bem bacana!