Ano passado, por conta do Dia das Mães, fiz um podcast, o primeiro do Textos etc, sobre a música Mrs. Robinson, tema do filme A primeira noite de um homem. Este ano, a ideia do post deste domingo veio graças ao acaso. Comprei na sexta o DVD do meu filme favorito, Sonata de Outono, do Ingmar Bergman. Sonho antigo, eu bestamente não o concretizava. Ontem, aproveitei um súbito impulso consumista – cada vez mais comum, infelizmente – e paguei 50 reais pelo filme.
Há muito falava com minha mãe sobre o filme, como faço, aliás, sempre que posso. Divulgar a existência de Sonata de Outono é amenizar a ira divina e facilitar a entrada no céu. Aproveitei o gancho do Dia das Mães e a presenteei com o filme. Atitude cretina, já que é claro que ela sabe que eu, na verdade, o comprei para mim. Mas tudo bem. Ser mãe é perdoar esse tipo de canalhice.
Ontem, eu, ela e minha irmã o assistimos juntos, coisa que fazemos cada dia menos, derrotados que somos, cada dia mais, por nossos compromissos individuais. Filme estranho de se ver com mãe. Quem já viu o filme sabe do que falo.
Sonata de Outono é a mais genial representação do potencial emotivo que existe na relação entre mãe e filha. É impressionante como, tanto no cinema, com Ingrid Bergman no papel da mãe Charlotte e Liv Ullmann no da filha Eva, quanto no teatro, com Marieta Severo no papel de Charlotte e Andréa Beltrão no de Eva, o texto de Bergman – que também era dramaturgo – é bem-sucedido no mergulho que faz, por meio de uma forte carga dramática e habilidosa sondagem psicológica, na alma torturada de uma filha tão carente do primeiro e mais importante – e também mais forte – amor que recebemos na vida.
O clímax do texto pode ser sintetizado pela seguinte fala de Eva, numa cena de close típica do diretor sueco, com Liv Ullmann em segundo plano, falando, e Ingrid no primeiro, ouvindo o monólogo da filha, meio em tom de desabafo, meio em tom de punhalada:
- Mãe e filha. Que mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição. Tudo é possível e tudo se faz por amor e preocupação. As cicatrizes da mãe são passadas para a filha. As falhas da mãe são pagas pela filha. A infelicidade da mãe é a infelicidade da filha. Parece que o cordão umbilical nunca foi cortado. É isso? É isso? Será que a infelicidade da filha é o triunfo da mãe? Mamãe, será que a minha tristeza é a sua satisfação secreta?
No cinema, o papel da mãe que abandonou as duas filhas para tocar a carreira de pianista é uma interpretação impecável de Ingrid Bergman, cuja vida pessoal certamente deve ter contribuído para que ela alcançasse o tom da personagem. Como Charlotte, que na história teria sido uma mulher infiel e uma mãe extremamente ausente, Ingrid deixou o marido e a filha pequena para ir viver com Roberto Rossellini.
Disse que é um filme estranho de se assistir com mães porque é claro que todas se comparam com Charlotte. Devem fazer freudianos questionamentos do tipo “Fui realmente uma boa mãe?”, “Será que fiz isso com os meus?”, “Também os abandonei, como Charlotte?”
Aqui em casa, é um filme que pode ser visto a qualquer dia, até porque minha mãe foi o oposto da personagem escrita por Bergman – e isso não é papo de Dia das Mães. Mas, sejamos francos, não é filme a que todos possam assistir num dia como hoje, em que a família se reúne e é altíssima a chance de, como no Natal, voar rabanada. A catarse pode esperar um dia mais light.
Se bem que, quem sabe, dependendo do grau de dificuldade da sua relação com sua mãe, o filme até pode ajudá-los a resolver antigas mágoas. Nunca é tarde para se reaproximar de quem, pelo ódio ou pelo amor, é fundamental nas nossas vidas.
Um comentário:
Filho,o presente foi e está sendo um "diploma" conferido por você de que não tenho errado muito nessa missão do ser e estar mãe.Pois há uma baita diferença!!!!
O filme é fantástico e serve sim como uma reavaliação constante de nós todos como seres humanos e não só como mães.
Um beijo grande e vamos continuar nossa jornada onde graças a Deus o vôo das rabanadas servem sempre como aprendizados.
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