3.10.09

Fátima Toledo e o 'ser ou não ser' diretora de cinema

Um matador de aluguel doente é contratado para matar uma prostituta fugindo do marido e os dois se apaixonam. A sinopse de "O príncipe encantado', curta dirigido por Sérgio Machado e pela preparadora de elenco Fátima Toledo, tem traços que se adequam com perfeição ao método de trabalho de Fátima, marcado por filmes como "Tropa de elite" e "Cidade de Deus". Seu mérito, idolatrado por alguns, criticado por outros, é fazer com que os atores se entreguem ao papel a que se prestam e, graças a um elaborado processo estimulado por ela, consigam dar verdade à interpretação.

Estreante atrás das câmeras, Fátima conversou com o site do GLOBO sobre as diferenças entre treinar e dirigir e explicou por que ainda se considera mais "uma preparadora de elenco".

Assista a um trecho do curta de Fátima Toledo e Sergio Machado

- Ainda estou me introduzindo no universo de direção. Antes do meu longa, estou fazendo curtas e aprendendo muito. Como preparadora, olho muito os atores, mas na direção tenho que ver o todo. Estou tendo dificuldade.

A principal delas é se desapegar da função até então exercida. No novo curta - que será exibido até segunda-feira dentro da Première Brasil (veja horários abaixo) -, ela e Machado convidaram outro preparador de elenco - o ex-assistente de Fátima, Michel Dubret - para a tarefa de preparar os atores. No início, ela ficou "divididinha" em aceitar a ideia de outra pessoa fazendo seu trabalho

Misturando atores com níveis diferentes de experiência, o curta tem um personagem feito por um não-ator. Além disso, aparecem prostitutas que trabalhavam na casa usada como locação. E quem a preparadora/diretora prefere em seus filmes: os profissionais ou os que nunca trabalharam com interpretação?

- Quero dirigir quem se entrega de verdade, sem distinção da experiência da pessoa. Alguns atores têm um tempo de resistência maior para entrar no personagem, o que faz a gente perder um tempo enorme para quebrar essa resistência.

Atores ou não, aqueles que passam pela mão de Fátima, seja nos elencos em que ela prepara, ou nos cursos que ela dá em sua escola na Vila Mariana, em São Paulo, são submetidos a experiências limites, fundamentais, segundo ela, para que se chegue à verdade do que está vivendo, e não a uma "mera" atuação. Criticado por alguns diretores e atores, seu método teve início em 1980 com "Pixote, a lei do mais fraco", de Hector Babenco. De lá até "Quincas Berro D'água", o último filme, também de Sérgio Machado, cujo elenco treinou, Fátima teve parcerias com grandes nomes, como Fernando Meirelles ("Cidade de Deus") e Walter Salles ("Central do Brasil" e "Linha de passe").

O exemplo do personagem Capitão Nascimento em "Tropa..." é clássico da dureza de seu trabalho. Wagner Moura protagonizou uma dessas "situações limite". Em uma das sessões de preparação, Fátima pediu ao capitão do Bope Paulo Storani que falasse mal da família de Wagner. Ao ver seus parentes serem atacados, o ator acabou partindo para cima do policial e quebrou seu nariz.

Com "Quincas...", pôde levar seus exercícios à comédia, gênero com que até então não havia trabalhado. Para alguém acostumado a buscar as "angústias, abismos e lados sombrios" das pessoas, material rico para intrepretações em dramas, achar o ritmo e o tempo do humor foi desafiador:

- É um filme diferente da linha em que estou acostumada a desenvolver. Foi maravilhoso. Descobri coisas incríveis trabalhando nesse último filme do Sérgio. A verdade que busco pode estar em qualquer gênero e eu trabalho para vestir essa verdade no personagem.

A primeira experiência, que em breve será ampliada para um longa, foi enriquecedora também para o olhar de Fátima como preparadora. Agora, ela acredita estar apta para trabalhar com mais rapidez, inclusive em filmes de baixo orçamento, quando o prazo que tempara afiar o elenco é reduzido. A objetividade e o "saber ir ao ponto", por exemplo, características essenciais ao diretor quando reúne toda a equipe e liga a câmera, foram duas aptidões conquistadas com o curta.

O nome provisório do longa é "Sobre a verdade". Em fase de captação e programado para começar a ser rodado no segundo semestre de 2010, o filme discutirá o absurdo da acusação irresponsável.

- Hoje, quando há uma acusação, logo outras 10 mil pessoas estão em cima do acusado, sem noção do que estão fazendo. A dor de cada um é projetada para arrebentar com o outro.

Fora a direção (a cena ao lado é de divulgação do curta), Fátima não faz planos para se espraiar por outras funções no set. Roteiro, por exemplo, ela acha que não conseguiria escrever, por só se considerar capaz de "sentir o filme" quando ele já está em execução:

- Eu vejo os atores e começo a ver o filme, começo a descobrir e a me identificar. No papel, consigo ver a história, a dramaturgia, mas o personagem só me comove no papel. Quando vejo os olhos do ator, isso me dá mais direções.

* Publicado originalmente no site do Globo.

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