Ignorância ou distração, confundir as protagonistas de Flaubert e Machado de Assis é de mais, já que tanto Madame Bovary quanto Dom Casmurro são obras bastante conhecidas. Bastante conhecidas para quem as leu, ora bolas. E quem nunca tocou nos dois livros, como falar sobre as duas histórias? Aliás, quem não leu determinados livros pode falar sobre eles?
Foi pensando nesse tipo de situação – e de pessoas – que o francês Pierre Bayard escreveu o livro Como falar dos livros que não lemos?, lançado no Brasil pela Objetiva. Longe de pretender estimular não-leitores, Bayard quis, com seu livro, apenas absolver quem não lê. Pelo menos foi isso que ele disse em entrevista ao Globo, na Flip 2008. “Sempre que vejo duas pessoas discutindo um livro e uma delas não o leu, enxergo muita coisa interessante nessa troca. Um livro pode ser apenas o pretexto para uma série de situações, de aproximações, de possibilidades linguísticas. E ninguém deve se envergonhar de não ter lido uma obra ou deixar de falar dela por isso”, disse para o jornalista Gustavo Leitão.
Um livro como esse tinha que ser escrito por um francês. Na França, há uma relação direta entre conhecimento literário e prestígio. Isso é inegável. Uma pessoa que não tenha lido Flaubert ou Balzac, lá, é execrada. O próprio Bayard falou na entrevista como essa relação é complexa lá, onde o ato, diz ele, chega a ser visto como algo sagrado.
Mas, afinal, conversar sobre livros que não lemos é algo tão ilegítimo assim? Existe algo na relação entre leitor e obra muito próximo do que chamamos de empatia, embora mais profundo. O também francês Daniel Pennac escreveu, lá se vão alguns anos, um livro que fala muito bem dessa relação, chamado Como se ler um romance (livro, aliás, em que Pennac enumera uma série de direitos do leitor, entre eles o de não ler). Quantos livros começamos, achamos um saco e fechamos, às vezes para sempre, às vezes apenas até tomarmos coragem para reabri-los e seguir em frente? Como eu já tive essa experiência algumas vezes, posso estar generalizando. Mas isso não impede que eu possa saber da importância de algum livro, seu impacto na época em que foi publicado e significado para a história da literatura.
É claro que uma coisa não substitui a outra. Ouvir falar ou ler sobre um livro é totalmente diferente de lê-lo você mesmo. Dizer que leu e não ter lido, além de feio pela mentira, é perigoso, pois é impossível apreender tudo sobre uma obra sem ter lido da primeira à última letra. Mas caso você prefira arriscar, nada de confundir Mme. Bovary com Capitu, ok?
24.7.08
Afinal, Madame Bovary traiu ou não traiu Bentinho?
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