10.9.08

Algemas simbolizam paradoxo brasileiro

Semana passada, em entrevista a O Globo, Paulo Maluf elogiou a decisão do Supremo que proíbe o uso de algemas em presos que não ofereçam perigo.


“O que está acontecendo agora é espetáculo (...) Pegar um indivíduo que foi prefeito de São Paulo, às seis horas da manhã, de pijama, algemar, como se a polícia fosse capitão do mato e ele fosse um escravo nojeto? Eu cumprimento o Supremo por ter tirado o nepotismo e as algemas. Algema é para gente perigosa.”


Ao comparar o uso de algemas à prática realizada durante a escravidão pelos capitães do mato, o deputado apenas mostrou a forma como nós, brasileiros, encaramos nossa sociedade. A algema reforça nosso vira-latismo, coloca o sujeito debaixo da sola do sapato, ao lado do estrato mais imundo e humilhante da pirâmide social: exatamente aquele em que ficavam os escravos antes de 1888 e que hoje fica a o povo, a ralé, a patuléia.

Em artigo publicado no dia 22 de agosto na Folha de S. Paulo, o delegado federal Jorge Barbosa Pontes, chefe da Interpol no Brasil, contou uma situação que ilustra bem este ponto de vista. Quando visitou a Scotland Yard, na Inglaterra, observou um cartaz em que estava escrita a ordem para que os policiais algemassem, indistintamente, todos os que se encontrassem em condição de preso ou detido. A recomendação tinha, explicou o delegado, uma razão clara: não colocar os policiais e a sociedade em risco. Afinal, rico, pobre, velho, jovem, homem, mulher, banqueiro, funcionário público, todos possuem os mesmos mecanismos psíquicos capazes de provocar reações violentas nas situações em que se sentem acuados. O desespero criado na tensão da prisão pode colocar a vida do policial, a de transeuntes ou a do próprio preso em risco. Não há como o policial adivinhar o que se passa na cabeça de uma pessoa que acaba de ser presa, mesmo que ela não resista à prisão e demonstre ser a pessoa mais calma do mundo.

Reação violenta não é exclusividade dos homens de poucos recursos e pouca instrução. Vale lembrar aqui o jornalista Pimenta Neves, ex- manda-chuva do Estado de S. Paulo, que matou a namorada pelas costas ao ser rejeitado. Ou ainda o caso do ator Guilherme de Pádua, que assassinou a atriz Daniela Perez. Seguindo esse raciocínio, o delegado Pontes acredita que um preso acusado de crime financeiro, por exemplo, pode reagir de forma violenta ao perceber que caiu em desgraça e que terá sua fortuna congelada pelas autoridades.

Mas se preso na Inglaterra significa estar algemado, o mesmo não acontece no Brasil, pois aqui as duas argolas de aço remetem aos terríveis grilhões da escravidão e às lembranças mais nojentas que vêm a reboque. Não foi à toa que o Supremo só agora, com a prisão de um dos mais importantes banqueiros do País, resolveu criar uma súmula vinculante (instrumento que obriga todas as instâncias do Judiciário a seguir a uma determinação do STF) para regular o uso das algemas. Aludindo a princípios humanistas, os defensores da restrição às algemas não querem que exista um aparelho repressivo que realmente trate ricos e pobres da mesma maneira.

Tachar de indigna a colocação de algemas é um erro, justamente porque não é indigno, seja para quem rouba um pão, seja para quem rouba um bilhão. Mas contra o primeiro caso, crime comum e sempre combatido, não há gritos ou contestações em relação às algemas. Como disse o delegado Pontes em seu artigo, “a algema não grita, não cria contraste quando colocada num joão-ninguém”.

14 comentários:

Anônimo disse...

Oi Guilherme, aceitei com muito prazer seu convite para comentar na postagem de seu blog que gosto muito.
Quanto ao assunto desse post, acho que a discussão que vem sendo feita entre as pessoas do bem que sofrem as consequencias dos atos ilicitos dos beneficiados pela Decisão do STF é a inversão de valor moral, pois, erradas e indignas são as atitudes das pessoas que precisam ser presas por cometerem delitos e violarem direitos de outras,por isso,concordo com você que tachar de indigna a colocação de algemas é um erro.
Também concordo que reação violenta não é exclusividade de pessoas de poucos recursos e pouca instrução e incluo aos exemplos que você deu citando o Pimenta Neves e Guilherme de Padua o casal Nardoni (pai e madrasta da menina Isabela).
Concordo, também, com o Delegado Pontes que um preso acusado de crime financeiro pode reagir de forma violenta.
Independente da minha profissão de advogada e das indagações doutrinárias que venho lendo a respeito do assunto, como cidadã, fiquei decepcionada com essa posição do STF.

Ellen Regina disse...

Pois é, essa questão das algemas tiveram seu clímax com a prisão do Daniel Dantas, o homem q manda no Brasil...
Nem precisa dizer mais nada...

Anônimo disse...

Exatamente: qualquer ser humano do mundo é capaz de atos violentos ao se sentir acuado, e nem mesmo a própria pessoa pode prever como vai reagir. Alguém considerado tranqüilo pode atirar em outra pessoa o que lhe cair à mão, pode disparar uma arma, pode atentar contra a própria vida. Vai saber como a medula do cara vai responder? Vai saber como vão ser aquelas reações que não têm nem tempo de vir do cérebro?

Isso é a parte quase biológica da coisa, mas a parte sociológica é tão relevante quanto. É perversa e (isso sim) nojenta essa mania do Brasil de quase chamar ladrão de colarinho branco de Excelência. Fez faculdade, tem título, não pode se "misturar" -- cadeia especial, regalias, tratamento vip mesmo em sua bandidagem. Se é pra fazer diferença entre as pessoas (o que não é!), tinha de ser o contrário: o cara teve mais oportunidade, teve tudo na vida, se instruiu, cresceu numa família de classe média pra alta. Teve todas as chances do mundo de ser uma pessoa honesta, uma educação à primeira vista primorosa. E, mesmo assim, roubou dinheiro que, pra milhares de pessoas sem um centésimo dessas oportunidades, é muitas vezes a diferença entre a vida e a morte. Sabe a história bíblica do Davi, que era rei e tinha tudo, mas queria justamente a mulher do cara que lutava por ele e, comparativamente, não tinha nada? Pois é. Muitíssimo ao contrário do que acontece, a punição deveria ser ainda mais severa do que é para um pobre-coitado (sem querer, é óbvio, justificar qualquer espécie de crime) que roubou porque foi a única forma que viu para alimentar sua família. É certo? Não -- nenhum, absolutamente nenhum crime é certo ou deveria deixar de ser punido. Nenhum. Mas convenhamos! Regalias prum cara que sempre teve tudo, e sola de sapato pra quem nunca teve nada? Ainda mais para quem tem mais e ainda menos para quem tem menos? O sujeito a quem falta qualquer desculpa para seu ato é exatamente aquele que é reverenciado, protegido, cuidado, como se de ouro fosse? É tão absurda esta nossa terrinha que parece de mentira. Antes fosse.

Anônimo disse...

Concordo plenamente com a Dra. ana Lucia Nicolau..

e com vc .. srsrs

“a algema não grita, não cria contraste quando colocada num joão-inguém”.

http://www.analucianicolau.adv.br/

Unknown disse...

Quem comete crime deve utilizar algemas sim, independente de sua classe social ou da gravidade de seu crime.

http://maynabuco.blogspot.com

Anônimo disse...

Muito importante resgatar a frase dita pelo Maluf. Ele deixou escapar o real motivo da proibição das algemas.

Percebo que existe um incômodo em boa parte dos formadores de opinião sobre este assunto. Muitos eles, descententes remotos das capitanias, são favoráveis decisão, justificando que "quem sonega imposto não apresenta perigo". Então ele é civilizado.

Engraçado como incomôda as ações da PF ao grampear gente graúda. Seria realmente espetáculo? O papel deles ao chamar a mídia não seria mais benefício que demagógico? O que um pobre que acabou de passar por uma geral dos coxinhas entende quando vê um dono de banco algemado na TV?

Percebo que enquanto existir imunidade parlamentar, enquanto aceitarmos que há pessoas com ou sem costas quentes, as disparidades sociais irão persistir. Ser pobre é muito pior do que estar pobre.


em tempo: seu blog é um dos meus preferidos, se quiser colaborar com o Patifúndio! não ficaremos muito felizes. Parabéns.

Fabio disse...

aqui os videos q vc me pediu:

http://www.youtube.com/user/SethComedy

o problema é q tá em ingles =/

abraços...

peroxas.blogspot.com

Anônimo disse...

É andar para trás o fato de tirar as algemas, é uma forma de proteção. Se uma pessoa é fora da lei, quem é que me garante que ela não vai me atacar, ou alguém que está próximo ou até mesmo o policial que a prende.

Acreditar na bondade do preso é demais para a minha cabeça. O que será que passa a cabeça do Supremo Tribunal? Eles devem estar pensando que? Que o policial vai correr atrás do ladrão para capturá-lo, aí depois ele o solta e fala para ele ir andando, sem fugir é claro, e entrar pacificamente no carro da polícia.

É claro que isso vai acontecer, afinal, no Brasil até os bandidos são bonzinhos

Erich Pontoldio disse...

Agora existem níveis de bandidagem?
bandido é bandido e o tratamento é o mesmo para todos.

ED CAVALCANTE disse...

Parabéns pelo blog, muito legal. Olha, eu concordo com a regulamentação do uso da algema. Acho que essas "argolas de aço" viraram espetáculo de circo sim. No Brasil é assim, a Rede Globo compra sempre o bilhete da fila da frente, ou melhor, compra a preferência. No caso do Maluf (que eu considero um safado, não estou defendendo). O César Tralli foi o único repórter presente, a globo comprou a exclusividade. Quanto a polícia inglesa, devemos lembra também o que eles fizeram com Jean Charles. Será que os policiais que o perseguiram estavam sem algemas?

Guilherme Amado disse...

Ed,
Acho que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O que a polícia inglesa fez com o Jean Charles foi um erro e não tem nada a ver com a forma como procede no uso das algemas.

O espetáculo quem faz é a mídia (e a Polícia ao convidá-la - especialmente a Globo - para filmar as operações). O uso das algemas não tem nada de espetáculo e só a vemos dessa forma porque são presos ricos e, algumas vezes, famosos. Afinal, ninguém nunca disse que traficante preso com algema era espetáculo.

Abraços e obrigado pela participação

N.Lym disse...

Acho q quem devia ser algemado é o Paulo Maluf e tds os malucos q tiveram seu dinheiro roubado por ele e ainda assim o apóia!!¬¬"

Anônimo disse...

Blog muito interessante, não conhecia ainda....DIscordo deste senhor, acho que tem que agermar sim os bandidos, poderiam aproveitar e algemar o PM também...

Anônimo disse...

Temos um selo pra vc ..

Passa lá..

Clique em blog pessoal..

www.analucianicolau.adv.br

Abç..