3.9.08

A Copacabana caótica de Rubem Braga

Depois de um tempo sem ser publicada, a série de matérias sobre como o bairro de Copacabana é representado pelos meios culturais, o Textos etc volta com força total. O especial As esquinas de Copacabana mergulhará dessa vez sobre a representação de Copacabana como um bairro caótico, tão comum quanto sua retratação como um paraíso. Essas representações refletem o modo como foram e são vistas as mudanças por que o bairro passou e passa desde a segunda metade do século XX. A intensa vida noturna, as prostitutas atraídas pelos turistas, as crianças que vivem nas ruas, mendigando e assaltando, os crimes cometidos por pequenos traficantes, cafetões e batedores de carteira. São tantos pecados que o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza dedica toda sua obra literária a eles. No entanto, bem antes do detetive Espinosa sonhar em existir, já existia uma crônica escrita por olhos bem mais pessimistas que os do detetive sobre as transformações por que passava Copa.

O cronista Rubem Braga escreve sua Ai de ti, Copacabana em 1958 e, num texto carregado de imagens bíblicas e mitológicas, prevê que o apocalipse se abaterá sobre o bairro. É bom lembrar que as abordagens de Luiz Alfredo e de Rubem são diferentes antes de tudo porque falam a partir de épocas diferentes. Enquanto o cronista escreve sob o choque de presenciar o balneário mudando tão rapidamente e o caos começando a se instalar, o romancista escreve no final dos anos 1990 com o caos pra lá de instalado.

Clique aqui para ler Ai de ti, Copacabana

Rubem trata Copacabana como uma pessoa, que se ilude, que erra, que peca. Adotando um ponto de vista de Deus judaico-cristão, que castiga seus filhos pecadores, o cronista aponta ao longo do texto quais foram os pecados do bairro, transformado em pessoa, a quem acusa de vaidade, numa comparação com uma prostituta, que não soube ler todos os avisos que recebeu Dele.

Mas o Deus que ameaça com mais e mais castigos não culpa apenas a Copacabana- prostituta por todos os males. Culpa também a especulação imobiliária, os ricos moradores que "dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas" para tentar fugir do calor do verão, os playboys que "passam em seus cadilaques buzinando alto", as donzelas que se "estendem na praia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez", os mancebos que "fazem das lambretas instrumentos de concupiscência", os fariseus que rezam nas igrejas de dia e jogam flores para Iemanjá à noite. Critica, no fundo, um modo de vida que havia chegado para ficar, produto da modernidade, como se viu no capítulo dedicado à história de Copacabana. A "multidão de pecados" a que Rubem Braga alude em sua crônica, numa visão pra lá de apocalíptica, foi o que despertou a ira divina. Já nas primeiras linhas, fica bem claro quão profunda é essa fúria. “Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera do teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.”

Saindo um pouco da análise, vale um comentário sobre o caráter profético do texto de Rubem Braga. Escrito em 1958, em sua coluna de crônicas, o texto diz que ondas se levantarão e inundarão o bairro e vale-se bastante da imaginação ao dizer que "siris comerão cabeças de homens fritas na casca", tal como nós, homens, fazemos com os siris. Diz ainda que os edifícios de cimento serão abatidos pelo mar que “ousaram um dia desafiar”, quando construídos como uma alta muralha. Fantasias à parte, é curioso como previsões parecidas são feitas hoje não mais por profissionais da imaginação que são os escritores, mas por cientistas, profissionais da razão. Em pleno caiu-a-ficha-sobre-o-aquecimento-global, jornais nos inundam, sem trocadilhos, com imagens catastróficas da terra sendo invadida pelo mar. O sertão, salve Glauber Rocha, pode mesmo virar mar. E poder ser justamente Copacabana, esse inferno na terra, a primeira atingida.

Na próxima parte da série As esquinas de Copacabana: O caos na Copacabana de Luiz Alfredo Garcia-Roza

Leia as outras reportagens do especial As esquinas de Copacabana:
História do bairro 1: O mirante azul começa a se transformar
História do bairro 2: Balneário de uma Europa Tropical
História do bairro 3: A cidade dentro da cidade
Representações de Copa: A Copacabana paradisíaca
Representações de Copa: A Copacabana paradisíaca na televisão

4 comentários:

Anônimo disse...

Rubem era mesmo o maior dos nossos cronistas. Que falta ele faz nos jornais cariocas!

Patrycia disse...

Gosto muito do Rubem Alves. Seus textos sempre muito inteligentes... Vou atrás desse livro.

Patrycia
acendedordelampadas.blogspot.com

Guilherme Amado disse...

Bom, o texto era sobre o Rubem Braga. Mas o que não quer dizer que o Rubem Alves não seja excelente.

Abs e obrigado pela postagem,

Guilherme.

Anônimo disse...

não conheço o Rio de Janeiro, por isso não me sinto a vontade pra comentar detalhes sobre o assjunto da postagem, mas, gostei muito do seu texto sobre Copacabanda