As últimas que se mudaram para nossa memória foram a cocker spaniel Baby, ano passado, e a Sashinha, ontem. Duas personagens de um mesmo carma, as biografias das duas se misturam, pois uma viveu para odiar a outra. Tiveram a relação mais doida que já acompanhei no mundo animal. Exceto a feminilidade, se estranhavam em tudo. A Baby era pequena, caramelo, com aquelas enormes orelhas penduradas. Extremamente carente, perturbou os donos até conseguir se tornar cachorrinha de madame, com direito a não querer compartilhar o jardim com os demais cães e a frequentar o espaço VIP de dentro de casa. Já a Sasha era o oposto. Grandalhona, estabanada, quase um potro, foi para o lado de fora tão logo completou quatro meses. Independente, só exigia atenção em dois momentos: quando a Baby estava dentro de casa, o que a fazia se sentir rejeitada (com razão), e quando oferecíamos a ela um de seus pratos favoritos: pão francês. Exceção da máxima dos opostos que se atraem, o excesso de diferenças entre Sasha e Baby foi explosivo.
A cocker, medindo pelo menos um quarto da Sasha, impunha toques de recolher, cerceava sua liberdade de ir e vir e a enquadrava como se ela fosse a dog e a Sasha, a cocker. Tímido, quase envergonhado de seu tamanho, o Scooby aceitou durante muitos anos sua condição de excluído. Mas nós, eu em especial, nunca a excluíamos. Fazia de tudo para que se sentisse amada. E isso, posso dizer, ela era. Comprada num canil perto daqui de casa, a Sasha veio com a missão de nos proteger depois de um assalto que sofremos na porta de casa, quando levaram nosso carro. Talvez tenha sido por saber desse seu dever que ela, como a Bonnie, tenha teimado tanto em ficar entre nós. Para uma raça que dificilmente chega aos 10 anos, em maio próximo ela alcançaria a marca.
Acho que muito da sobrevida que ela teve foi pela morte da Baby, durante uma briga entre as duas, no início do ano passado. Terceiro confronto, aquele foi fatal. Entrando no cinema, atendi o telefone e corri para casa, desesperado, quando ouvi minha mãe gritar:
- Filho, vem pra casa, a Sasha matou a Baby. Foi horrível, vem logo, pelo amor de Deus!
Corri, como se pudesse ajudar, mas foi em vão. A lógica animal tinha prevalecido e a Sasha, como uma negra que se alforriava, havia estraçalhado a Baby, que por tantos anos havia sido sua feitora. Minha irmã, meu cunhado e minha mãe tentaram fazer tudo. Tentaram apartar até com uma cadeira de ferro, que partiu no dorso da dog. A pequena e quase fascista Baby era sacudida no ar pela Sasha. Além da Baby, o derrotado ali fomos nós, que vimos como é inútil a eterna tentativa de humanizar os bichos de estimação.
Continua no próximo post
19.4.09
O céu dos nossos cachorros - parte II
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Contos e crônicas
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