Um dia, mexendo em caixotes no escritório do pai, o filho caçula de Lourival Sant'Anna, repórter do Estadão que falou sobre cobertura de guerra no IV Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), encontrou um capacete do Exército americano. A peça foi trazida como lembrança da Guerra contra o Iraque, coberta por Lourival. Curiosa, a criança perguntou: "Você vai para as guerras, né? Isso é para te proteger, para você não levar tiro?". Ele, então, tentou explicar ao filho a natureza da profissão: "Não, filho, eu não sou soldado. O papai está lá para contar histórias. Ninguém atira em mim".
Em 23 anos de jornalismo, ele contou histórias de conflitos na Irlanda do Norte, Colômbia, Palestina, Afeganistão, Iraque, Líbano, Kosovo e Geórgia, todas pelo Estado de S. Paulo. As reportagens podem ser lidas no ótimo site www.lourivalsantanna.com, em que ele compila todo o material que produziu como correspondente. No congresso, ele comentou a cobertura da Guerra da Geórgia, usando-a como exemplo para enfatizar quão importante é para o jornalista estar no lugar para entender o que separa dois povos:
"É importante até viver na pele o ódio para entender melhor aquilo".
Lourival em tanque na Guerra da Geórgia (Foto do acervo pessoal de Lourival)
O "viver na pele" a que se refere teve seu ponto alto quando ele quase foi morto três vezes, num mesmo dia. Ao ser abordado por milicianos ossétios, ouviu a frase que, para ele, mostrou como aquela experiência que vivia tinha valor jornalístico: "Pensaram que você era georgiano."
O texto, próximo em muitos momentos do jornalismo literário, é fruto do que Lourival chama de "anotação fotográfica". Tira fotos e anota detalhes diversos para conseguir, depois, transpor o leitor para aquele lugar por meio da descrição hiperdetalhada. Foi assim que fez uma espécie de arqueologia da vida cotidiana do Líbano, depois da destruição de várias cidades do país, na guerra de 2006. Fotografava vestígios das vidas que existiam ali, como um óculos que permanece intacto, apesar de prédios inteiros terem sido destruídos.
Ver de perto a destruição não o impediu de perseguir a isenção.
"Nesse tipo de cobertura, você está focado no esforço de ver. É como a abertura deum texto que fiz na cobertura da Guerra do Líbano, em que escrevi que você deve aguçar a visão e a audição, e esconder o olfato. Só assim você não faz um texto tendencioso."
15.7.09
Contando histórias de guerra
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Jornalismo
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