2.7.09

O making of de Talese*

Embora tenha respondido a apenas três perguntas na entrevista que concedeu a jornalistas no final da manhã desta quinta-feira, na Flip, Gay Talese falou durante uma hora e meia. Só a primeira pergunta, "Como você apura?", rendeu mais de 40 minutos de resposta, em que Talese, para responder, traçou uma espécie de making of de uma de suas reportagens, narrando com o mesmo ritmo encadeado e a riqueza de detalhes que lhe são característicos.

No final de 1999, Talese (ao lado, em foto de André Teixeira) não estava envolvido em nenhum projeto de livro ou na produção de nenhuma de suas habitualmente longas reportagens. À procura do que assistir na TV, parou para assistir à cobrança de pênalti de uma jogadora de futebol feminino chinesa, contra a seleção americana. Era um lance decisivo. Ao ver a menina perder a cobrança, Talese viu que ali havia uma boa história, pois naquele momento esteve em jogo bem mais do que um resultado de futebol. Se marcasse e derrotasse os Estados Unidos, ela poderia influir, por exemplo, no sentimento de seu país, uma potência ascendente, em relação ao outro, considerado por alguns uma superpotência em decadência. Será que ele sentira o peso dessa oportunidade? Que tipo de pressões ou punições sofrera?

Malas prontas, foi à China conhecer a jogadora, cuja história não pôde encontrar em nenhuma publicação que tratou do jogo. Durante três meses em Pequim, nunca conseguiu falar com a jogadora, impedido pelo controle do governo sobre o trabalho da imprensa. Conseguiu, porém, falar com a mãe da menina, e descobriu que naquela mulher, que havia vivido parte das transformações por que a China tinha passado nas últimas décadas, residia uma história tão interessante quanto a de sua filha. Outra grata surpresa veio quando Talese conheceu a avó da jogadora:

"Mais velha, ela havia vivido as transformações da China de Mao Tse-Tung, compondo, então, uma painel de três gerações de uma família, que tinha uma bela história de resignação, caráter e perseverança para ser narrada", explica.

Perseverança, aliás, ele cita como a característica fundamental para se fazer bom jornalismo. "Bater em portas", para ele, seria a essência da profissão:

"Bata na porta e diga que você não é ladrão, gângster ou coisa que o valha", diz, afirmando ser este o motivo de seus sempre elegantes terno e gravata, que acabam contribuindo para uma "boa apresentação".

Outro ingrediente que comporia esta receita de contar boas histórias é deixar o Google de lado, indo até onde está a história, com determinação e curiosidade. É assim, resumiu na última e também extensa resposta, que ele consegue escrever reportagens que permanecem interessantes décadas depois de escritas.

* Publicado originalmente em O Globo

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