Beatriz, Arnaldo, Tatiana e Sérgio, em foto de André Teixeira, do Globo
Poucas mesas da Flip tiveram temas tão bem amarrados quanto a que reuniu ontem Arnaldo Bloch, Sérgio Rodrigues e Tatiana Salem Levy, com mediação da professora e crítica Beatriz Resende. Depois de um primeiro conto na coletânea 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, Tatiana partiu para um romance, o que está em discussão nesta Flip: A chave de casa, lançado em 2008. Em Os Irmãos Karamabloch, Arnaldo misturou romance e biografia, baseado na história da família Bloch e centrado na figura de Adolpho Bloch, dono da revista e da TV Manchete. Já em Elza, a garota, Sérgio Rodrigues criou personagens ficcionais para contar a história de Elza Cupello, assassinada pelo Partido Comunista na década de 1930. Cada qual a sua maneira, eles misturaram verdade e ficção e colocaram em xeque a todo momento esses princípios:
"Falar de verdades inventadas é tratar de literatura, pois é nisso que ela consiste", apresentou Beatriz.
Depois de cada um ler um trecho de seu livro, Beatriz levantou a questão da pesquisa nas obras do trio. Afinal, eles fizeram pesquisa, foram a campo apurar, seja na História, seja em fatos privados acontecidos, para dali criar ficção. Qual foi o peso dessas pesquisas na criação literária?
Arnaldo diz que o trabalho do livro começou bem antes do processo de escrever, já que ao longo de sua vida foi juntando memórias e experiências fundamentais para a obra. A gestação do livro foi de 2003 a 2008, já que a Companhia das Letras lhe deu um prazo extenso. Quase concluído, o livro, no entanto, estava seco, frio. O que fez o livro mudar foram duas gravações dadas por um primo, com depoimentos de duas tias de Arnaldo, cujos depoimentos eram ternos e com emoção. Isso o obrigou a reescrever tudo, dando ao livro esse calor.
Tatiana também localiza na infância o início da escrita de seu livro, quando ela conheceu a história de judeus turcos que eram expulsos, mas levavam a chave de suas casas na esperança de voltar. Um tio-avô de Tatiana foi um desses homens. Fez uma pesquisa leve sobre a época, além de entrevistar uma tia-avó idosa, que imigrou pequena para Portugal (Tatiana é portuguesa). Foi aí que chegou em um ponto estranho daquele caminho, que a fez repensar a própria literatura.
"Como escritora, me preocupo muito com a verdade, mas não um verdade dos fatos. Procuro uma verdade da literatura", diz.
A escrita, para Tatiana, é, como disse o Nietzche, transformar em sangue próprio todas aquelas histórias que eu tinha ouvido ou conhecido. A ida a Istambul (na época em que escreveu a obra, ela viajou à Turquia) foi, segundo ela, mais importante para sentir os cheiros e a cor da cidade do que para usar fatos da viagem para o romance.
Já Sérgio lembrou que a relação dele com o assunto sobre o que tratou em Elza era bem mais distante do que a de Arnaldo e Tatiana com seus temas. Não só ele não tinha nada a ver com a história de Elza e do Partido Comunista, como também o livro foi uma encomenda. Depois de receber carta branca do editor da Objetiva, decidiu entregar um livro completamente diferente do encomendado. Criou um livro híbrido, variando com diferentes tipologias os momentos de reportagem e os de ficção, cuja pesquisa teve papel fundamental.
"É importante dizer que ficção não é mentira e tampouco o que entendemos como realidade é verdade. Não é, até porque, é bom dar essa notícia, a realidade não existe", disse, arrancando risadas da plateia.
(Continua)
2.7.09
A pesquisa nas verdades inventadas
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