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As esquinas de Copacabana
O mirante azul começa a se transformar
Balneário de uma Europa Tropical
A partir de 1940 e até 1970, o crescimento médio de Copacabana passou a ser maior que o da cidade, forjando uma densidade populacional, na década de 1970, de 700hab/ha, um tanto diferente dos 45 hab/ha de 50 anos antes. Não foi à toa que, já naquela década, 98% de suas construções fossem edifícios. A população passou de 17.823 habitantes em 1920 para 228.252 em 1980. Vale lembrar que para estimar a quantidade de pessoas que circulam pelo bairro, além da população residente, devemos contar ainda os milhares que se deslocam diariamente para trabalhar, comprar ou se divertir em Copacabana, sem contar os turistas e aqueles que só passam pelo bairro, de ônibus ou carro. Pesquisa realizada pelo Jornal do Brasil, em 1983, informava que na esquina da rua Figueiredo Magalhães com a avenida Atlântica passavam diariamente 6.600 ônibus, o que significava, na hora do rush, quase onze ônibus por minuto. A mesma pesquisa indicava que existiam menos de 60.000 garagens para 100.000 automóveis, mostrando que o bairro estava saturado. Copacabana, a essa época, já agonizava. Mas isso não foi da noite para o dia.
Toda a cidade havia observado um grande crescimento populacional, acompanhado por um também extraordinário aumento em área para a cidade. Ao mesmo tempo que zonas suburbanas eram ocupadas, o crescimento vertical da orla marítima acontecia. Construções erguidas há, no máximo, 30 anos, foram substituídas. A construção civil vivia seu auge. Segundo o Observador Econômico e Financeiro de setembro de 1953, no Distrito Federal, a indústria de construção contava em 1950 com 773 estabelecimentos, mais que o dobro dos 372 de 1940. O crescimento da Zona Sul, e de Copacabana sobretudo era o grande responsável por esse fenômeno. O avanço das imobiliárias sobre o bairro, paralelo ao crescente fluxo de população à procura de um “pedacinho de chão do paraíso”, estimulou a construção de muitos prédios com dezenas, às vezes centenas, de apartamentos que tinham como característica comum o baixo padrão de moradia. A demanda por novas necessidades de consumo levou à diversificação do comércio do bairro. Copacabana ia transformando-se num importante sub-centro da cidade. A combinação desses três elementos – aumento do fluxo demográfico, intensa atividade imobiliária e estruturação de comércio e serviços – levou o bairro a virar, mais que um sub-centro, uma verdadeira cidade. A partir dos anos 1960, já era possível nascer e morrer em Copacabana sem nunca ter saído do bairro.
O berço da Bossa Nova
A vida cultural do bairro foi inaugurada pelos cinemas, a partir da década de 1910. Os teatros viriam nos anos 1940. E só na década seguinte chegariam os grandes responsáveis por transformar a cara do bairro: os bares, restaurantes e boates. A vida noturna fora do Centro do Rio começava. O Beco da Fome, na Prado Júnior, com suas lanchonetes de refeições baratas, o Beco das Chaves, com pequenas boates, o Beco das Garrafas, na rua Duvivier, com casas noturnas um pouco mais chiques. Seria em boates como o Little Club e o Bacará que a MPB se renovaria e daria luz à Bossa Nova. Copacabana dividiria com Ipanema o título de berço do novo estilo musical.
E os apartamentos dos dois bairros foram o cenário desse nascimento. Como se disse, em Copacabana, desde 1930, crescia o hábito de se morar em apartamento. A praia representava uma alternativa de esporte e lazer para escapar do confinamento dos apartamentos. Mas ela não era suficiente, levando à formação de grupos de jovens na rua, que até hoje, bem menos, por conta da falta de segurança, se reúnem nas esquinas. Algumas dessas turmas ficaram responsáveis pela má fama que o bairro ganhou nos anos 50 e no início da década seguinte, dando origem a termos estereotipados, como “juventude transviada”, “curra” e “playboy”. Outro hábito que também foi se tornando comum, mas só a partir da década seguinte, foi o desfile de prostitutas pelo calçadão. A prostituição feminina, masculina e de travestis se tornou uma marca registrada de Copacabana, assim como se tornou rotina a falta de segurança do bairro. Em junho de 1938, o Correio da Manhã anunciava que em Copacabana, Ipanema e Leblon, “garotos maltrapilhos, na maioria ‘negrinhos’, invadiam" os bairros devido ao aumento das favelas, criando muitos problemas para os moradores. O jornal ia mais além: “os capinzaes dos terrenos baldios e murados offerecem uma paraíso para o seu descanso da vadiagem, e praticas immoraes.” O bairro já não era mais o paraíso.
O simbólico e o real
Crescendo sem parar nos anos 1940, 1950 e 1960, Copacabana viveu uma verdadeira revolução urbanística, não por ser um novo modelo de bairro, como a Barra da Tijuca seria mais tarde, mas porque sintetizava, em seu espaço, toda a problemática da expansão urbana de uma cidade capitalista subdesenvolvida.
Era nesse estilo que não só Copacabana, mas o Brasil ingressavam em um novo tempo. Segundo Gilberto Velho em seu A utopia urbana, livro em que estuda as relações sociais da classe média do bairro, não se pode explicar Copacabana a partir de uma “teoria conspiratória”, “em que meia dúzia de empresários corruptos resolveu criar uma empreitada lucrativa às custas de pobres inocentes".
“A criação do mito Copacabana não se deu num vazio e sim explorando determinadas condições tanto econômicas, dadas pelo mercado imobiliário quanto jurídicas, dadas pela permissividade da legislação urbanística, e ideológicas, dadas pelo desejo latente de certos grupos sociais que identificavam prestígio social com local de residência. A Copacabana que o carioca tem na sua cabeça e que se tornou internacional se deve a três fatores: ao desenvolvimento da produção capitalista da moradia (a incorporação/ especulação imobiliária), ao crescimento das camadas médias na cidade, e à procura de prestígio social dado pelo local em que se mora.”*
É bom que se fale brevemente, para encerrar esse parênteses histórico que já se alonga mais que o pretendido nessa série de reportagens sobre as representações culturais de Copa, do surgimento das favelas, parte de Copacabana pouquíssimo presente nas representações sobre o bairro, mas extremamente importante para entendermos a que temperatura ferve este caldeirão tão multicultural. Desde 1915, pelo menos, os morros do bairro já vinham eram invadidos por intrusos, que derrubavam a mata para construírem casebres sem licença, completamente em desacordo com as posturas municipais, já explicadas anteriormente. Mesmo assim, em 1934, o balneário carioca já contava com duas favelas de grandes proporções: a do morro da Babilônia, no Leme, e a do morro do Cantagalo, de frente para a lagoa Rodrigo de Freitas. Eram favelas habitadas principalmente pelos empregados domésticos das famílias abastadas. Mais tarde, a favela do morro do Cantagalo formaria, junto com a Pavão-Pavãozinho, um dos maiores complexos de favelas da Zona Sul carioca (foto).
A decadência do bairro, acelerada em função da especulação imobiliária, se acelerou, portanto, a partir da década de 1970. A ponto de, chegados os anos 2000, a população do bairro ter reduzido sensivelmente (para 147.021, apresentando uma diminuição de 40.000 pessoas desde a década de 1980) e o preço dos apartamentos e aluguéis ter sofrido uma sensível depreciação. Um fator puxando o outro, o cenário paradisíaco se transformou em inferno com grande elenco.
Os primeiros atores a entrarem em cena foram as famílias ricas, as primeiras a se instalar em Copacabana, atraídas pelas possibilidades paradisíacas. O segundo ato foi marcado pela entrada da classe média, oriunda do subúrbio, que trocava casas bem maiores por conjugados em Copacabana. Pessoas pobres eram subiam os morros, para também desfrutar, quando desciam para o asfalto, das oportunidades de emprego oferecidas com o crescimento populacional e da rede de hotéis e serviços. E por falar em hotéis, não se pode esquecer o papel triunfante que os turistas exercem nessa encenação, sempre extasiados, ora pelas curvas do calçadão, ora pelas curvas das meninas do calçadão. Outro lado do bairro aparece à medida que o enredo avança. Surgem os(as) prostitutos(as), pequenos traficantes, cafetinas, cafetões, exploradores de crianças e adolescentes, todos ávidos por lucrar com o mercado de sexo. Chega também a repressão, como esquecer dela? Policiais e autoridades também estão nessa mise-en-scène, tentando pôr ordem a esse caos teatral. Bom, explicados os papéis, desenhado o cenário, encenados os primeiros conflitos, chega a hora de se desenrolar a trama. Como Copacabana foi e é representada em diferentes produtos culturais?
* - Trecho em destaque foi retirado do livro História dos bairros – Memória Urbana: Copacabana, de Elizabeth Dezouzart Cardoso, publicado no Rio de Janeiro: Editora Index, 1986
Na próxima reportagem: A Copacabana idílica da Bossa Nova, dos cartões-postais e da abertura da novela Paraíso Tropical
6 comentários:
sou louca pra conhecer copacabana...
mas eu logo estarei lá...
abraço
Como sou paulista, não vivo a realidade deste lendário bairro carioca. Conheci, se é que se pode dizer isso, um pouco mais sobre ele justamente na novela Paraíso Tropical.
Mas a foto inicial realmente foi um achado.
Bom o texto. Uma informação relevante
Euzer, esse especial de matérias sobre Copacabana é justamente para discutir como o mais famoso bairro do Rio - talvez do Brasil - é mostrado em diferentes meios culturais - TV, cinema, fotografia, literatura. Será que não somos influenciados por essa produção cultural na forma como vemos o bairro?
Conheci Copacaba já em 2005. É um lugar lindo, mas eu não sei, não gostei tanto como outras cidades brasileiros. Por exemplo, Floripa eu achei bem mais bonita a cidade. Porto Seguro também eu achei mais bonita a cidade, mas cada um tem seu encanto.
Cheguei a este seu blogue porque estava a procurar alguma coisa sobre uma provável "reconstrução" do "Beco da Fome".
Bom, pelo menos soube que ia voltar a existir este que foi um pedaço da alma carioca, que eu ainda cheguei a conhecer (tenho 63 anos) no seu final.
Mas, parabéns pelas belas matérias que encontrei aqui.
Vou marcar nos links do meu blogue.
Venha sempre, Jonga. Obrigado pela visita.
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