28.1.10

Por um jornalismo on-line sem tempo real*

Embora tenha sido uma das primeiras jornalistas brasileiras a trabalhar a sério com jornalismo on-line, no antigo site Notícia e Opinião (NO.), Carla Rodrigues torce o nariz para a expressão “tempo real”. Além de ser fisicamente impossível, uma transmissão obcecada com a ideia do tempo real pode ser, para ela, sinônimo de queda na qualidade do jornalismo. Essa relação entre técnica e conteúdo é um dos assuntos do livro “Jornalismo on-line: modo de fazer” (Editora Sulina/PUC-Rio), organizado por ela. Hoje professora de Comunicação Social da PUC-Rio, Carla convidou jornalistas e pesquisadores como Suzana Barbosa (UFF), Marcelo Kischinhevsky (UERJ/PUC-Rio), António Fidalgo e João Canavilhas (Universidade da Beira do Interior, Portugal) e Pedro Doria (Stanford/Estadão), entre outros, para discutir o assunto, ainda carente de reflexão e estudos, principalmente no nível superior.

A implicância com o tempo real resume a visão de Carla sobre os efeitos que o jornalismo on-line pode ter sobre a atividade como um todo. Para ela, que também assina um artigo da coletânea, esse é um jargão de informática que dá tom sensacionalista à internet como um todo.

— Muitas coisas na internet recebem a marca do tempo real para que passe a ideia de velocidade na transmissão. Mas velocidade não é qualidade. O que defendo é fazer velocidade com qualidade. Tem que se ter critério — recomenda.

Dividida em três partes, a obra aborda primeiro, a partir de quatro abordagens, a relação entre a formação do novo perfil de profissional que trabalhará on-line e as transformações do mercado de trabalho. É nessa parte que Suzana Barbosa comenta a convergência de duas redações brasileiras - uma delas, a do Globo. Marcelo Kischinhevsky discute como as integrações afetam a quantidade e a qualidade dos empregos para jornalistas.

O segundo pedaço de “Jornalismo on-line” avança sobre os desdobramentos temáticos que essas mudanças trazem. O impacto dos celulares na prática jornalística, o complicado processo de legitimação dos blogs, o jornalismo colaborativo e a possível interferência que as novas tecnologias têm sobre a construção da notícia.

O jornalista Pedro Doria, antigo parceiro de Carla no extinto NO., é quem encerra o livro, com um texto fruto de um ano de estudo sobre o assunto na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, quando debruçou sobre as perspectivas de sobrevivência do jornal em papel.

Subjacente à discussão que permeia o livro, o fim da exigência do diploma de jornalismo para exercer a profissão não é um tabu para Carla. Defensora da inexigibilidade, ela acha que algum tipo de formação superior é importante. E não é o conhecimento das técnicas do jornalismo on-line — e tampouco do televisivo, de rádio ou de impresso — que vão determinar a escolha desse curso e não, por exemplo, de um curso de História ou de Ciências Sociais:

— O curso de jornalismo dá uma formação ampla que permite a alguém ter uma base para se preparar e entrevistar qualquer pessoa. O diferencial está na aliança do ensino de várias teorias com o saber técnico. Não adianta dominar apenas a técnica e tentar entrevistar, por exemplo, o historiador José Murilo de Carvalho ou o Henrique Meirelles.

A razão por que acredita ser um erro pautar o curso de jornalismo no aprendizado das ferramentas tecnológicas de comunicação está ligada à “velocidade estonteante” com que a técnica fica obsoleta. O livro, ela explica, preocupa-se não em refletir sobre essas técnicas em si, mas sim em como elas interferem na atividade.

Texto, áudio, foto, vídeo, Twitter: diversas atividades ocupando o tempo em que antes reinavam soberanas a boa entrevista, a apuração, a redação e a checagem. A dinâmica de quem trabalha em empresas de comunicação tradicionais impõe um desafio para a academia e para o próprio mercado. Como formar esse novo jornalista? Carla explica que é cada vez mais complicada a equação de equilíbrio entre técnica e qualidade do conteúdo. E é nela que, para ela, reside o principal patrimônio da imprensa:

— Prejudicar a qualidade do conteúdo em nome da técnica esvazia o papel da imprensa. Se deixarmos todas essas atividades atingirem a qualidade da entrevista e a pergunta do repórter ficar pior, ele se tornará dispensável.

* Matéria publicada originalmente no jornal O Globo.

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