14.1.07

Teatro e história: mistura que dá samba



Grandiosidade. Não existe outra palavra para descrever a nova peça de Miguel Falabella, Império, que acabo de assistir no Carlos Gomes, aqui no Rio. A história se passa no século XIX e tem como protagonista a família real luso-brasileira nos últimos dias antes do retorno para Portugal, após a chegada em 1808. Já retratadas em livros, na televisão (Quinto dos Infernos, minissérie global de Carlos Lombardi), e no cinema (Carlota Joaquina, de Carla Camuratti), as aventuras da nossa Coroa chegam agora aos palcos, sob a forma de um musical de dois atos.

O texto, a música, as letras, a iluminação, os cenários, o figurino, o elenco de 22 atores e a lotação dos 685 lugares do teatro só fazem reafirmar aquilo que todos já sabem: Miguel Falabella é um craque. Talvez um dos nossos mais multimídias artistas, ele mostra-se agora também um primoroso letrista. Os números, todos muito bem feitos, têm o mérito de levar a ação adiante, coisa rara em musicais, e as coreografias ajudam a dar o ar Broadway tão difícil, para o bem e para o mal, de vermos nos palcos brasileiros. Destaque, na minha humilde opinião, para três números: um dos primeiros, em que todos, juntos, cantam "Eu nunca vi coisa tão linda"; para "Aonde eu durmo, senhor" cantado pelos dois escravos, e para a cena da Princesa Leopoldina e a amante de D. Pedro, Noemi, que cantam a inteligente "Na cama de um homem".

No elenco, destaca-se Stella Miranda, atriz craque em fazer humor. Como bem disse Barbara Heliodora no Globo, o papel ajuda Stella a roubar a cena. No cinema, Marieta Severo já tinha tido um desempenho magnífico e até Betty Lago o conseguiu na televisão. Carlota Joaquina é um prato cheio para toda boa atriz, primeiro por seu gênio e depois por sua relação com Dom João. Este, por sua vez, é muito bem defendido por Sandro Christopher, ator e barítono. Um dos grandes méritos da peça, também lembrado por Heliodora, é Dom João não ser retratado como costumeiramente se faz, ou seja, um mero comedor de coxas de galinha. Aqui, ele aparece como um marido que sofre com as traições de Carlota, mas a enfrenta quando necessário e é capaz de crueldades, nas suas palavras, "mais do rei do que do homem", como a de enviar para Pernambuco a amante grávida de D. Pedro.

Quanto à História, a peça me trouxe outras perspectivas. Em certo momento, Dom joão defende que, enquanto vários reis europeus, valentes e cheios de honra, permaneceram na Europa à espera de Napoleão, ele preferiu fugir para o Brasil e, por isso, foi o único a sobreviver ao corso sanguinário. Estaria aí a gênese do jeitinho?

A única crítica negativa que faço à peça é a necessidade da platéia ter um conhecimento prévio de História que, venhamos e convenhamos, é difícil no Brasil. O papel de narrador, lembrou minha tia que estava comigo e minha mãe, ajuda nesse ponto. Na história, quem cumpre essa função é o pintor Debret, que abre a peça numa conversa em Paris, com seu ajudante, anos e anos mais tarde. Lembrando dos maravilhosos anos que viveu no Rio de Janeiro, é ele quem conta os causos vividos por aqueles personagens. O problema é que Debret só aparece três vezes durante a peça, o que dificulta a compreensão de um espectador menos familiarizado com o enredo histórico.

Stella Miranda, como Carlota Joaquina

Ao longo da peça, não me saía da cabeça como deve ser difícil ensaiar um musical com 22 atores. E o pior: existem vários números com todos juntos, ensemble, como se diz. Fiz um ou dois anos de teatro quando era criança e sei como é difícil ensaiar uma cena com três, quatro personagens. Que dirá com 22! Mais um motivo para reverenciarmos o polivalente Falabella, que escreveu o texto e as letras, além de dirigir o espetáculo.

Programa mais do que recomendando, Império está em cartaz no Carlos Gomes sem data marcada para se despedir. Por 25 reais, preço relativamente barato se comparado aos 100 reais cobrados por Mademoiselle Chanel, o musical é diversão na certa. Pode confiar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito obrigado pela crítica tão positiva. Sempre me sinto honrado quando alguém gosta e admira meu trabalho e de meus colegas, com a consciência de nosso esforço e dedicação. Um forte abraço e volte para nos ver quando quiser.