Eu não fui ao show do Chico. Cinco fins de semana, mais de vinte shows aqui no Rio e eu dei esse mole. Estava sem dinheiro para comprar os ingressos mais caros e sem tempo para conseguir comprar os mais baratos, vendidos exclusivamente no dia do show, uma hora antes.
Estou com tanta raiva de não ter ido que resolvi, numa tentativa de reconciliação com meu maior ídolo, fazer um post exclusivamente para falar disso. Adoro Chico Buarque, como já disse há tempos aqui neste blog quando comentei sobre parte do seu último CD. Para mim, ele é não só o melhor compositor brasileiro, nas letras e nas músicas, como um dos cérebros mais lúcidos que o Brasil já produziu. Tenho tendência a concordar com 99,99% do que ele diz e pensa. Quando discordo, a falta de lucidez é minha.
Levo Chico Buarque o tempo todo no MP3 player e o ouço pelo menos umas três vezes na semana. Sua obra pode ser ouvida durante toda a vida, em diferentes momentos. Naqueles de paixonite aguda, lá estão as inúmeras músicas de amor e as declarações para mulheres que ele insiste não existirem, como as Carolinas, Ritas, Renatas Marias, além das mulheres de Atenas ou as pobres Genis. Para aqueles momentos de revolta com o mundo injusto em que vivemos, a veia política de Chico, sempre pulsante, chega à sua música e faz clássicos, como Apesar de você, Partido Alto, Brejo da cruz e a lúdica Outros sonhos, de safra recente. Chico também consegue falar das coisas do dia-a-dia, como em Cotidiano, Meu caro amigo e Bye bye, Brasil, com a mesma desenvoltura de quem percebe as mudanças históricas que se processam a cada momento, todo dia, e que passam longe dos olhos dos meros mortais, como na inesquecível Vai passar. Ele é um excelente sambista, mostrando que o samba supera qualquer classe: pode ser tão bom no morro quanto no asfalto, feito por ricos ou por pobres. Prova disso são sambas deliciosos como Morena de Angola, Feijoada Completa e Meu Guri. Uma das músicas que mais me faz lembrar meu pai também é do Chico: João e Maria, em que, a partir do universo fantasioso da infância, ele uma das mais bonitas canções brasileiras.
Também existem outras músicas que são indispensáveis em qualquer seleção: A banda, um de seus maiores clássicos, Olhos nos olhos, O Cio da terra, Gente humilde - tema de outro post meu -, Cálice (com Gilberto Gil), Bom conselho, Maninha, Noite dos mascarados, Quem te viu, quem te vê, Morena dos olhos d'água, Construção, Roda viva. Tudo isso sem falar das parcerias históricas com Edu Lobo (mais pros anos 80, rendendo pérolas como Beatriz), Vinícius (na já citada Gente humilde, Valsinha, e com Toquinho em Samba de Orly), Tom Jobim (rendendo a maravilhosa Sabiá, a singela Pois é e a nostálgica Anos dourados, composta em 1986, ano que nasci) e com Caetano Veloso, que renderam momentos inesquecíveis para a TV brasileira em músicas como Vai levando (Mesmo com toda a fama/ Com toda a Brahma/ Com toda a cama/ Com toda a lama/ A gente vai levando). Não posso esquecer também das compostas especialmente para o teatro, como História de uma gata, as três O que será, além de outras já citadas.
Vamos então às outras letras escritas por Chico. Do teatro, Gota d'água está me encarando na prateleira neste exato momento aguardando sua vez na longa fila de futuros livros. Sempre ouvi, no entanto, que o Chico dramaturgo e o Chico escritor não chegam perto do compositor. Ainda assim pesquisei algumas coisas para enriquecer esse post no que se refere à sua obra teatral.
Sobre Gota d'água, adaptação do clássico Medéia, de Eurípedes, para os dias atuais, o crítico Yan Michalski falou: "Não conheço em toda a dramaturgia nacional qualquer precedente de uma linguagem como esta, que combine a musicalidade, a beleza e a dignidade da poesia dramática clássica com um clima verbal de indiscutível contemporaneidade." Na temática de Gota d'água, Chico e Paulo Pontes também conseguiram, segundo Michaslki, manter o argumento da obra de mais de 2400 anos e, ao mesmo tempo, fazer "uma obra intensamente pessoal e original."
Já com Roda Viva, espetáculo de estréia de Chico, levado aos palcos anos antes por Zé Celso Martinez Correia, Yan Michalski foi menos bondoso: "O texto de Chico Buarque de Holanda está longe de ser uma obra-prima ou sequer uma peça destinada a ficar como um marco de alguma importância na dramaturgia brasileira." Ainda assim, em sua crítica, Michalski ressalta que a peça significava uma "série de graves acusações à engrenagem comercial da televisão", ao contar "como um ídolo é artificialmente fabricado, impiedosamente explorado e finalmente jogado fora". O mais interessante, para o crítico, era essa acusação vir de um ídolo que, apesar de muito diferente do personagem da peça, também se servira do mecanismo que agora denunciava, mostrando seu imenso senso crítico.
Ficarei devendo para um outro post uma análise de Budapeste, baseada nas aulas e discussões feitas por Sérgio Mota, meu professor de Literatura na PUC, que disseca o livro de Chico semestralmente para suas turmas. Com talento e precisão incríveis, as análises do Sérgio tornam a experiência de leitura de Budapeste ainda mais interessante. Prometo também para o futuro uma lista de livros, CDs e DVDs sobre o Chico que são indispensáveis para verdadeiros fãs que, diferentes de mim, não faltam a um show sequer de um dos maiores cérebros que essa terra já produziu. Fico por aqui. Que Chico olhe por nós.
20.2.07
Três vezes Chico
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