18.7.07

Cinema e tolerância - o que a França tem a ensinar sobre

Mapear a forma como a beleza é vista em diferentes países. Esta foi a tarefa proposta a duas turmas de Teoria da Imagem no último semestre na PUC. O resultado da pesquisa e das entrevistas será transformado em um programa especial produzido pela TV da faculdade e transmitido pelo Canal Futura. O país que eu e a Clara, minha parceira nesse e em vários outros trabalhos puquianos, ficamos responsáveis por mapear foi a França. Para isso, escolhemos três manisfestações culturais daquele país - a culinária, a gastronomia e a arquitetura - para, a partir delas, tentar chegar a uma resposta. Postei abaixo a entrevista que fiz com o jornalista francês Laurent Dubois, ex-colaborador da famosíssima Cahiers du Cinéma. Figura simpática e tipicamente francesa, Laurent rendeu uma boa entrevista em que falou sobre tolerância, respeito e, é claro, cinema. Espero que gostem.

Cinema e tolerância - o que a França tem a ensinar sobre

Um colecionador de cartazes do cinema brasileiro. Radicado há sete anos no Brasil, em missão do Ministério das Relações Exteriores francês, Laurent Dubois foi colaborador da famosa revista francesa de cinema Cahiers du Cinema e atualmente contribui para divulgar no exterior o cinema brasileiro. Ao longo dessa simpática entrevista sobre o que é beleza para a França, em várias expressões culturais como a arquitetura e a culinária, mas principalmente no cinema, Laurent falou sobre o cinema francês e a influência direta que a França exerce em todo o mundo, ao produzir filmes em parceria com vários países. Explicou porque vê os Direitos Humanos como o que há de mais belo na França e afirmou que em sete anos de Brasil, às vezes se sente mais brasileiro do que francês.

- Para você, o que é beleza?/ o que considera beleza?
É difícil responder... (risos) O conceito de beleza é ao mesmo tempo muito concreto e muito abstrato... Acho que beleza é um ideal que o ser humano persegue, um ponto a que ele quer chegar, sempre.

- Acha que beleza tem a ver com a França?
Tem a ver com o mundo, não com a França especificamente. É um conceito universal. Cada cultura tem seus critérios próprios do que é belo. Não se pode dizer que beleza tem a ver diretamente com a França.

- O que considera mais belo na cultura francesa?
Sem dúvida, os Direitos Humanos. Liberdade, Fraternidade, Igualdade são conceitos que nasceram na França, com Montesquieu, Voltaire, Rousseau. Por mais que essas noções tenham tido outras interpretações em outras culturas, foi a França que as definiu de forma abrangente e as empreendeu na prática com a Revolução Francesa. A França tem uma noção muito grande da importância de ajudar aos outros. Isso é muito especial.

- Como francês, você poderia dizer que isso é o que lhe dá mais orgulho do seu país?
Com certeza. A preocupação francesa com os direitos humanos é muito especial. O que me dá mais orgulho é isso. E não é algo tão valorizado dentro da França, pelos franceses. É um país muito crítico consigo, que muitas vezes não reconhece seus próprios valores, suas próprias qualidades.

- Há algo que você considere belo que foi transmitido pelos seus avós/ pais? Você discorda de algo que eles consideram belo? Por quê?
Essa coisa da tolerância é um valor muito bonito que eles me passaram, aquela coisa de aceitar os outros como são. Não discordo que coisas que eles consideram belas.

- Por que uma preocupação tão grande que os franceses têm com a elegância e a beleza de seus pratos? Por que a preocupação estética com a culinária?
Acho importante você fazer uma distinção entre culinária e gastronomia. Culinária é dia-a-dia, gastronomia não. Imitando a Rita Lee, podemos dizer que culinária é prosa, gastronomia é poesia. Gastronomia é arte, não é só comércio. Arte de viver e comer. O francês se preocupa muito com isso, afinal, se come com os olhos.

- Você percebe no seu dia-a-dia essa preocupação com a harmonia estética da comida da sua casa? Mesmo depois de ter chegado ao Brasil?
Percebo, principalmente com convidados. Um brasileiro que chegue a casa de um francês e não seja recebido com um jantar com traços da gastronomia francesa pode até ficar sentido. As pessoas gostam e eu faço para agradar mesmo.

- A França é conhecida mundialmente pela preservação de seu patrimônio histórico. Qual sensação você, como francês, tem ao, numa cidade como Paris, por exemplo, deparar-se com construções que traduzem diferentes momentos culturais de seu povo, de sua cultura?
É emocionante. Tudo é muito bonito, a influência romana. Acho que esse contato com diferentes épocas da história e a valorização que a França dá a isso é uma forma de lembrar o quanto nós somos efêmeros. Tem muito a ver com aquilo que falei sobre tolerância. Para nós, franceses, preservar o passado é lembrar que não somos eternos. É uma forma de relativizar nossa passagem pela Terra. Lembrar que já existiu um passado e, com isso, sabermos que vai existir um futuro.

- Pra você, onde está a beleza no cinema francês?
No pioneirismo. A França é a pátria oficial do nascimento da sétima arte. Existe uma tradição no cinema francês na experimentação, sempre houve uma noção de arte muito forte. Para o cinema francês, a arte é mais importante do que a indústria. Para você ter uma idéia, 50% dos filmes visto na França devem ser franceses. Fora isso, exercemos também no cinema essa coisa da tolerância, do respeito a outros povos. A França talvez seja o único país do mundo em que parte dos impostos pagos pelos cidadãos é destinada a ajudar financeiramente as produções culturais de outros países. A França produz filmes em vários países do mundo, inclusive no Brasil.

- Interessante essa sua visão sobre o cinema francês. O diretor Jean-Jacques Annaud, em uma entrevista para a Label France, em 1995, na comemoração dos cem anos do surgimento do cinema, disse que o cinema francês, ao contrário do americano, faz filmes para Paris, desprezando o resto do mundo. Para ele, o cinema de hoje é uma arte global e, segundo ele, não se pode mais fazer filmes para mercados do tamanho do da França, que representa no máximo 4% do mercado mundial. O que você acha dessa opinião de Annaud?
Não, não, não. Esta é uma visão polêmica do Annaud. Ele é um diretor que fez carreira internacional, premiado com um Oscar – que nem é tão valorizado dentro da França – e que é conhecido por esta visão. Poderíamos dizer que todo ano, a cada filme que a França ajuda a produzir, tem um quê do cinema francês. Falando de Brasil, devemos lembrar de Central do Brasil. É um filme de arte e do grande público, que conseguiu unir as duas coisas, como nós, franceses, conseguimos fazer. A França ajuda muito nesse sentido. O Brasil deveria fazer mais filmes assim. Central do Brasil e Cidade de Deus são dois filmes que fizeram muito sucesso no exterior e muito sucesso de público e que tiveram apoio francês na produção.

- Você é conhecido por ter uma coleção de cartazes de filmes brasileiros. Como surgiu seu interesse por cinema brasileiro? Foi antes de vir morar aqui, há sete anos?
Na verdade, não. Meu interesse pelo cinema brasileiro começou quando cheguei aqui. Temos que ser sinceros em admitir que o cinema brasileiro nunca teve muita repercussão no exterior. Conhecia, é claro, Deus e o Diabo (na Terra do Sol), de Rocha (Glauber), mas não tinha me impressionado mais do que outros grandes filmes de outros países. Conhecia pouco mesmo. Quando vim morar aqui, com o contato com artistas e pessoas do cinema brasileiro, começou meu interesse. Hoje, estou escrevendo um livro sobre cinema brasileiro.

- Existem características estéticas parecidas entre os cinemas francês e brasileiro, na sua opinião?
Sim, no que se refere à experimentação, à alegoria. O cinema brasileiro deveria fazer mais isso. Imitar menos o cinema europeu e o cinema americano e criar mais. Ser mais alegórico, mais metafórico. Acho que um bom exemplo disso que eu estou falando é o primeiro filme do diretor Heitor Dhalia, Nina. É inventivo como o bom cinema brasileiro e ao mesmo tempo internacional.

- O que mais o impressionou em termos de beleza ao chegar aqui? Causou estranheza, emoção, curiosidade - que tipo de sentimento?
O Rio, a sua beleza geográfica. A chegada de avião é inesquecível. O Rio é maravilhoso. Aqui, a natureza ainda existe, apesar da loucura do ser humano. A natureza aqui é tão forte que supera a loucura do homem, da destruição imobiliária. Na Barra e no Recreio, cada dia o Rio é mais destruído, mas acho que a natureza, aqui, ainda é mais forte que o homem. É diferente de São Paulo, que já está toda destruída.

- O que é diferente no Brasil e na França no que se refere à beleza? A beleza brasileira é uma beleza mais do dia-a-dia, enquanto na França é uma beleza mais atemporal. O brasileiro se preocupa muito com o presente, o francês com o passado e com o futuro. Acho que esse contraste entre efemeridade e atemporalidade é perfeito. Aqui, a beleza está mais no cotidiano.

- De que você sente mais falta no Brasil? Por quê? Como faz para suprir?
Como fico pouco tempo sem ir à França (nunca passo mais de 4 meses sem visitar o país), não chego a sentir falta de nada, a não ser a família. Nesses vinte anos que moro fora da França e conheço diferentes países do mundo, sempre procuro coisas diferentes. Viajo para me encontrar com o diferente.

- Identifica aqui no Rio / no Brasil coisas que lembram a beleza da França?
Sim, os Direitos Humanos, como disse, mas no povo, não na estrutura social. Diria que a estrutura popular possui essa noção de tolerância. O povo brasileiro é mais tolerante do que a burguesia e a elite, como disse o Cacá Diegues numa entrevista. O povo, não a burguesia e a elite, são um símbolo físico dessa tolerância, dessa solidariedade.

- Na França, você também percebe essa diferença entre as classes sociais no que se refere à tolerância, aos direitos humanos?
Na França, também tem isso. Não sou muito indicado para falar sobre a França atual, porque há vinte anos estou afastado daquela realidade, mas, pelo que sei, a França hoje vive uma situação nova, com todo esse problema das periferias. Desacordo entre as classes existe, queiramos ou não. A minha visão da França é antiga, de 20 anos atrás, então posso estar equivocado. Hoje acho que conheço mais a realidade brasileira do que a francesa.

- Se fosse feito um concurso para escolher o que existe de mais belo no Brasil o que seria? E no brasileiro?
Alegria do povo. Esse povo que canta sempre, dança sempre, beija sempre. É um povo com grande força de viver, que precisa se abraçar sempre, trocar calor humano sempre.

- Você diria então que isso que chamou de alegria do povo é uma identidade do Brasil como nação e como povo? Do Brasil e do brasileiro?
Sim. O brasileiro é muito o presente, por isso gosto tanto daqui. O francês, de forma geral, sempre pensa muito no passado e no presente. Eu valorizo mais isso, essa coisa do aqui e agora, do momento. Acho que já sou mais brasileiro que francês. Isso é fantástico no Brasil.

Um comentário:

Anônimo disse...

fala rapaz... legal a entrevista, embora eu ache que ele tem mau gosto em algumas coisas, como gastronomia... mas a analise da Franca como um pais solidario e autocritico achei bem certeira...

mas legal mesmo foi o texto da menininha que engoliu a tampinha... seus outros textos sempre tiveram bom humor, mas dessa vez nao me segurei e comecei a rir como se estivesse lendo Verissimo... serio mesmo, genial! (qdo leio Verissimo comeco a rir sozinho e preciso de uns 10 minutos p ler o texto seguinte, pq releio varias vezes as piadas p rir de novo... nao consigo evitar rsrsrs...)

mas como sempre tenho que criticar algo, devo dizer q nao gostei do final, nao gosto de ver os artistas, no caso o palhaco, representados como seres superiores... as pessoas comuns como a narradora e sua familia eh que deveriam aprender a ser um pouco artistas e conviver umas com as outras... nossa, consegui ser mais moralista q o final do texto, agora! desculpa...