16.3.08

Vaivém de idéias*

Pouco antes da fuga de Portugal, Antônio de Araújo, futuro conde da Barca, mandou colocar no porão do navio que o traria para o Brasil as tipografias que haviam sido compradas na Inglaterra para a Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, de que era titular. Ao chegar no Rio de Janeiro, em 1808, mandou instalar todo o equipamento no porão de sua casa. Esse mesmo equipamento seria usado quando D. João criasse, em maio daquele ano, a Impressão Régia, dando início, com séculos de atraso, à impressão de livros, jornais e documentos no Brasil. Cabia à Impressão Régia imprimir toda a legislação e papéis diplomáticos de qualquer repartição do governo real, além de livros ou jornais. As tipografias trazidas de Portugal cumpriram seu papel com grande produtividade, imprimindo, entre 1808 e 1821, 1000 publicações, numa média de 6,5 impressões por mês.

Em setembro do mesmo ano, D. João instituía a censura prévia, que deveria ser exercida pelo Desembargo do Paço, um organismo censor para a fiscalização de livros e demais publicações. Criada no século XVI, a censura tinha tradição em Portugal, o que explica D. João ter estabelecido o sistema assim que chegou para controlar a divulgação de idéias iluministas e libertárias, extremamente nocivas à manutenção do absolutismo.

Para o Rio de Janeiro, foram nomeados quatro censores, que se revezavam na tarefa de encontrar nos livros indícios contra a religião, a moral e o soberano. Mesmo contando com o auxílio do intendente geral de Polícia, sua eficácia foi prejudicada pelos desentendimentos e pelas vaidades dos censores, que não abriam mão de seus pontos de vista, certos que isso desmereceria suas inteligências.

Para fugir do crivo da censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal a circular no Brasil, era publicado em Londres. Seu fundador, o gaúcho Hipólito José da Costa, deixou o país com 16 anos para estudar em Coimbra. Em junho de 1808, morando na Inglaterra, criou o jornal, que tinha cerca de 140 páginas e transmitia as idéias de seu editor. Hipólito era um homem que acreditava numa constituição que limitasse os poderes do rei e garantisse os direitos individuais, a liberdade de imprensa e de religião. Mas foi esse mesmo defensor da liberdade de expressão que aceitou dinheiro de D. João para não publicar opiniões mais radicais em relação ao governo. O acordo foi negociado em 1812 pelo embaixador português em Londres e previa o repasse de uma pensão anual a Hipólito, em troca de críticas mais amenas ao governo de D. João, a quem, mesmo antes de receber qualquer quantia, sempre tratou com respeito. Nascia o fisiologismo na relação entre Estado e imprensa no Brasil.

Mas o primeiro jornal publicado realmente em território nacional foi a Gazeta do Rio de Janeiro, que começou a circular em setembro de 1808, impresso nas máquinas trazidas de Lisboa. Tinha formato pequeno, com quatro páginas e, para que pudesse circular, deveria trazer em suas páginas somente notícias favoráveis ao governo, como notícias sobre a família real, atos oficiais e anúncios. O Correio e a Gazeta eram projetos quase antagônicos. Enquanto um era pequeno e mais informativo, o outro era enorme e bastante doutrinário. Além disso, o primeiro, por não ter concorrentes oficiais, não tinha a preocupação da publicação de Hipólito, de conquistar novos leitores.

Comparar este primeiro momento da imprensa no Brasil com os 278 jornais editados em Londres no mesmo período mostra como a circulação de idéias era restrita no país. A fundação da Impressão Régia foi, no entanto, essencial para que esse quadro começasse a mudar. Desde a abertura dos portos, o contato com estrangeiros aumentava, assim como o número de pessoas atentas às transformações que aconteciam mundo afora. Em 1815, a autorização para a instalação de tipografias na Bahia e em Pernambuco permitiria que essas novidades que chegavam de todo o mundo, sob a forma de livros ou jornais, circulassem com mais facilidade.

Em março de 1821, a censura era suspensa com a expedição do decreto sobre a liberdade da imprensa no Brasil. Enquanto a Constituição que estava sendo formulada pelos portugueses não especificasse as regras sobre o assunto, D. João achava melhor revogar a censura prévia. A imprensa, gozando agora de mais liberdade e do crescente número de jornais, engajava-se em sua primeira grande campanha. A independência era questão de tempo.


* Obs.: Este é um dos capítulos escritos por mim para o meu primeiro livro, sobre os 13 anos de estadia da família real no Brasil. Infelizmente, esse e alguns outros capítulos ficaram de fora do livro. Publicarei todos aqui, aos poucos, para que o trabalho fique completo. O livro chama-se Ponha-se na rua: fatos e curiosidades do Rio de Janeiro de D. João VI e é essencialmente um livro de fotografias misturadas com pinturas da época, de artistas como Debret e Rugendas. O idealizador do projeto é o fotógrafo Ricardo Siqueira, que contratou a mim e ao também jornalista Adriano Belisário para escrever os 27 capítulos do livro.

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