3.7.09

Uma arte (que talvez não seja) universal

Ontem, acompanhando o repórter do Globo Miguel Conde, entrevistei Bernardo Carvalho, e ele observou que havia algumas diferenças fundamentais entre a sua literatura e a do afegão Atiq Rahimi, seu companheiro na mesa "O avesso do Realismo", na tarde de hoje (ao lado, na foto de André Teixeira). Pois foi uma delas que marcou o antagonismo, simpático, porém marcante, do papo da dupla, mediado pela competente crítica Beatriz Resende. Bernardo não acredita na universalidade da literatura, ou em sua capacidade de transpor barreiras e expor de forma incondicional a experiência humana.

"Na China, por exemplo, não há nenhum interesse na literatura brasileira. Não há uma passagem tranquila entre as literaturas de uma cultura para outra. Há uma disputa geopolítica subjacente. A imprensa americana adora dizer que a literatura morreu na França, pois isso interessa geopoliticamente àquele país", diz.

Discordando, Atiq o questiona sobre a condição humana, comum a todas as culturas. Bernardo rebate, sem trégua: "Há literaturas de resistência que não passam pelo humanismo. São paradoxos de difícil circulação", diz, contando em seguida a decepção que causou em nômades da Mongólia, cuja vida acompanhou durante dois meses, para produzir o romance Mongólia. O grupo cortou relações com o escritor ao ler seu romance e descobrir que, em vez de exaltar o modo de vida nômade, eles leram sobre a vida de um homem atormentado com um mundo em que não se reconhece.

"Essa coisa de literatura nacional é um pouco uma camisa de força. Acho que é uma tática de autodefesa de cada país. Enquanto outros países estão fazendo isso, a gente aqui no Brasil acha isso uma bobagem, acha que tem mais é que ser internacionalista", afirma Bernardo.

Lamentando não haver no Afeganistão sequer a noção de uma literatura nacional, Atiq lembrou que foi influenciado pela literatura persa e pela francesa. Por isso, ele se ligou na tradição do romance, que não existe em seu país de origem, muito mais forte na produção de contos e poesias:

"É uma pena não haver essa tradição no meu país. Escrever romances é puxar os limites da nacionalidade ao máximo", conclui.

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