26.11.08

O Rio vai à praia - 2

Fora a roupa, em 1958 levava-se pouca coisa para a praia, talvez porque ainda não fosse a opção de lazer preferida dos cariocas e, portanto, não houvesse de fato tantos apetrechos para se levar para a praia. O jornalista Carlos Eduardo Novaes, autor de Cem anos de praia, relato sobre os cem primeiros anos das areias de Copacabana, conta que nos anos 50 levava-se principalmente toalhas. Os mais moderninhos também carregavam barraca, óculos escuros, bóias (oficialmente os primeiros objetos carregados para dentro d’água), que tanto podiam ser de pneus, de avião ou de carros. Óleo de bronzear também constavam do kit básico, embora somente quem tivesse acesso a material importado pudesse ter realmente óleo de bronzear. O resto das pessoas se contentava – ou se enganava – com a banha de cozinha, e seu terrível cheiro, ou com a gordura de coco, de odor mais tolerável. A esteira, segundo o jornalista, só chegou ao Rio de Janeiro, também naquele período, porque os cariocas começaram a viajar para o Nordeste a turismo, dentro do contexto de integração nacional estimulada pelo governo JK.

Mas imbatível mesmo nos anos 50, segundo Carlos Eduardo, parece ter sido o radinho de pilha. E era pura verdade, pois foi exatamente em 1958 que a Standard Eletric lançou o magnífico transístor. Batizado de Sonistor, era um rádio portátil com seis transistores de alta potência “para máxima sonoridade”. O anúncio dizia que apenas três pilhas portáteis eram necessárias para que a antena interna de alto alcance captasse todas as estações. Se, naquele tempo, carioca já tivesse o hábito de ir à praia durante todo o ano, é bem possível que muitos tenham ouvido no meio da areia a partida do dia 29 de junho, quando o capitão Bellini ergueu a Jules Rimet. Ou escutado os primeiros acordes dissonantes da Bossa Nova – sem cantar junto, como manda João Gilberto.

Mas talvez Rubem Braga não estivesse tão errado sobre Copacabana, pois foi naquele período que a especulação imobiliária encontrou seu auge no bairro, e Ipanema começou a roubar o posto de Copa. A própria Bossa Nova, embora tenha num primeiro momento, sido seduzida pelos encantos da Princesinha, desenvolveu-se muito mais em Ipanema, que ainda mantinha o ar de paraíso pouco habitado, para barquinhos, banquinhos e violões à beira-mar. Mas se o interesse da galera de 1958 na Praia de Ipanema era eminentemente musical, hoje em dia a coisa é outra. Autor de uma uma dissertação de mestrado sobre as tripos da praia de Ipanema, pelo Instituto COPPEAD, da UFRJ, Gustavo Americano cita em sua tese de mestrado os visitantes do Posto 9 e do trecho em frente à rua Farme de Amoedo como alguns dos subgrupos que hoje dominam a orla carioca.

Entre o Hotel Caesar Park e a Rua Joana Angélica, o trecho em frente ao Posto 9 foi um reduto de acontecimentos que promoveram pequenas revoluções comportamentais na sociedade carioca de 1958 para hoje. A barriga grávida de Leila Diniz em 1971, a tanguinha de crochê de Gabeira nos anos 80, os apitaços para alertar contra o combate policial à maconha. Ainda hoje, o local guarda a marca da diversidade “O que mais diferencia esse grupo é a sociabilidade, pois este é o fato que atrai seus membros à praia. Sentam-se em grandes grupos e conversam bastante, bebendo cerveja e compartilhando cigarros de maconha, hoje não mais tão combatidos”, define.

Já no ponto da praia em frente à Rua Farme de Amoedo, aconteceu, segundo Americano, um fenômeno singular. A partir de entrevitas com diversos freqüentadores, ele concluiu que o trecho, freqüentado durante as décadas de 80 e 90 por cariocas simpatizantes à causa gay, coisa inimaginável em 1958, transformou-se a partir dos anos 2000 em um ponto do turismo gay ao redor do mundo, constando inclusive de roteiros pensados exclusivamente para esse tipo de público. O perfil de freqüentador desse trecho hoje é definido por Americano como de homens, brasileiros e estrangeiros, com corpos extremamente malhados que pouco se falam, talvez pela forte presença de estrangeiros. “Eles usam principalmente a linguagem corporal como forma de comunicação, seja passando bronzeador, seja com gestos ou toques”, explica.

Mas se hoje Ipanema é só alegria, em 1958 a bossa era outra. Ipanema era só felicidade, cantarolava Vinícius dando as costas para enfadonhos diplomatas. Estes, aliás, não tinham tanto trabalho como nos dias de hoje para divulgar o país lá fora, porque ele fazia isso por si só. A conquista da primeira Copa, colocando para escanteio nosso vira-latismo, os primeiros contornos de Brasília, a magnífica capital construída no meio do nada, numa espécie de Marcha ao Oeste tupiniquim, a cultura nacional fazendo ainda mais gols, com Nelson Rodrigues e Os Sete Gatinhos, Tom e Vinícius com Chega de Saudade, a imprensa carioca com revistas e jornais cheios de criatividade e vitalidade. E, para coroar tantas conquistas humanas, sociais, concretas, as praias do Rio e de várias outras cidades entravam no itinerário obrigatório de qualquer pessoa que quisesse tirar uma chinfra. Confusão era causada por biquíni abaixo do umbigo, e não por arrastão. Doença era insolação e não alergia na pele devido à poluição. Espaço sobrava, não só porque ir à praia ainda era um hábito pouco cultivado, mas também porque havia bem menos pessoas na cidade. A limpeza da areia, clara e fina, e das águas, calmas e de boa temperatura, eram o cenário perfeito para a utopia em que os brasileiros, em especial os cariocas, mergulharam em 1958. Mas como todo final de tarde que anuncia o fim da praia, o ano acabou. E, com ele, um Rio que era só felicidade.

Um comentário:

Unknown disse...

nao esyendi o q ele falou kkkkk zuei.com seus comedias!!! ")