6.1.09

AI-5 exige didatismo

Didatismo é muito importante quando você é leigo em um assunto, e um tanto chato quando se tem um pouquinho mais de conhecimento sobre o tema. Mas, nesse post, perante a triste revelação de pesquisa do Datafolha, de que somente dois de cada 10 brasileiros já ouviram falar no AI-5 (o Ato Institucional nº5, baixado em 1968 pelo ditador Costa e Silva, e que revelou a verdadeira face da ditadura miliar), o didatismo será um tanto quanto necessário. Fiz um texto simples e informativo que pode ser lido em três minutos para tentar suprir essa lacuna. Caso você não seja leigo e já tenha ouvido falar em AI-5, não prossiga com a leitura, e vá direto para o maravilhoso hotsite que a Folha de S. Paulo fez sobre o AI-5. Lá, você encontra uma reconstituição da reunião em que se sentaram os homens que governavam o país, para acabar com qualquer perspectiva de liberdade que ainda restava.

Caso tenha decidido continuar, imagine um deputado subir no palanque de Brasília hoje e se inflamar contra políticos corruptos, fazendo um discurso bem estruturado e conclamando as meninas brasileiras a não namorar jovens políticos que tivessem qualquer vínculo com partidos corruptos. Provavelmente, o deputado seria alvo de chacotas de seus pares e de maldosas notinhas das colunas sociais no dia seguinte, mas certamente teria sua liberdade de expressão resguardada. Mas em 2 de setembro de 1968 não foi isso que aconteceu. Deputado pelo MDB da Guanabara (estado que hoje é a cidade do Rio), Márcio Moreira Alvez fez um empolado e corajoso discurso em que colocava o dedo na ferida que já ardia há quatro anos, desde o golpe militar: a tortura promovida pelo Exército brasileiro contra seus opositores.

Ao receber a palavra, Márcio, do alto de seu idealismo, fez um dos discursos mais corajosos que aquela tribuna, tão vilipendiada, já havia presenciado. Criticou o crescente militarismo e a dura repressão em que, desde março, com a morte do estudante Edson Luiz, o país havia megulhado. "Creio Sr. Presidente, que é possível resolver esta farsa, esta 'democratura', este falso entendimento, pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre civis e militares deve cessar, pois só assim conseguiremos fazer com que esse país volte à democracia".

Criticando então o colaboracionismo dos civis com o regime militar, Márcio sugeria que as moças não dessem bola para os jovens oficiais e tampouco os pais deixassem seus filhos enfileirar os desfiles do 7 de setembro, dali a cinco dias, por mais que suas escolas fossem coagidas pelo governo. Concordar, para ele, era também uma forma de torturar, por mais que quem o fizesse não fosse um militar.

O governo tentou responsabilizar criminalmente o deputado pelo discurso que fizera e recorreu ao STF para dar início ao processo. Mas, para isso, era necessária a autorização do Congresso, já que a Constituição de 1967 previa a imunidade dos parlamentares. Em uma das sessões mais dignas do Parlamento brasileiro, não foi permitida a abertura por uma grande diferença de votos a favor de Márcio: 216 contra 141.

A votação enfureceu a linha dura da ditadura, encabeçada por militares como o ditador Costa e Silva e o então chefe do Sistema Nacional de Informação (SNI), o futuro ditador Médici. Costa e Silva reuniu então seu ministério e o vice-presidente para que decidissem se baixavam ou não um novo ato institucional, o 5º em quatro anos. Esse novo ato daria imensos poderes ao presidente da República e aprofundaria o regime autoritário em que estávamos afundados. Agora, o ocupante da cadeira de Costa e Silva poderia fechar o Congresso Nacional e outros legislativos, cassar mandatos eletivos, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, intervir em Estados e municípios, decretar confisco de bens por enriquecimento ilícito e suspender o direito de habeas corpus para crimes políticos.

Centenas de pessoas foram cassadas, entre deputados federais, ministros do STF, senadores, um ministro do Supremo Tribunal Militar (STM), além de professores de universidades públicas (Fernando Henrique Cardoso entre eles). Emissoras de televisão e de rádio e redações de jornais foram ocupadas por censores. Artistas como Marília Pêra, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram apenas os primeiros a conhecer as carceragens da polícia política. Ao todo, 333 políticos tiveram seus direitos políticos suspensos em 1969 (dos quais 78 deputados federais, cinco senadores, 151 deputados estaduais, 22 prefeitos e 23 vereadores). O Congresso permaneceu fechado até outubro, quando foi reaberto para eleger Médici.

O fato de 80% dos brasileiros desconhecerem esse grave fato contra da história recente do país mostra como é frágil nossa democracia, que se vangloria de eleger um sociólogo e um ex-operário de partidos opostos, mas sacode os ombros para a ignorância e o analfabetismo político de seus cidadãos.

De mais, feliz 2009, ano que vai dar trabalho, mas promete ser pra lá de recompensador.

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