19.6.08

Biografias, biógrafos e biografáveis

Quem merece uma biografia? Terminei de ler essa semana duas espetaculares, sobre literatos brasileiros de escrita, personalidade e vida completamente diferentes, mas que renderam duas biografias maravilhosas: Nelson Rodrigues (O Anjo Pornográfico) e Paulo Coelho (O Mago). Escritas por dois dos maiores biógrafos do país, os jornalistas Ruy Castro e Fernando Morais, respectivamente, as obras são verdadeiras aulas do que é uma boa biografia. Críticas, sem ser parciais, cheias de detalhes, sem perder o foco de contar a vida de seus personagens, e engraçadas na dose certa, as duas vão além do jornalismo e mesclam com talento elementos da literatura.

Mas o que define uma boa biografia é algo a mais, que depende do talento de quem escreve, mas também da vida da pessoa sobre quem se escreve. Não necessariamente autor de feitos heróicos, o biografado tem que ser, sim, autor de feitos interessantes, curiosos, dramáticos, ainda que pequenos e de pouca repercussão. As façanhas de Napoleão podem ser menos interessantes, por exemplo, que a descrição da fuga de uma judia de um campo de concentração, como relatada em A Travessia de Maria. Como num romance, o leitor tem que ver naquele fato algo maior que ele mesmo. A angústia da fuga da judia, os obstáculos que ela teve de percorrer, como conseguiu fugir, tudo isso tem que ser mostrado não tal qual aconteceu, mas sim como se fosse um romance, em que o leitor espera ansiosamente o final de cada capítulo, com frio na barriga para ler o próximo lance.

Não acredito ser possível transformar qualquer história de vida em uma biografia. Não é todo mundo que é “biografável”. Isso não depende do talento do biógrafo. O que depende dele é contar bem histórias que por si só já sejam interessantes. Paulo Coelho, por exemplo, é muito mais interessante que qualquer um de seus personagens. Foi internado em manicômios, tomou choques elétricos, foi preso pela ditadura quando confundido com um guerrilheiro, teve encontros às escondidas com o anjo da morte e com o diabo e vendeu mais de 100 milhões de livros, superando Shakespeare.

Isso faz pensar em o que torna uma pessoa digna de uma biografia. No que ela é mais importante que os reles mortais para justificar ter sua vida transformada em livro? Acho que isso depende muito mais do leitor do que do biografado. Quem julga o que é de fato interessante, quais feitos são curiosos o suficiente para render uma biografia, é o leitor. Caso exista um número de pessoas suficientemente grande interessada no Roberto Jefferson, mãos à obra. Por isso é que crescem cada vez mais as chamadas biografias afetivas. São livros que não têm interesse para o público em geral, mas apenas para um círculo restrito de pessoas. Pode ser, por exemplo, a história do patriarca de uma família, a ser lida pela parentela, ou do presidente de uma empresa, que deseja presentear seus funcionários e familiares.

Mas biografia encomendada é um grande problema. Ela limita o trabalho de apuração e a isenção do escritor. O biografado se torna quase um Jesus Cristo de tão bondoso. Mas faz parte. É isso que o leitor deste tipo de trabalho espera ler. Ninguém quer descobrir que seu avô, já morto, era um grande canalha.

Por falar em morte, biografá-los é uma tarefa bem mais fácil, pelo menos para Fernando Morais, autor de uma série de biografias maravilhosas, como Chatô e Olga. Ele disse recentemente, por conta do lançamento de O Mago, que é muito difícil saber se o que você vai escrever pode prejudicar ou beneficiar o biografado.

Com tantos critérios que devem ser levados em conta, que pessoas merecem uma biografia e ainda não receberam essa glória (ou desgraça)? Ou ainda: quem já foi biografado, mas poderia receber uma melhor? Lançada a pergunta, façam suas apostas.

Eu já posso começar: acho que o Lula merece uma nova biografia, já que a escrita pela Denise Bandeira antes da eleição está necessariamente defasada. Zé Dirceu também merece, assim como Antônio Carlos Magalhães – de quem Fernando Morais já está se ocupando. Na cultura, falta uma boa biografia de Caetano, de Fernanda Montenegro e uma verdadeira de Roberto Marinho, que possa ser chamada de biografia, coisa que a escrita por Pedro Bial não podia.

12 comentários:

Fernando Gomes disse...

Ruy Castro é um ótimo autor. Li alguns trabalhos dele.

Mas vem cá.. a biografia do Paulo Coelho é boa mesmo?

Tava pensando em ler, mas sei lá..

http://www.andisaidgoddamn.blogspot.com

Guilherme Amado disse...

Muito boa, Fernando. Vale tudo que a literatura (literatura?) de Paulo não vale.

Lidianne Andrade disse...

confesso nao gostar de biografias
mas as que vc disse parecem ser legais
abs

Lidianne Andrade disse...

ficou a rua...e a música é tudo do blog!

Stanley Marques disse...

Interessante tema a ser abordado. Como o Fernando disse acima, Ruy Castro é, no mínimo, excelente. Sobre os que merecem novas biografias: gostaria de ler algo novo a respeito de Roberto Marinho. Uma ótima opção, desde que, como você já afirmou, não seja de Pedro Bial.

Gostaria de saber se poderia adicioná-lo no MSN. Sou fanático pela Língua Portuguesa e, acredito, que poderia aprender muita coisa. Espero resposta.

Abraços,
http://www.antologiaracional.com/

Pedro Pyratero disse...

Eu mereço uma bioo! husahusauh

paulo coelho e mo viadinhoo! sauaus
http://pedropyratero.blogspot.com/

Running Brazil ( Billy ) disse...

O Ruy Castro é ótimo, ainda não lí do nosso Nelson Rodrigues to afinzaço !!

Abraço

http://runningbrazil.blogspot.com

Felipe Vergili disse...

Com o Fernando Morais escrevendo, até minha vida vira best-seller.

Carlos Vin disse...

Cara muito bacana a sua matéria
Eu li a biografia de Chatô... sensacional, o cara era um canalha e o livro mostrou isso sem superlativizar

E é verdade, nem todo mundo é biografavel, tem cada uns aí, sendo biografado...sei não...
Lula e merecem mesmo uma biografia mais recente e eu acho interessante não só a biografia de ACM, mas da familia ACM, mostrando muitos podres que há, mas aí seria muito dificil..

Um abraço!

Guilherme Amado disse...

Seria muito difícil de alguém publicar, assim como a do Roberto Marinho. Que editora teria coragem de publicar uma biografia verdadeira do Roberto Marinho? Nenhuma.

Seria linxada pelas Organizações Globo. A do Chatô, que, foi, no seu tempo, tanto ou mais que o Roberto Marinho, só foi possível porque o Grupo Associados não tinha mais um décimo do poder que tinha na época dele.

Anônimo disse...

Bom texto, sempre mantendo as opiniões fortes como marca registrada.
Acho que dependendo do escritor qualquer pessoa gera uma biografia! Por mais que, sem dúvida, aquelas que realizaram grandes feitos ou fizeram parte de um grande momento da história gerem mais apelo para a massa de leitores. Ainda assim, um livro bastante interessantes que me veio a cabeça ao longo da leitura de seu texto é "A Hora da Estrela" que não é exatemente uma biografia, mas conta a vida de Macabéa, uma coitada nordestina que chega ao Rio e vive de forma muito sem graça. Ainda assim, Clarisse Lispector escreve de forma interessante sobre a vida dessa mulher. Estamos falando de uma das maiores escritoras do Brasil, mas, ingenuamente, acredito que se possa retirar partes interessantes da vida de quaquer pessoa para montar sua biografia.
Ainda assim, acho que vale mais a pena relatar a vida daqueles que realizaram grandes feitos ou fizeram parte de um momento interessante da história do que de qualquer um.

Abraço!

Anônimo disse...

Adoro ler e adoro colagens essa do cabeçalho é ótima, valeu fort abraço!