12.6.08

Violência sem fronteiras

Maior gangue de rua dos Estados Unidos, Mara Salvatrucha mobiliza FBI, enquanto se espalha por 40 estados norte-americanos, América Central, Canadá e Europa

A polícia canadense concluiu no último dia 6 uma operação que impediu a expansão em Toronto da maior gangue de rua em atividade na América do Norte e na América Central. Famosa pelo tamanho, abrangência e violência com que oprime subúrbios da Califórnia e mais 39 estados americanos, de acordo com o FBI, a Mara Salvatrucha (banda salvadorenha, em espanhol), ou simplesmente MS-13, possui quase 30 anos de atuação na América Central e nos Estados Unidos, com ramificações já instaladas em cidades do Canadá e da Espanha.

O crescente poder e violência da MS-13 justifica a satisfação da polícia de Toronto. Com quase duzentos mil membros espalhados principalmente por El Salvador, México, Guatemala, Honduras e 40 estados norte-americanos, os maras, como são chamados seus integrantes, são homens de 12 a 26 anos, com poucos anos de estudo e de origem hispânica. As principais atividades criminosas do grupo são tráfico de armas e drogas, roubos, estupros, extorsões de pessoas da vizinhança e exploração sexual. Casos de homicídio também são registrados, muitos deles de forma violenta, como alguns casos registrados mês passado de pessoas mortas com facões.

A gangue surgiu nas ruas da Califórnia em 1980, a partir de um grupo de jovens imigrantes de El Salvador. Naquela década, quase um milhão de salvadorenhos fugiram da guerra civil de seu país para os Estados Unidos. Em um cenário de bairros pobres, com desemprego, famílias desestruturadas, até com casos de abuso sexual, esses imigrantes viram na formação de uma gangue não apenas um meio de sobrevivência, mas principalmente uma forma de defesa se sua identidade e autonomia cultural. Segundo José Miguel Cruz, da Universidade da América Central, de El Salvador, pertencer a Mara Salvatrucha é um motivo de orgulho que o membro faz questão de exibir. "Todos eles, sem exceção, possuem o corpo tomado por tatuagens. Essa é a maior prova de como eles gostam de mostrar que são um mara", explica Cruz, que estudou por quase dez anos a gangue e seu funcionamento.

E é justamente este um dos traços que a diferencia das organizações mafiosas tradicionais, cujos membros escondem sua filiação e possuem interesses eminentemente econômicos. Outro traço que difere a MS-13 da máfia é a falta de uma base, algum lugar que funcione como sede ou quartel-general das operações. Embora estejam ligados e organizados, não possuem uma estrutura fechada e fixa. O procurador de Maryland, Rod Rosenstein, que coordena o escritório responsável por uma série de ações penais contra a organização, explica porque essa comparação é importante. "Estamos tentando usar a mesma legislação federal utilizada contra a máfia para bloquear seus recursos e dificultar seu financiamento", disse em entrevista ao site da BBC News. Mas Rosenstein está encontrando uma grande dificuldade para provar que a MS-13 é, de fato, uma organização com atuação interligada. Os encontros entre membros, as roupas - azul e branca - e as tatuagens têm sido usadas como características que comprovariam a relação entre líderes da gangue em El Salvador e seus protegidos nos Estados Unidos.

As ligações são tantas que o FBI decidiu abrir um escritório em San Salvador, capital salvadorenha, no ano passado. Em contanto permanente com a força tarefa nacional criada contra a MS-13, nos Estados Unidos, o escritório em El Salvador mistura inteligência policial, investigações e ajuda do governo e da justiça locais para realizar operações.


A Mano Dura

Em El Salvador, a capital está praticamente sob controle da gangue e de sua rival, Mara 18. A taxa de homicídio é uma das mais altas do mundo – 58 a cada 100 mil habitantes. Durante os anos 1990, foi implementada uma política de confronto direto com as gangues, inspirada na Mano Dura, política de enfrentamento criada em Honduras no início da década. A Super Mano Dura salvadorenha criou uma legislação que permitia à polícia prender pessoas apenas por suspeita, seja pela ligação com membros ou apenas por possuir tatuagens por todo o corpo. O resultado, é claro, foi a prisão de milhares de maras. No entanto, a justiça não foi capaz de processar tantas pessoas e muitos foram soltos sem acusação formal.

Outro resultado, que agravou ainda mais a situação, foi a consolidação do poder da MS-13 nas prisões, enfraquecendo os policiais da política do Mano Dura. Atualmente concluindo o doutorado na Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, José Miguel Cruz acredita que os governos americano e salvadorenho poderiam implementar uma eficaz forma de combate: a prevenção. “Nenhum dos dois esforça-se em evitar que os mais jovens entrem novamente na gangue. Preferem apelar para o combate direto”. Cruz acredita que essa política de enfrentamento gera ainda mais violência, por desrespeitar direitos humanos e incitar retaliações cada vez mais sangrentas. “O grupo não respeita fronteiras. Cometem crimes em San Salvador, fogem para os Estados Unidos, e vice-versa. É algo que nunca vai ter fim sem a prevenção”, concluiu.

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