10.5.08

Relíquias: a última crônica de Artur da Távola

"Embora enfermo desde agosto de 2007, com risco de vida, nas breves oportunidade em que não esteve internado, o titular deste blog nele não mais pôde escrever. Ele ficou aberto sujeito à interferência de internautas que se comprazem em entrar em domínios alheios.

Embora não mais internado em hospital prossigo em tratamento doméstico e assim será por algum tempo. Nessas circunstâncias, peço desculpas a quem o procure. Ele está momentaneamente congelado por seu titular. Espero voltar na plenitude de minhas possibilidades dentro de dois ou três meses. E conto com sua compreensão."

A mensagem acima foi o último post do jornalista, escritor e político carioca Artur da Távola, em seu blog, na sexta-feira de 4 de janeiro deste ano. Como todos sabem, Paulo Alberto Monteiro de Barros (Artur da Távola era pseudônimo) morreu ontem em seu apartamento no Leblon, aqui no Rio. Publicou mais de 15 livros. Foi líder da bancada tucana na Assembléia Constituinte de 1988, quando defenseu alterações nas concessões de emissoras de televisão para permitir que fossem criados canais vinculados à sociedade civil. A história e a zona que foram as concessões de rádios e canais de TV durante o governo Sarney mostraram que, nesse aspecto, fracassou.

Foto de José Reinaldo Marques

Selecionei cinco perguntas das mais de 30 feitas a ele em outubro de 2005 numa entrevista ao portal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), capazes de mostrar sua solidez como jornalista, intelectual e político.

ABI Online — Por que o pseudônimo?
Artur da Távola — Eu era editor de Cidade na Última Hora e assinava com o meu nome, Paulo Alberto, uma coluna chamada “Cidade livre”. Quando foi decretado o Ato Institucional nº 5, quem, como eu, já tinha problemas políticos precisou se esconder. Quando a coisa foi-se normalizando, o Samuel Wainer me chamou e me aconselhou a arranjar um pseudônimo e passar a escrever sobre televisão. Aí me veio à cabeça o nome de Artur da Távola.

ABI Online — Como avalia seu trabalho como constituinte?
Artur da Távola — Bem, o capítulo da comunicação até hoje está aí, ninguém nunca tentou mudar nada. Todas as defesas contra a censura e pela regionalização de produção e a criação do Conselho de Comunicação nós conseguimos ganhar.

ABI Online — E de onde vem o seu estilo como cronista?
Artur da Távola — Do ponto de vista literário, sempre fui um enamorado da crônica, que é um dos gêneros mais encontrados na coleção de livros que mantenho em casa. É uma pena que ela esteja desaparecendo do jornalismo. Na minha concepção, a crônica é tão importante para um jornal como um jardim é para uma cidade.

ABI Online — Em que estágio se encontra a cultura nacional?
Artur da Távola — O Brasil tem uma capacidade descomunal de produção cultural, mas tem problemas nos canais de distribuição da cultura. Política cultural que não cuide desse processo não é política para o povo brasileiro. Outro ponto negativo é que se gasta muito dinheiro proveniente da Lei Rouanet com a aprovação de projetos muito caros, quando se poderia viabilizar eventos mais baratos e irradiar a ação cultural até as periferias.

ABI Online — Então, o que é preciso mudar na política cultural do País?
Artur da Távola — Investir mais dinheiro e considerar que a cultura é um bem de primeira necessidade que tem tudo a ver com a evolução civilizadora do povo. A cultura é tão importante quanto gastar dinheiro com estrada e com saúde.

Por fim, como prometido no título do post, a última crônica de Artur publicada no popular O Dia, aqui do Rio. Curiosamente, na última frase, ele fala na morte.


Camarão com catupiri

Ainda rapaz, minha mãe anunciava com alegria, ao receber o salário modesto de funcionária pública no fim do mês: “Hoje vai ter camarão com catupiri”.

Prato denso pela consistência daquele requeijão no qual, ademais, ela adicionava deliciosos palmitos. Não usava molho de tomate de lata (“muito ácido”, dizia), nem colocava ervilhas. O camarão era grande, gostoso e bem mais barato então. Falo de molho de tomate e ervilhas porque, depois, a especiaria ganhou fama e até estrelato em nobres cardápios, tornando-se, também, salgada no preço. Apareceu em jantares finos e restaurantes metidos. E com molho de tomate e ervilhas.

Aos poucos, porém, foi perdendo ‘status’. Dos jantares finos sumiu, porque se tornou lugar comum e, também, porque camarão é caro e rico não é besta.

Nos restaurantes (r)existe, porém, pálida lembrança: o (que era) ‘catupiri’ com camarão está mais para molho branco com farinha de trigo que para o velho e saboroso requeijão. E o pior! Caso se deseje usar o catupiri mesmo, ao vivo e a cores, este envelheceu, tornou-se ralo e aguado, dissolve-se e dessora uma gordura amarelada. Sucumbiu aos imitadores. E, depois destes, veio ainda a legião de copos e mais copos de requeijão cremoso, díspares na qualidade e malandros nos preços, porém mais práticos até pelo aproveitamento do copo que substitui a simpática caixinha redonda, de madeira. Mas sem a mesma consistência de quase queijo, com certeza.

Pobre vovô catupiri, que não conseguiu entrar com saúde na terceira idade! A vertigem do consumo o pilhou desprevenido, sem condições de reproduzir a classe de antigamente. Mesmo assim resiste, que bom! Apesar de soltar a amarela e assustadora camada de gordura liquefeita, para tais iguarias ainda é melhor que o requeijão de copo, pois este precisa ser engrossado com farinha; e o “catupa”, não.

Ele virou, porém, marca e símbolo de um modo de cozinhar acepipes: coxinha de frango com catupiri; rissole de camarão com catupiri; empadinhas de galinha ou camarão com catupiri. O nome prolifera e dobra o preço: rissole de camarão custa a metade de rissole de camarão com catupiri. E a imaginação criadora disparou, inventando até um deslumbrante croquete de aipim recheado com catupiri. Comi um na ‘Chez Anne’ e quase chorei de emoção.

Mas o camarão com catupiri inesquecível de minha mãe, este não existe mais.

O tempo o levou. E a ela, cuja perda não tem solução.

4 comentários:

Anônimo disse...

Como diria o próprio cronista...
"O tempo o levou [...] cuja perda não tem solução".

Crónicas são interessantes, porém, é difícil de achar as boas...

Abraços

Caio disse...

Ô Amado, você anda aprontando por aqui, rapaz! O blog tá maravilhoso, uma delícia de ler, cheio de boas idéias realizadas. Adorei a série "As esquinas de Copacabana", deve ter dado um trabalhão. E obrigado pela indicação do meu bloguinho. Um grande abraço, amigo! Parabéns!

Bel disse...

Aproveito a dica do Guilherme para sugerir que leiam muito o Arthur da Távola.No mínimo a sensibilidade de cada um vai ser bem exercitada.
Que tal colocar uma crônicas dele?
Bjs

Guilherme Amado disse...

Não posso. Estaria infringindo direitos autorais, coisa que já faço mais do que gostaria com as fotos e as músicas do podcast...