28.9.09

A cena experimental de Jorgen Leth*


Um nome com o mesmo peso para o cinedocumentário que o do russo Dziga Vertov. É assim que Amir Labaki, crítico de cinema e diretor do festival É Tudo Verdade, define o dinamarquês Jorgen Leth (na foto acima, à esquerda, com Amir Labaki), cuja obra e pensamento são protagonistas de seu "27 cenas sobre Jorgen Leth", que estreia neste domingo no Festival do Rio. Em 45 anos de atividade, realizando seu 45º filme, Leth é respeitado pelos curtas conceituais, ensaios antropológicos, filmes de esporte, retrato e diários de viagem que rodou, procurando sempre experimentar a linguagem, ousando tanto do ponto de vista estrutural quanto da concepção sobre o que é ou não documentário.

Depois de trazer Leth ao Brasil para participar de Master Classes em São Paulo e no Rio de Janeiro, quando colheu um depoimento biográfico do diretor, Labaki ouviu do próprio que poucos tinham entendido sua obra como ele:

- Quando pensei em fazer o filme, decidi que não queria uma simples biografia, pois empobreceria o cineasta experimental que ele é. Foi aí que veio à minha cabeça o "66 cenas sobre a América", um filme dele, fragmentado e assindético, que buscou retratar a alma americana no começo dos anos 80. Decidi intercalar trechos de curtas e longas do Jorgen com imagens do depoimento - explica Labaki, cuja primeira experiência como diretor foi o curta "Um intelectual no cinema - Eduardo Escorel" e faz sua estreia em longas-metragens com o novo filme.

A paixão de Labaki pelo cinema de Leth começou cerca de 15 anos atrás, quando assistiu justamente a "66 cenas sobre a América" e percebeu que estava diante de um excepcional cineasta. A certeza de que estava perante um mestre veio quando o crítico viu "The perfect human" (clique aqui para assistir ao filme) , o badalado curta conceitual que o dinamarquês concebeu nos anos 60, como contraponto ao cinema-verdade de Jean Rouch e outros. Em 12 minutos, o curta descreve de forma irônica seres humanos, debochando da pretensa possibilidade de se fazer um retrato da realidade ao calor da hora, o que Rouch tentava em filmes como "Crônica de um verão".

- Dentro de toda a obra de Leth, sem dúvida essa é a parte mais importante. Filmes como "The perfect human" e "Good and evil" mostram o grande homem de ruptura que ele é, um importante criador de linguagem, que entende ser possível retratar um mundo criado por você mesmo e chamar isso de documentário. Ele supera o limite entre ficção e realidade, ficção e documentário - ensina Labaki.

Do ponto de vista estrutural, Leth também é muito inovador, com filmes que pouco se parecem entre si - apesar de serem quase 45. Segundo Labaki, ele rompe com o encadeamento lógico e dramático, uma herança, na opinião do crítico, da poesia contemporânea:

- Por também ser poeta, ele consegue transpor para o cinema a imensa liberdade formal que o poema dá. Consegue dar saltos, fazer com que o fim não seja previsível no início.

Tantos experimentos não afetam de forma alguma o lado humanista do cinema de Leth. Labaki vê no dinamarquês um grande carinho pelos sentimentos humanos. Isso ficaria claro quando Leth corre o mundo filmando pessoas em seus diários de viagem ou ensaios antropológicos e mostra a relação entre essas pessoas e a relação delas pessoas com ele próprio.

- A presença dele nos filmes é sempre avassaladora. Está pessoalmente em corpo, carne e voz e não tem o menor pudor de assinar o discurso do documentário em primeira pessoa. A utopia desse gênero como pretensamente neutro é metralhada por ele. Leth chega e diz que o documentário é subjetivo e essa subjetividade é a dele - diz Labaki, que "fará de tudo" para estar em todas as sessões de exibição do filme no FestRio.

* Matéria publicada originalmente no site do Globo.

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