18.9.09

Silviano Santiago e a vida literária*

"Deus não quer que eu escreva, mas eu sei que devo escrever". A frase de Kafka, epígrafe de “Stella Manhattan”, um dos mais conhecidos e elogiados romances de Silviano Santiago, talvez seja a que ilustre com perfeição o comprometimento do escritor com a literatura. Professor, crítico, ensaísta, romancista, poeta e contista, a multiplicidade de Silviano (ao lado, em foto de Marco Antônio Teixeira) está não só nos ofícios que exerce, como também em sua literatura e nas opiniões que generosamente oferece a seus alunos e leitores.

À espera da hora certa para se dirigir ao Café Literário, onde participaria na quinta-feira passada da mesa “Dialogando gerações: vida literária ontem e hoje”, ao lado dos jovens escritores João Paulo Cuenca e Tatiana Salem-Levy, Silviano compartilhou comigo parte de suas crenças sobre as diferenças entre passado e presente no que se convencionou chamar de “vida literária”. Finalista da categoria Romance do Prêmio Jabuti 2009, ao lado de jovens como Carola Saavedra e Daniel Galera, ele prefere não citar nenhum nome, mas garante que tem muita gente boa na cena atual. Mas também muita gente perdida.

A resistência em citar nomes tem outra explicação além de sua natural polidez. Aos 72 anos, ele chama a atenção sobre a importância de escritores mais velhos não terem a ilusão que vão influenciar a próxima geração:

- As regras do jogo são outras e os escritores mais antigos, como eu, devem entender que os sucessores não serão necessariamente melhores ou piores que nós. O que eles terão que fazer, isso sim, é, dentro desse novo código, fazer textos com força e beleza. Eu, por exemplo, estou aprendendo essas novas regras, porque sou um escritor que, como o Drummond, gosto de aprender e de me adaptar a diferentes gerações. Cada livro que escrevo é diferente do anterior.

Para Silviano, a principal mudança foi justamente nessa "tal vida literária". A começar pela própria definição sobre o que ela seria. Os escritores tinham, segundo ele, uma vida artística, o que significa algo muito mais amplo. Ao chegar em Belo Horizonte, em 1948, depois que saiu de Formiga, onde nasceu, o escritor convivia na escola com gente de diversos campos, como Ezequiel Neves, que mais tarde se tornaria um produtor musical chave da cena artística brasileira.

- Tive ligações com diversos campos artísticos. Por volta dos meus 18 anos, comecei a participar do clube de cinema, o Centro de Estudos Cinematográficos, da famosa “Revista de cinema”, influenciadora da obra do Glauber, e também passei a escrever crítica em “O Diário Católico” e no “Estado de Minas”. Também traduzi Beckett em 1957 e sempre gostei de artes plásticas. Ou seja: tinha uma vivência em outros campos, o que, é importante dizer, não é melhor nem pior. Só é diferente do que ocorre atualmente.

Cauteloso em qualquer julgamento, Silviano acredita que os jovens escritores vivem mais isolados, “perdidos com os próprios umbigos”. Para ele, a vida de um novato de sua época era muito mais estimulante do que a atual. Esse convívio com artistas de áreas diversas, explica, estimulava a construção de um pensamento artístico comum:

- Quem vai compor com o João Gilberto Noll uma mesma cena literária nos anos 80? Ninguém, pois essa cena comum não existe, não havia nada que agregasse. Nos anos 60 e 70, o espaço literário havia crescido, mas não estimulado pela própria literatura, mas sim pela necessidade política. Quando conquistamos a liberdade, descobre-se que há um vazio. Não há nada em comum.

Hoje, como reflexo das mudanças na própria sociedade, ele acredita que outra grande característica de quem está começando é a permanente busca por se tornar um profissional, por aparecer e ter a certeza de que poderá “sobreviver de literatura”, o que, para ele, leva obrigatoriamente à busca pelo sucesso comercial. Exemplo? O zelo excessivo que essa nova geração tem em formar uma imagem. Trabalhar essa imagem profissional se torna, para Silviano, cada vez mais imperativo aos jovens.

Ao longo da conversa, sem resvalar no maniqueísmo, outras comparações vão surgindo. Entre os escritores novos e os da sua geração, qual deles eram/são mais românticos? Silviano aposta que hoje se é mais romântico.

- Éramos diletantes. Não acreditávamos na possibilidade de se alcançar esse sucesso, éramos mais realistas. Quando você é diletante, você pode se dar ao luxo de ser debochado. O que é o Ezequiel Neves? Ele não se leva a sério. É o deboche em pessoa.

Quem era mais livre na forma? “Depende”, explica. Hoje, ele enxerga pouca aventura na frase, pouca liberdade no parágrafo, muito gesso nesse tempero. Já na estrutura do texto como um todo, ele acha que a geração atual está dando conta do recado. Há inovação sim, garante, mas também há perigo:

- O risco disso é termos, a longo prazo, uma literatura pasteurizada, como acabou acontecendo com a francesa. O texto francês hoje não tem mais o glissement (deslize) tão necessário para a renovação.

*Publicado originalmente no jornal O Globo.

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