28.5.08

A falácia da falácia da ditadura

Semana passada, foi publicado um artigo bastante polêmico na Folha de S. Paulo, Falácias sobre a luta armada na ditadura, em que o historiador Marco Antonio Villa condena os que recorreram às armas para fazer oposição ao regime militar. Para ele, esses grupos contribuíram mais para o fechamento que para a abertura política do regime militar. Villa tacha as ações empreendidas - assaltos, seqüestros, bombas - como terroristas e critica o interesse maior dos esquerdistas, de instalar outra ditadura, dessa vez de esquerda, no País. "O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva", escreveu o professor, conhecido estudioso do período pela Universidade de São Carlos (SP).

Villa também critica o "estatuto histórico" dado a esses grupos como principais responsáveis pela derrocada do regime. Para ele, foi bem mais importante a atuação dos movimentos populares, na defesa da anistia, do movimento estudantil e dos sindicatos, assim como da Igreja Católica e do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), único partido tolerado pelos militares, ao lado da situacionista Arena.

Após grande polêmica, com diversas cartas de leitores enviadas ao jornal e repercussão em outros blogs e jornais, o Textos etc convidou o jornalista Álvaro Caldas a comentar o artigo. Caldas participou do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), um desses grupos de esquerda da década de 1960, foi preso e torturado, experiência que relata em Tirando o Capuz (reeditado pela Garamond em 2004). Narrado em primeira pessoa, mas de uma forma distanciada, o livro traça um painel da época como se fosse uma grande reportagem, discutindo e reconhecendo os erros da esquerda armada, além de contar de forma perturbante as atrocidades de que foi vítima nos dois anos e meio de prisão. Ele também é autor de Balé da Utopia, romance que inspirou o filme Sonhos e Desejos, lançado em 2006. Abaixo, na íntegra, o e-mail resposta de Álvaro.

Blogueiro Guilherme Amado,

Li o artigo do Marco Antonio Villa sobre as falácias da luta armada. Para usar o mesmo termo apelativo que ele foi buscar na tentativa de provocar uma polêmica, são falácias que não se sustentam porque partem de premissas falsas. Desmerece o professor de História que ele é e não faz jus ao seu histórico de especialista no período. Já publicou textos melhores. Nada de novo no que diz, requenta velhos argumentos dos opositores da luta armada, à direita e no campo da esquerda.

Sua falácia está montada em dois falsos argumentos: ninguém na esquerda armada, ao contrário do que ele diz, reivindica ou afirma que os militares voltaram aos quartéis graças às “heróicas” ações dos guerrilheiros. De onde saiu esta bobagem? Nada houve de heróico na luta corajosa e solitária dos militantes de esquerda contra a ditadura, nem a ditadura acabou por causa dela. Trata-se de um longo processo, no decorrer do qual os guerilheiros deixaram impressa sua participação. Ao contrário de muitos outros, que se esconderam, encolheram, aderiram, se ajeitaram ou emigraram, à espera do fim do vendaval de arbitrariedades.

Em seguida vem a questão da liberdade. As organizações de luta armada que lutaram contra a ditadura não tinham em vista um regime burguês de liberdade. Também não é novidade. Está no programa de cada uma delas. Por isso foram cassadas, destruidas, seus integrantes presos, torturados e assassinados. Nenhuma organização política assumida ou dita comunista ou socialista, do Partidão à ALN, tinha em vista um regime de liberdade burguesa. Estavam dispostas a fazer uma revolução, erraram e pagaram por seu erro de avaliação da conjuntura histórica. Assim é a História.

Conversa longa esta, que já está nos livros. Uma antiga discussão. Existem visões distintas sobre a resistência à ditadura. Uma parte se sente incomodada porque ao se fazer o retrospecto dos quarenta anos de 68, o que pontifica nos cadernos especiais dos jornais e na revisão da história recente é a ação dos que de fato enfrentaram a ditadura. Ainda que luta armada mesmo não tivesse chegado a existir. Foram ações isoladas, algumas de grande repercussão, que não chegaram a ameaçar a segurança do regime.

Álvaro Caldas


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2 comentários:

Charles Araújo disse...

Com certeza se todas aquelas pessoas não tivessem lutado, nós nao teriamos a liberdade que temos hoje! Nunca podemos abaixar a cabeça diante de coisas erradas.
Parabéns pelo blog ^^

Anônimo disse...

realmente, o problema é que muitas pessoas que lutaram acabaram se corrompendo, nos livraram da ditadura, mas criaram algumas politicas inuteis e envergonham a naçao cada vez que estoura um escandalo politico vemos alguns que estavam envolvidos...
sorte que no meio de toda aquela revoluçao, tinhamos pessoas que ainda tem os mesmo ideais e se pudessem lutariam pelo nosso pais novamente.